Artistas de todo o país, ativistas culturais, servidores do extinto Ministério da Cultura e representantes das mais diversas frentes ligadas ao setor avisaram, nesta terça-feira (24), que manterão as ocupações de prédios públicos em defesa da cultura. O recado foi dado durante audiência pública realizada pela Comissão de Cultura da Câmara.

A resistência artística teve início após o anúncio da extinção da Pasta pelo presidente interino, Michel Temer, e reverberou no mundo inteiro. A pressão foi sentida no Palácio do Planalto e depois de 12 dias, Temer publicou, em edição extra do Diário Oficial da União,a recriação o MinC.

Enquanto o presidente dava posse ao seu novo ministro – o diplomata Marcelo Calero, ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro –, artistas e parlamentares denunciavam o desmonte da Pasta e marcavam posição contra o governo “golpista” do peemedebista. “A recriação do MinC é uma vitória. Mas este ministério que toma posse não representa, necessariamente, a manutenção das políticas culturais que levaram anos para ser construídas”, afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), lembrando da necessidade de se pactuar os próximos passos da resistência contra os retrocessos na área.

O músico Tico Santa Cruz, salientou a crescente onda de “criminalização” que tem sido sentida pela classe artística. Ele lembrou o recente episódio em que o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) se dirige aos trabalhadores da cultura como “vagabundos”. “Eu sugeri ao Marco Feliciano, que eles, as igrejas, procurem o Ministério da Fazenda para serem tributados também”, disse.

Para o vocalista da banda Detonautas, o movimento conservador não é para destituir apenas a presidenta Dilma Rousseff, eleita democraticamente, mas a cultura brasileira. “Eles querem destruir a cultura, porque ela mexe com o imaginário, mexe com o coletivo e tem o poder de influenciar milhares de pessoas.”

O plenário da Comissão de Cultura estava lotado de artistas, como há tempos não se via, graças aos desmandos do antigo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quando Marco Feliciano resolveu “participar” do debate. O parlamentar foi recebido sob gritos de “golpista”, “fascista” e ao som de muitas vaias. O tumulto tomou conta da audiência pública e os presentes não permitiram a fala do deputado, comemorando o fim do tempo que ele tinha.

Diante das vozes dos manifestantes que entoaram em alto e bom som “ocupa e resiste”, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), disse que as ocupações honram o MinC e a cultura brasileira. Segundo ela, a Câmara dos Deputados deveria ser um “espaço de cultura efetiva da cultura brasileira”, mas ainda é um “espelho distorcido do povo brasileiro”.    

A audiência também deu voz às demandas dos povos indígenas. Para a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, não há como reconhecer um governo que, mesmo sem votos, coloca em risco uma série de projetos de valorização da diversidade brasileira.

“Somente nesta Casa, tramitam 182 medidas anti-indígenas que querem arrancar nossos territórios. São exatamente esses que estão articulados para executar uma política colonialista. Enquanto não houver o reconhecimento dos indígenas como povos originários não haverá democracia", afirmou.

Os presentes também protestaram contra as novas propostas de Temer para o setor. Ao recriar a Pasta, o interino mandou um presente de grego: a criação de uma Secretaria de Patrimônio Histórico para substituir o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Na avaliação do ex-secretário executivo do MinC, João Brant, a proposta “atende demandas da especulação imobiliária”, que quer maior facilidade para negociar áreas tombadas e de preservação ambiental.

Ao final do encontro, o presidente da Comissão, Chico D’Angelo (PT-RJ), se comprometeu em realizar uma audiência pública para debater o fim do Iphan.