Combate à fome no Brasil depende da retomada de ações integradas
Participantes de uma audiência pública realizada nesta terça-feira (7) na Câmara dos Deputados defenderam a retomada de ações integradas de combate à insegurança alimentar e à fome no Brasil, com atenção especial para gestantes e crianças.
Especialistas que discutiram o assunto na Comissão de Seguridade Social e Família defenderam investimentos no combate à pobreza, na recomposição da renda do brasileiro, no acesso à alimentação fora de casa e no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) como pilares do enfrentamento da fome.
Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021. Já de acordo com dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), 47,1% das famílias brasileiras com crianças menores de cinco anos de idade viviam com algum grau de insegurança alimentar em 2019.
“A realidade social brasileira é uma realidade que leva o país a ter 2/3 da média de desempregados do mundo, uma legislação trabalhista cada vez mais injusta. Uma política de pleno emprego dizimada. Estamos realmente em um processo de diluição e extinção de políticas públicas”, criticou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que sugeriu o debate.
Na avaliação da ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello, a desnutrição e a fome voltaram ao Brasil não por conta da pandemia, mas em razão do desmonte de políticas públicas nos últimos anos.
“Não adianta tratar da fome e da desnutrição como um fenômeno isolado. Temos que enfrentar com políticas complexas. Era isso que o Brasil vinha fazendo a partir da Constituição de 1988, com toda uma agenda de construção do Sistema Único de Saúde, da seguridade social, da educação. Havia um conjunto de políticas e, a partir de 2003, uma política de combate à pobreza, que dá conta da redução da desnutrição infantil”, afirmou a ex-ministra.
Renda
Representante da FAO, a organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, Rafael Zavala acredita que o problema, no Brasil, não é a falta de alimentos, mas sua má distribuição, o que tem a ver com a falta de renda da população.
Ele disse ainda que o mundo enfrenta uma “tempestade perfeita”, que agrava a situação de insegurança alimentar. A pandemia de Covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia e as mudanças climáticas são eventos que afetam a produção e levam ao aumento dos preços dos alimentos, da energia, do petróleo, do gás e de fertilizantes. “O Brasil tem uma experiência mundial de superação e luta contra a fome, mas agora o panorama não é muito otimista”, lamentou Zavala.
Racismo
A ex-ministra Tereza Campello observou também que o combate à fome não pode ser dissociado do enfrentamento ao racismo. “A fome e a desnutrição são fenômenos femininos. Impactam especialmente as mulheres pobres negras.”
Por sua vez, a presidente da Associação Origens Desenvolvimentistas da Saúde e da Doença (DOHaD Brasil), Patrícia Aline Boer, e a pediatra Fabíola Suano de Souza defenderam atenção às gestantes e às mulheres que amamenta e passam fome, como forma de evitar efeitos na saúde de gerações futuras.
Patrícia Boer explicou que a gestante que passa por estresse social, psicológico ou nutricional costuma ter alterações na placenta que permitem a passagem dos hormônios do estresse para a criança em desenvolvimento. “E isso vai alterar o desenvolvimento do cérebro, dos vasos sanguíneos, fazendo com que haja uma predisposição a hipertensão, alterações no fígado e no pâncreas que, juntamente com outras alterações, vão aumentar a probabilidade de essa criança ter doenças metabólicas na idade adulta.”
A deputada Alice Portugal acredita ser possível criar uma movimentação em torno de garantias nutricionais para gestantes. “Poderíamos forçar isso no Plenário da Câmara. Tenho certeza de que é possível”, declarou.