Mais de 50 mil mulheres foram vítimas de violência no último ano. O dado é fruto de levantamento da antiga Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – instância hoje vinculada ao Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos –, e mostra que apesar de o país contar, desde 2006, com uma lei específica para protegê-las, a Lei Maria da Penha, ainda é preciso avançar.

A falta de recursos para o enfrentamento à violência contra a mulher é uma das dificuldades enfrentadas em todo o Brasil. Com o objetivo de preencher essa lacuna orçamentária, o Projeto de Lei (PL) 7371/14, do Senado, que cria o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher foi apresentado. O texto, oriundo de uma CPI que investigou a violência de gênero no país, já foi aprovado no Senado, mas aguarda há quase um mês para ser votado pela Câmara.

Se no início faltava acordo entre os parlamentares para aprovar um texto que beneficiará milhares de brasileiras, agora, a morosidade é estratégica. Isso porque a bancada fundamentalista da Casa apresentou algumas emendas que podem desvirtuar o Fundo. Os textos ainda não foram publicizados, pois o projeto não entrou em discussão, mas nos bastidores, o teor das propostas indica retrocesso.

“Quando conseguimos colocar o projeto na pauta, um deputado apresenta uma emenda que desvirtua o Fundo, entrando no assunto do aborto e outros temas. Isso, na verdade, inviabiliza a votação O Fundo é para cumprimento da Lei Maria da Penha. Não estão em debate outras questões. Aborto é um assunto muito polêmico e ao se colocar esta emenda se inviabiliza a pauta”, explica a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), que foi relatora da Lei Maria da Penha.

A emenda a que se refere Jandira é assinada pelo deputado Diego Garcia (PHS-PR), o mesmo que relatou o famigerado Estatuto da Família. Segundo o texto, a verba do Fundo não poderia ser utilizada em “equipamentos, serviços, ou atividades relacionados, direta ou indiretamente, ao aborto provocado, incluindo os casos especificados no artigo 128 do Decreto Lei 2.848/1940”. Dessa forma, nem mesmo os casos de aborto permitidos por lei, após violência sexual, por exemplo, poderiam ser atendidos pelo Fundo.

Para Jandira Feghali, os direitos adquiridos após muita luta pelas mulheres estão sob ameaça. “Muitas vezes, a religião tem sido colocada acima da política. As convicções pessoais devem determinar a conduta de cada um, não a lei para a sociedade. E é isso que está acontecendo aqui e gerando um conjunto de riscos para os direitos das mulheres. Tem vários projetos que retrocedem, como, por exemplo, o PL 5069/13, que acaba com a contracepção de emergência em casos de estupro”, relata.

Jô Moraes (PCdoB-MG), que coordenou a bancada feminina e foi uma das parlamentares que mais cobrou a votação do Fundo de Combate à Violência contra a Mulher, reforça a importância da votação da proposta original. “A ideia da criação de um fundo flexibiliza mais a captação de recursos, que poderão vir de convênios, de acordos, de doações privadas, de uma série de fontes que reforçam o orçamento e dá flexibilidade na aplicação. Mas ele é destinado essencialmente às políticas de enfrentamento à violência, como a criação de equipamentos, delegacias, varas, programas de treinamento, iniciativas de divulgação em torno do tema. É um mecanismo importante para materializar, construir, viabilizar o que está estabelecido na Lei Maria da Penha”, conclui.