Com votos do Centrão e de bolsonaristas, a Câmara aprovou, por 317 votos contra 111, o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 3/2025) que suspende a resolução nº 258 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que estabelecia diretrizes para o acesso ao aborto legal por meninas e adolescentes vítimas de estupro. O texto segue para análise do Senado.

A medida anula orientações voltadas a garantir escuta qualificada, sigilo e encaminhamento adequado às vítimas, fragilizando a rede de proteção em casos previstos pela legislação brasileira, que permite o aborto apenas em situações de estupro, risco de vida da gestante ou feto anencéfalo.

“O Código Penal, de 1940, não tem validade no século XXI para essas pessoas que acham que uma menina, uma adolescente deve ser mãe, mesmo após violência sexual, após estupro. Isso é uma coisa das cavernas! Nós precisamos entender que, de fato, menina não é mãe. Abaixo de 14 anos, independentemente de qualquer coisa, é presumido o estupro — isso é conceito, é da lei. O dado que nós temos é de que mais de 20 mil meninas deram à luz nesse último período, nesse último ano, porque não conseguiram acessar um serviço de aborto legal e sequer foram autorizadas a fazê-lo. A Resolução do Conanda respeita a dignidade das crianças e adolescentes. Violência sexual não é admissível”, repudiou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

A resolução do Conanda havia sido publicada em dezembro de 2024, após consultas com órgãos públicos e entidades da sociedade civil, e buscava uniformizar o atendimento de crianças e adolescentes em situações de violência sexual, um público especialmente vulnerável. A revogação foi articulada por parlamentares conservadores, liderados pelo deputado Luiz Gastão (PSD-CE), presidente da Frente Parlamentar Católica. Gastão afirmou que o texto “violava o direito à vida” e que a resolução dava “autonomia incompatível com a legislação civil”, apesar de o documento seguir normas do Ministério da Saúde e tratados internacionais de direitos humanos.

O deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) condenou a aprovação do texto. “Infelizmente, muito infelizmente mesmo, o projeto de lei do estuprador voltou com nova versão e foi aprovado na Câmara. Votei contra esse absurdo!”, declarou. “Criança é para brincar, estudar e sonhar, não para ser mãe. E agressor não é pai! O que vimos na Câmara foi um ataque irresponsável, sustentado por mentiras, a uma medida legítima do Conanda. A resolução do Conanda não cria nem amplia direitos, ela apenas reafirma o que já está previsto na legislação brasileira. O objetivo é garantir que o Estado cumpra seu dever de proteger, acolher e salvar a vida das nossas meninas”, completou o vice-líder do governo.

Para os parlamentares do PCdoB, a aprovação do PDL é uma violência contra a defesa dos direitos das mulheres, da infância e de profissionais da saúde, e é um retrocesso grave na proteção de meninas vítimas de estupro.

O tema retoma uma ofensiva legislativa conservadora que, nos últimos anos, tenta restringir direitos sexuais e reprodutivos garantidos desde a década de 1940. “Não se pode proteger o estuprador. Não se pode omitir a existência do crime. O Conanda acertou ao proteger as nossas crianças, especialmente as nossas meninas vítimas de estupro neste país”, pontuou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Para a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), a revogação da resolução do Conandaé um retrocesso, pois “obriga meninas, muitas com menos de 12 anos, a seguir em gestações forçadas”.

Durante a discussão da matéria, a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ) destacou que a bancada progressista defende “a vida da criança e a decisão que dá o direito a essa criança de ser amparada pelo Estado”. Agora, o texto segue para análise do Senado, que deve definir se mantém ou derruba a decisão nas próximas semanas.