A noite de quarta-feira (1º) foi marcada por um novo golpe à Constituição Federal e ao regimento interno da Câmara dos Deputados: a aprovação de uma emenda aglutinativa que reduz de 18 para 16 anos a idade penal no caso de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte, após o assunto ter sido rejeitado pelos parlamentares na noite anterior (30). A “pedalada” regimental executada na Casa foi recebida sob protestos de várias legendas, mas após horas de debates e obstrução, acabou sendo aprovada por 323 votos favoráveis contra 155. 

Como já havia acontecido na votação do fim do financiamento empresarial de campanhas, em menos de um dia, mais de 20 parlamentares “mudaram de opinião” e reverteram o resultado da votação.

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), a manobra foi um “crime contra a Constituição, contra a democracia e contra o processo legislativo. “Nós sabemos que este debate, construído da forma que foi, vai parar na barra dos tribunais. Abriu-se um precedente grave nesta Casa. Enquanto não se vota como um pedaço desta Câmara quer, se repete a votação para atropelar o resultado do Plenário. Isso é inadmissível”, contesta.

Deputados prometeram levar o assunto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para rever os artifícios utilizados para a segunda votação. De acordo com o parágrafo 5º do artigo 60 da Constituição Federal, não se pode votar duas vezes matéria que já tenha sido rejeitada.

O ministro do Supremo, Marco Aurélio Melo, tem o mesmo entendimento dos parlamentares. Em entrevista à Rádio Estadão, criticou a manobra de Cunha e disse que Constituição foi desrespeitada. “Nós vivenciamos tempos muito estranhos. Tempos em que há perda de parâmetros, há abandono de princípios, em que o certo está errado. Não se avança culturalmente assim. Isso implica, abandonando a Constituição Federal que a todos indistintamente submete, em retrocesso, não avanço.”  

A votação foi tomada por depoimentos duros de ambos os lados. Emocionado, o deputado Aliel Machado (PCdoB-PR) reafirmou, por meio de sua experiência de vida, o posicionamento do Partido Comunista do Brasil. A legenda acredita que o caminho para o fim da violência seja o investimento em educação e o aperfeiçoamento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 25 anos.

“Eu era engraxate, quando um programa social da prefeitura da minha cidade me levou e me ressocializou, me deu uma oportunidade. Meus colegas morreram por culpa do Estado. Eu tive condição de ajudar a minha família, porque o ex-prefeito Jocelito Canto [PTB/PR] pegou este jovem aqui e cuidou dele. Ele não quis apenas colocar a responsabilidade nele. Não estamos aqui pedindo impunidade. Tem que punir sim, mas dentro da legislação especial. Punam os jovens infratores, mas de maneira correta”, afirma Aliel.

Agora, os deputados ainda precisam analisar a matéria em segundo turno para depois a votação seguir para o Senado. A expectativa é de que lá, o tema não ande de forma tão acelerada. Nesta quarta-feira (1º), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que sua ideia é criar uma comissão que possa analisar não apenas a redução da maioridade penal, mas outras medidas do mesmo gênero, como a ampliação de penas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme proposta do governo federal anunciada no início desta semana.