A LDO 2010: ainda o conservadorismo no enfrentamento à crise e aos seus efeitos
A aprovação da proposta de LDO para 2010 pelo Congresso Nacional apresenta pontos importantes para o orçamento do próximo ano. A definição dos parâmetros para o orçamento do último exercício do governo Lula – o orçamento do ano eleitoral – polarizou os debates, com um claro divisor entre a base do governo e a oposição. Até os momentos finais, a oposição buscava diminuir a capacidade do governo de executar o orçamento. A votação da proposta exigiu a realização de acordos com a oposição, fazendo prevalecer, em alguns casos, o atraso.
O superávit mantém-se elevado
O maior problema para a execução orçamentária tem sido a fixação de altas metas de superávit primário e, para 2010 não será diferente. Mesmo que a parte aguda da crise esteja superada, ainda remanescerão problemas para próximo período. Várias medidas de enfrentamento aos efeitos da crise como benefícios tributários, realização de investimentos, concessão de créditos subsidiados ainda produzirão efeitos no próximo ano. Ainda que as projeções de crescimento superem a marca de 3%, a própria LDO prevê 4,5%, os níveis de produção e de arrecadação serão inferiores aos do período pré-crise dificultando a produção de altos níveis de superávit.
A proposta enviada pelo governo, sob esse aspecto, era conservadora, determinando a produção de superávit como se não houvesse a crise e os seus efeitos em 2010. O Projeto exigia que o superávit de todo o setor público fosse de R$ 111,4 bilhões – incluindo a União, estados, municípios e suas estatais – correspondendo a um percentual de 3,3% do PIB, estimado em R$ 3,377 trilhões. Embora pareça menor que o do ano em curso, não houve redução, a única diferença foi a exclusão da Petrobras do cálculo, resultando em uma meta de superávit exatamente igual a exigida para 2009 e 2008, sendo ainda muito próxima dos níveis de 2006 e 2007, anos em que o país cresceu acima de 4% e a arrecadação mais ainda.
Durante a tramitação da proposta, várias emendas, inclusive do PCdoB, foram apresentadas para a redução dessa meta em 2010, mas venceu o conservadorismo de setores do governo, em especial do Ministério do Planejamento, e a pressão da oposição, que manteve um discurso contra o aumento dos gastos governamentais, ignorando a necessidade óbvia do governo atuar em medidas anticíclicas.
Foi introduzida também uma segunda mudança no cálculo do superávit da União, passando a se considerar como parte desse os gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC no lugar do Projeto Piloto de Investimento (PPI). Essa mudança não apresenta uma redução significativa do superávit, mas é conceitualmente importante, pois os investimentos constantes no PPI tinham que obedecer o critério mercadológico de produzir ganhos imediatos no curto prazo, enquanto que os projetos do PAC obedecem também a outros critérios estratégicos de longo prazo.
Segundo a LDO 2010, para o próximo ano, apesar da queda da arrecadação relativa decorrente do menor crescimento previsto para o próximo ano e da renúncia de receita dos vários benefícios tributários anticrise, a União terá que fazer R$ 72,6 bilhões em superávit, dos quais até R$ 22,5 bilhões em investimentos predeterminados do PAC. Esse valor do PAC foi aumentado durante a tramitação da proposta. Os estados e municípios, que também padecem com os efeitos da crise, terão como meta R$ 32,1 bilhões. Esse montante poderá ser reduzido em R$ 1,7 bilhão, mediante compensação com um superávit maior da União. As empresas estatais federais, exceto a Petrobras, ficarão responsabilizadas por produzir R$ 6,7 bilhões de superávit, o que faz com que esse encargo recaia principalmente sobre as hidroelétricas de Itaipu Binacional e do Grupo Eletrobrás.
Os avanços alcançados
Apesar de todos os problemas, a proposta saiu do Congresso melhorada. Houve um aumento da margem de investimentos que poderão ser incluída como superávit – serão R$ 5 bilhões a mais pela troca do PPI pelo PAC – e a introdução de importantes determinações para as políticas das agências oficiais de fomento. Atendendo essa determinações, no BNDES, por exemplo, haverá linhas especiais para projetos do setor industrial que visem a substituição de importações, criando condições para a ampliar a nacionalização da produção, o emprego e a utilização da capacidade do parque industrial brasileiro, particularmente afetado pela queda da demanda externa. Essa emenda foi apresenta pelos parlamentares da bancada do PCdoB e pela Comissão de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, presidida pelo Dep. Edmilson Valentim (PCdoB-RJ).
Também foram introduzidas medidas associadas aumentando a transparência dos gastos públicos. E o setor da saúde pôde comemorar uma vitória importante, que resultou em mais R$ 480 milhões para as ações de saúde no âmbito do SUS.
O cenário mais provável para o Brasil em 2010, é o da retomada do crescimento. Mas, passada a tormenta, restarão muitos dos efeitos da crise. Era de se esperar que uma importante lição emergisse e fosse assimilada: o importante e insubstituível papel desempenhado pelo Estado na economia. A livre ação dos mercados não basta para propiciar o bem estar da sociedade, vindo a ser, em muito momentos, até prejudicial, gerando custos fiscais e instabilidade. O governo tem que ampliar a sua capacidade de planejar, realizar investimentos, fiscalizar, desenvolver programas sociais, enfim, determinar e implementar um projeto de sociedade com desenvolvimento econômico, com justiça social pela valorização do trabalho. Essas tarefas poderão ainda ser prejudicadas com as metas de superávit constantes da LDO aprovada, que ainda são mais de acordo com um modelo de estado mínimo, baseado na financeirização da economia e na satisfação dos interesses de mercado.
Esse deve ser um importante debate para o próximo ano, quando, no processo eleitoral, a sociedade brasileira poderá reafirmar a sua vontade, num plebiscito contra o retorno das políticas neoliberais e dos seus principais mentores.