Demorou 141 dias para que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestasse sobre o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) que pede o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara e do seu mandato. Mas nesta quinta-feira (5), enfim, após o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, conceder liminar determinando o fim dos desmandos do parlamentar, os ministros da Suprema Corte aprovaram, por unanimidade, o afastamento de Cunha do exercício de seu mandato parlamentar e da Presidência da Câmara.

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia afirmou que não é possível confundir “imunidade com impunidade”, afirmando que com esta decisão, o STF “não apenas defende e guarda a Constituição, como defende e guarda a própria Câmara”, resguardando sua imagem perante a sociedade.

A concessão da liminar acontece no mesmo dia em que a Suprema Corte votaria uma ação da Rede Sustentabilidade que questiona a constitucionalidade do exercício dos cargos que estão na linha de substituição da Presidência da República por réus no STF. Eduardo Cunha é o segundo na linha sucessória e em março, por unanimidade, os ministros do Supremo acolheram a denúncia contra o presidente da Câmara por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, tornando-o réu naquela Corte. 

Para o deputado Rubens Pereira Jr (PCdoB-MA), apesar da demora, a decisão é justa. “Foi uma decisão atrasada. Essa semana, inclusive, fomos ao STF cobrar agilidade, mas apesar da demora é uma decisão justa. Teori demonstrou que ele deveria ser afastado e a decisão foi mantida pelos demais, como forma de higienizar um pouco o Parlamento e dizer que o presidente da Câmara pode muita coisa, mas não pode tudo”, diz o parlamentar ao lembrar que no dia 9 de dezembro o PCdoB, junto com outras sete legendas – PT, PDT, PSol, Rede, PTN e PTdoB – também apresentou uma representação à Procuradoria-Geral da República, pedindo o afastamento de Cunha.

De acordo Teori Zavascki, Cunha não tem condições de exercer a Presidência da Câmara diante dos indícios de que pode atrapalhar as investigações contra ele por suposto envolvimento na Lava Jato. Além disso, alega o ministro, a manutenção do então parlamentar à frente da Câmara fere a imagem da Casa.

"Os elementos fáticos e jurídicos aqui considerados denunciam que a permanência do requerido, o deputado federal Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas", diz trecho da decisão.

A demora na análise do pedido, segundo Teori, se deu pela necessidade de “amadurecimento” do caso. Segundo o ministro, embora o afastamento não esteja previsto especificamente na Constituição, se faz necessário neste caso. "A medida postulada é necessária, adequada e suficiente para neutralizar os riscos descritos pelo Procurador-Geral da República", escreveu.

Manifestante protesta em frente à casa de Cunha. Foto: José Cruz/ABr

Em seu pedido, Rodrigo Janot elenca 11 razões que comprovam que Eduardo Cunha usou seu mandato de deputado e o cargo de presidente da Câmara para “constranger e intimidar” parlamentares, réus colaboradores, advogados e agentes públicos, com o objetivo de embaraçar e retardar investigações contra si.

Vice-líder do governo na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirma que o afastamento de Cunha explicita “o quão sujo era o conluio para afastar Dilma Rousseff”. “Ele usou seu cargo para se salvar e para tentar cassar a presidenta Dilma. Esse impeachment é caracterizado como mais sujo, diante disso tudo. Além disso, Temer é condenado pelo TRE de São Paulo como ficha suja, o que mostra o quão sujo era esse conluio. Dois fichas sujas, querendo tirar uma presidenta honesta. Agora temos de ficar atentos. Agora, com o afastamento definitivo de Cunha, deve haver eleição para novo presidente da Câmara e precisaremos articular para não ter um sucessor dele”, diz.

Durante a votação, a presidenta Dilma Rousseff lamentou a morosidade para análise da ação pelo STF. “Infelizmente, ele conseguiu presidir, na cara de pau, o lamentável processo de impeachment na Câmara.”

Agora, a estratégia será tentar reverter os desmandos de Cunha, incluindo o pedido de nulidade da abertura do processo de impeachment contra Dilma. Para o líder da Bancada do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA),  ficou provada a prática de retaliação de Cunha. “ A principal delas foi o acatamento da proposta de impeachment. Todo o país sabe que ele adotou esta medida para retaliar a presidente Dilma, que não pactuou com ele em defesa do seu mandato sujo. Cabe discutir agora, em nome dos interesses do Brasil, se nós vamos validar todos estes atos. Cabe aqui nós discutirmos a anulação de todos os estes atos, inclusive o acatamento do impeachment da presidenta”, afirma.

O PT já anunciou que pedirá ao Supremo a nulidade da sessão que instalou o impeachment de Dilma. “Se Cunha não pode presidir a Câmara, como pode presidir a sessão do golpe?”, questiona a deputada Maria do Rosário (PT-RS).

O afastamento da presidenta Dilma foi aprovado no dia 17 de abril na Câmara e está em tramitação no Senado, podendo ser votada a abertura ou não do processo em Plenário já na próxima semana.

As razões do afastamento

1. Requerimentos feitos por aliados de Cunha, como a ex-deputada Solange Almeida, para pressionar pagamento de propina da Mitsui;
2. Requerimentos e convocações feitos na Câmara a fim de pressionar donos do grupo Schahin;
3. Convocação da advogada Beatriz Catta Preta à CPI da Petrobras para "intimidar quem ousou contrariar seus interesses";
4. Contratação da empresa de espionagem Kroll pela CPI da Petrobras, "empresa de investigação financeira com atuação controvertida no Brasil";
5. Utilização da CPI da Petrobras para pressão sobre Grupo Schahin e convocação de parentes do doleiro Alberto Youssef;
6. Abuso de poder, com a finalidade de afastar a aplicação da lei, para impedir que um colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados;
7. Retaliação aos que contrariam seus interesses, caso da demissão do ex-diretor de informática da Câmara que revelou a autoria de requerimentos feitos por aliados de Cunha;
8. Recebimento de vantagens indevidas para aprovar medida provisória de interesse do banco BTG, de André Esteves;
9. "Manobras espúrias" para evitar investigação no Conselho de Ética Câmara, com obstrução da pauta com intuito de se beneficiar;
10. Ameaças ao deputado Fausto Pinato (PRB-SP), ex-relator do seu processo de cassação;
11 Novas ameaças e oferta de propina ao ex-relator Pinato.