A cada 11 minutos, em média, uma mulher é estuprada no Brasil. Por ano, o crime soma quase 50 mil vítimas, e elas, muitas vezes, ainda recebem a culpa pelo o ocorrido. A história não foi diferente com uma adolescente de 16 anos, vítima de estupro coletivo no Rio de Janeiro no dia 21 de maio deste ano. Após o crime, a jovem, envergonhada, não contou a ninguém e a violência que sofreu só passou a ser investigada depois que um vídeo foi parar no Ministério Público do estado.

A mobilização social em repúdio à violência sofrida pela adolescente a motivou a fazer a denúncia, mas em vez de apoio, a jovem encontrou escárnio da polícia. O delegado foi trocado, seis dos 30 envolvidos no estupro foram presos até o momento, e a cobrança da sociedade aumenta a cada hora. Atos pelo Brasil e nas redes sociais vêm crescendo, cobrando o fim da chamada cultura do estupro no país.

No Parlamento não foi diferente. Nesta terça-feira (31), deputadas e senadoras realizaram um protesto, portando cartazes e faixas. Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), a manifestação é essencial para que o Congresso retome as discussões sobre o tema.

“Há uma invisibilidade em relação à violência sexual. Nós avançamos no que diz respeito à violência doméstica, à estrutura que apoiava essas mulheres, mas a violência sexual perdeu a visibilidade e os instrumentos que já eram poucos. Nós queremos que as políticas públicas, as instituições e o Estado brasileiro tomem em suas mãos a defesa da vida, porque estupro é crime”, diz.

Após o manifesto no Salão Verde, as parlamentares e algumas integrantes de movimentos sociais tentaram levar o protesto para dentro dos plenários da Câmara e do Senado. Em ambas as Casas Legislativas, quem não tinha o “broche parlamentar” foi barrado.

“Ou entramos todas ou não entra ninguém”, afirma a Procuradora da Mulher no Senado, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), em protesto ao bloqueio dos seguranças.

Tumulto, bate-boca, empurra-empurra. Mais uma vez, a burocracia e a insensibilidade pairaram no Parlamento. Mas após o protesto, na Câmara foi possível entrar. No Senado, não.

No Plenário da “Casa do Povo”, a deputada Luiza Erundina (PSol-RJ), reforçou que o crime do Rio de Janeiro envergonha o país. “É preciso que homens e mulheres deem um basta a tanta violência e a tanto machismo. Estamos aqui protestando, indignadas, querendo que nos tratem com o devido direito, como cidadãs brasileiras.”

Entre as reivindicações das parlamentares estão novas leis, políticas públicas e, sobretudo, respeito. “Não avançamos no combate à cultura do estupro. Isso é tratado como algo normal, como se as mulheres tivessem que se submeter. Às mulheres restou a luta pela igualdade, por direitos. É muito chocante que se questione a história dessa menina. Só há estupro onde há estuprador. E eles devem ser presos e condenados”, reforça a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Uma das deliberações aprovadas pelos deputados depois do ato foi a criação, por unanimidade, de uma comissão externa para acompanhar e fiscalizar a apuração do crime contra a adolescente carioca.

No Senado, um projeto de lei que tipifica os crimes de estupro coletivo e de divulgação de imagens foi aprovado por unanimidade. A proposta da senadora Vanessa Grazziotin aumenta, de um a dois terços, a pena para o crime praticado por duas ou mais pessoas. O texto, agora, será analisado na Câmara.

O presidente interino, Michel Temer, também apresentou sua “solução”. Reuniu secretários de segurança pública de todos os estados para “encontrar uma saída para o problema”, uma vez que extinguiu as instâncias do governo Dilma que lidavam com questões relacionadas à violência de gênero. O grupo de Temer resolveu, então, criar um núcleo federal de enfrentamento à violência de gênero, diretamente ligado ao Ministério da Justiça. O núcleo será composto pelos secretários nacionais de Segurança Pública, de Direitos Humanos e das Mulheres, além de três secretários estaduais de Segurança Pública, e discutirá a criação de um departamento de investigação de violência contra a mulher dentro da Polícia Federal.

A deputada Jô Moraes critica o desmonte feito por Temer. “Toda política pública de apoio às mulheres foi desconstruída. Lamentavelmente, o interino, Michel Temer, sequer sabia que há um Plano Nacional de Enfretamento da Violência Contra a Mulher, desde 2007; que existe uma estrutura de parceria com a sociedade; que existe uma série de instrumentos. Sua proposta é criar uma estrutura na Polícia Federal. Polícia federal, doutor Temer, não trata dessas questões. Por isso, nós estamos muito preocupadas com o que está ocorrendo, que é o desmonte de uma estrutura de Estado e de política pública que cuidava da mulher vitima de violência doméstica e sexual. Por isso, vamos permanecer nas ruas, lutando pelos nossos direitos.”