O casamento ia bem até que a situação do colombiano Marco Antonio Heredia Viveros foi legalizada no Brasil. Xingamentos e violência física começaram, então, a fazer parte da rotina do casal, até que em 1983, Maria da Penha acordou com um estampido dentro do quarto. “Puxa, o Marco me matou.”

A morte não veio, mas a paraplegia. E a tentativa de homicídio deu lugar à crença em um assalto – história que pouco tempo depois seria desmentida pelos atos de Marco Antonio. Ele foi a julgamento e condenado, mas saiu em liberdade. A omissão da Justiça no caso permitiu ainda que o colombiano esfaqueasse a mulher. Os episódios ajudaram para que a família conseguisse a separação de corpos, sem que ela perdesse a guarda das filhas.

Na época, divórcio era coisa para poucas, lei em defesa dos direitos das mulheres não existia e a elas cabia aceitarem caladas as violências que sofriam em casa. Maria da Penha, no entanto, não deixou sua história entre quatro paredes. Publicou um livro em 1994, que teve visibilidade internacional e serviu para denunciar e condenar o Brasil pela omissão no tratamento dos casos de violência contra a mulher.

A pressão fez com que a legislação brasileira fosse revista para garantir proteção às mulheres em situação de violência doméstica, além da punição do agressor. Porém, só depois de 12 anos da publicação do livro, um projeto de lei foi aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado, e transformado na Lei 11.340/2006 – batizado como Lei Maria da Penha. Em 7 de agosto de 2006, entrava em vigor umas das leis mais avançadas para amparar mulheres agredidas, física e psicologicamente por seus companheiros.

Relatora da legislação na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), lembra que a Lei Maria da Penha foi construída a várias mãos após conhecer histórias de mulheres agredidas em todo o país.

“Fizemos audiências em muitas regiões no Brasil e ouvimos histórias que iam desde violência psicológica até agressões horríveis, como a de uma mulher que levou 22 facadas. E todas essas histórias tinham em comum as relações de poder de homens que veem a mulher como propriedade, como ser inferior. Então, ter ajudado a criar este texto que salva a vida de tantas mulheres e que contribui para a mudança dessa cultura de violência foi muito marcante na minha história”, conta.

De acordo com o estudo “Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha”, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, a legislação teve impacto positivo na redução de assassinatos de mulheres em decorrência de violência doméstica. A lei fez cair em cerca de 10% a projeção anterior de aumento da taxa de homicídios domésticos, a partir de 2006, quando entrou em vigor. A queda é atribuída ao aumento da pena para o agressor, ao maior empoderamento da mulher e às condições de segurança para que a vítima denuncie, e ao aperfeiçoamento do sistema de Justiça.

"Precisamos aprimorar cada vez mais os instrumentos de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica para fazermos valer a lei e para que a gente consiga inverter essa onda de agressões às mulheres", defende a presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE).

Para a deputada Angela Albino (PCdoB-SC), apesar da lei ser uma ferramenta “importantíssima”, ainda é preciso avançar. “Nós ainda não implementamos completamente a lei. As delegacias das mulheres, além de poucas, em geral, são delegacias que tratam de múltiplos assuntos. Precisamos ter, de fato, as delegacias de mulheres, que possam compreender o universo que vive as mulheres vítimas de violência. Também é preciso fortalecer a defensoria pública, porque a Lei Maria da Penha pressupõe a defensoria como ferramenta de evitar a violência. Mais que prender o agressor nós queremos evitar que as mulheres sofram algum tipo de violência”, pontua a parlamentar.

Apesar de ainda necessitar de ajustes para fazer com que os números caiam efetivamente, a legislação figura entre as mais populares entre os brasileiros e foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma das leis mais avançadas do mundo neste campo.

Segundo a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), o sucesso da Lei Maria da Penha acontece porque “é uma legislação que traz humanidade”. “Ela atinge pessoas que vivem um sofrimento entre quatro paredes e isso torna invisível esta dor. Mas ao se apropriar da lei, as mulheres passam a ter a mais importante ferramenta ao seu alcance para evitar a violência sexual e doméstica. Por isso que só há uma saída: denuncie, revele, peça apoio e proteção sem o qual o sofrimento continuará, quem sabe, até a sua própria morte.”

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