A pauta regressiva voltou a ganhar espaço na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (21). A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) aprovou o Projeto de Lei (PL) 5069/13, que tipifica como crime contra a vida o anúncio de meios, substâncias, processos ou objetos abortivos, com agravamento de pena para profissionais de saúde. Parlamentares comunistas tentaram impedir esse retrocesso. 

A proposta, de autoria do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), representa um enorme retrocesso nos direitos conquistados pelas mulheres, pois além de dificultar o atendimento às vítimas de violência sexual e criminalizar os profissionais de saúde que oferecem ajuda e informações às mesmas, as humilha.

O artigo 2º da Lei 12.845, sancionada em 2013, define como estupro “qualquer forma de atividade sexual não consentida”, e o PL 5069 propõe a supressão desse importante artigo, impondo às mulheres a necessidade de exame de corpo de delito para comprovar o ato.

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), há um conceito claramente moralista na decisão. “Este debate é nublado por uma visão religiosa do Estado, suplantando a laicidade do poder público. Em pleno século 21, propor a mudança de regras no atendimento de saúde para violência sexual é medieval.”

De acordo com o 8ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, só em 2013 o Brasil registrou 50.320 estupros, uma média de quase seis a cada hora. Esse mesmo documento também indica que apenas 35% das vítimas de estupro costumam relatar tais episódios, o que aumentaria o índice do delito para mais de 140.000 ocorrências ao ano.

Pela legislação atual, se uma mulher relata a um profissional de saúde ter sido vítima de estupro, recebe gratuitamente uma pílula do dia seguinte para evitar a fecundação. É a chamada profilaxia da gravidez – termo que o projeto também tenta eliminar da legislação por, em teoria, criar uma ligação entre gestação e doença.

O projeto criminaliza esses profissionais, que só estão preocupados com os pacientes, como aponta a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA). “Não é possível enrijecer para cima do profissional uma realidade de saúde pública no Brasil. É preciso garantir o cumprimento da lei que já vige.”

O relator do PL 5069 modificou o texto para diminuir a resistência dos parlamentares. Evandro Gussi (PV-SP) voltou atrás e deixou na lei a expressão de que as mulheres devem conhecer seus direitos ao serem atendidas no serviço de saúde. Gussi também introduziu uma ressalva, uma espécie de cláusula de consciência, de que nenhum profissional de saúde ou instituição poderá ser obrigado a administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo.

O deputado Rubens Pereira Jr (PCdoB-MA), membro da CCJC, notou melhora no texto, mas segue condenando a aprovação do projeto. “Apesar de todos os avanços feitos pelo relator, a partir de um doloroso debate feito por nós, aqui do colegiado, o texto segue não sendo razoável. Se já gera confusão aqui dentro, no processo legislativo, imagina lá fora.”

A Comissão de Constituição e Justiça não costuma ter divisões e debates que cheguem a votos tão diferentes, mas o resultado final foi de 37 favoráveis a 14 contrários. A matéria segue agora para apreciação no Plenário da Câmara.