Um grupo de artistas e intelectuais, liderado pelo teólogo Leonardo Boff, entregou, nesta quinta-feira (17), à presidenta Dilma Rousseff, um manifesto em defesa da democracia e da legalidade, contra o impeachment e contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O manifesto também foi lido durante ato realizado na Câmara dos Deputados.

De acordo com Boff, o entendimento das mais de duas mil pessoas que assinam o manifesto (leia abaixo), é que não há base legal para impeachment. “Não houve crime, não houve desvio de função. Esse impeachment é expressão de dois movimentos: do revanchismo daqueles que perderam as eleições, porque o povo não aprovou seu projeto; e pelo revanchismo de um dos políticos mais nefastos que essa política já teve”, afirma o teólogo, em referência ao dia que Eduardo Cunha acatou o pedido de impeachment de Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Conceição Paschoal como forma de retaliação à posição do Partido dos Trabalhadores no Conselho de Ética da Câmara, que analisa uma possível cassação do presidente da Câmara.

Desde o dia 2 de dezembro, Dilma Rousseff é alvo de um processo de impeachment acolhido pelo presidente da Câmara. O processo, no entanto, está suspenso por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Edson Fachin, que determinou a interrupção até que o plenário da Corte decida sobre o rito do processo no Congresso, questionado pelo PCdoB. O julgamento começou nesta quarta-feira e segue nesta tarde.

Para o músico Tico Santa Cruz, um processo de impedimento de presidente da República não pode ser utilizado de forma leviana. “O impeachment é um instrumento importante da democracia e não pode ser utilizado de forma irresponsável e em benefício próprio para poder articular qualquer tipo de movimentação que possa boicotar as eleições de uma presidente que não tem nenhum tipo de processo correndo, nenhum tipo de crime. A gente precisa encerrar de uma vez por todas essa tentativa de terceiro turno”, diz.

Tico Santa Cruz e o cantor Chico César reforçaram ainda, durante coletiva na Câmara dos Deputados, outro pleito do Manifesto em Defesa das Instituições Democráticas: o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Casa. “Ele precisa ser punido pelos crimes que cometeu”, cobra Chico César.

Eduardo Cunha é alvo de processo por quebra de decoro no Conselho de Ética da Câmara e está sendo investigado na Operação Catilinárias, que apreendeu objetos e documentos nas casas do parlamentar no início desta semana. Na noite de quarta-feira (16), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu no Supremo Tribunal Federal, o afastamento de Cunha da Câmara. O petição, no entanto, só será analisada em fevereiro. 

Leia a íntegra do manifesto:

MANIFESTO EM DEFESA DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

O Brasil vive um momento histórico em que a legalidade e as instituições democráticas são testadas, o que exige opinião e atitude firme de todos e todas que têm compromisso com a democracia.

Desde as eleições de 2014, vivemos um grande acirramento político que permeia as mais diversas relações humanas e sociais. Essa situação ganhou novos ingredientes a partir da eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados e, de forma especial, após este ser denunciado pelo Ministério Público Federal por seu envolvimento em atos de corrupção, possuindo contas bancárias no exterior e ocultando patrimônio pessoal.

Absolutamente acuado pelas denúncias, pelas fartas provas do seu envolvimento em atos ilícitos e enfrentando manifestações em todo Brasil contra a agenda conservadora e retrógrada do ponto de vista de direitos que lidera, Cunha, que já não tem mais nenhuma legitimidade para presidir a Câmara, decidiu enfrentar o Estado Democrático de Direito. A aceitação de um pedido de impedimento da Presidenta da República no momento em que avança o processo de cassação do deputado é uma atitude revanchista que atenta contra a legalidade e desvia o foco das atenções e das investigações.

Neste sentido, viemos a público repudiar a tentativa de golpe imposta por Eduardo Cunha, por não haver elementos que fundamentem esta atitude, a não ser pelo desespero de quem não consegue explicar o seu comprovado envolvimento com esquemas espúrios de corrupção. Não se trata neste momento de aprovar ou reprovar o governo ou a forma como a Presidenta da República, mas defender a legalidade e a legitimidade das instituições do nosso país.

Por outro lado, defendemos o cumprimento do Regimento da Câmara dos Deputados e da Constituição Federal, ambos instrumentos com fartos elementos que justificam a cassação do mandato de Eduardo Cunha. Caso contrário, toda a classe política e as instituições brasileiras estarão desmoralizadas, por manter no exercício do poder um tirano que utiliza seu cargo de forma irresponsável para manutenção dos seus interesses pessoais.

Apelamos às e aos parlamentares, ao Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal, autoridades cuidadoras da sanidade da política e da salvaguarda da ordem democrática num Estado de Direito, sem a qual mergulharíamos num caos com consequências políticas imprevisíveis. O Brasil clama pela atuação corajosa e decidida de Vossas Excelências.

Não aceitamos rompimento democrático! Não aceitamos o golpe! Não aceitamos Cunha na presidência da Câmara dos Deputados!