Porém, ela é insuficiente para resolver o problema estrutural das altas taxas de juros do Brasil e ainda beneficia as instituições financeiras gestoras de fundos de aplicação e os grandes investidores, pelo menos durante o ano de 2009.

A necessidade de se alterar a remuneração da poupança frente à esperada queda na taxa básica da dívida pública é de fácil entendimento. Já os mecanismos do nosso sistema financeiro, responsáveis por criar essa situação, não são nada simples de compreender. Esses mecanismos colocam a nossa estrutura de juros de cabeça para baixo, fazendo com que a dívida federal pague a maior taxa de juros do mercado financeiro, enquanto as aplicações feitas nos bancos remunerem menos, garantindo aos bancos, estruturalmente, os enormes ganhos que apresentam todos os anos, independente das condições econômicas internas.

O problema imediato é que os fundos de investimento de renda fixa, que aplicam em títulos federais, têm como sua remuneração de referência a taxa Selic, mas seus investidores pagam sobre seus ganhos imposto de renda de até 22,5% e ainda uma taxa de administração ao banco administrador do fundo que varia entre 1% a até 4% (na média 2,10%). Já a caderneta de poupança tem por remuneração legal uma taxa juros fixas de 0,50% ao mês (6,17 ao ano), acrescido da TR (taxa de referência de juro), uma parte variável que representa uma fração da média da taxa de juros dos CDBs (certificado de depósito bancário).

A remuneração da poupança é menor que a dos fundos de renda fixa, mas por serem isentas de imposto de renda e de taxa de administração, pode se tornar mais vantajosa caso a taxa básica fique abaixo de 10% ao ano, como se espera que aconteça em breve. Caso isso ocorra, haverá uma fuga especulativa dos fundos para a poupança, prejudicando o financiamento dos títulos federais e criando instabilidade para os financiamentos do SFH.

O problema seria mais simples de resolver se fosse possível tributar os ganhos dos grandes aplicadores na poupança já este ano, mas isso não é possível. A Constituição proíbe que impostos sobre rendas do capital e a propriedade possam ser aplicados no mesmo ano de sua alteração, exceto se for para beneficiar o contribuinte.

O que fez o governo, então? Caso a taxa Selic caia abaixo de 10% este ano, vai reduzir o imposto de renda dos aplicadores em fundos – apenas em 2009 – e, só em 2010, aplicará aos ganhos decorrentes de saldos de poupança superiores à 50 mil reais o mesmo imposto dos fundos. Essa solução é efetiva e não prejudica os poupadores, embora, obedecendo as normas legais que protegem as rendas de capital acima das do trabalho, acabe por beneficiar o médio e grande aplicador financeiro, em 2009, permitindo ainda aos bancos continuar a cobrar suas gordas taxas de administração.

A solução é efetiva porque permite sinalizar uma redução da taxa básica para 7,8% até  o final de 2009, uma taxa mais baixa do que a efetivamente esperada. Como o imposto de renda máximo de 22,5% pode ser reduzido até zero neste ano, e com uma TR que tende a zero, o ganho da poupança deverá ser a da taxa de juros fixa de 6,17%, enquanto a taxa Selic – a uma taxa básica de 7,8% – pode remunerar os fundos em cerca de 7,77%, desde que a taxa de administração caia para um máximo de 1,60% (frente aos 2,10% atual). Mesmo assim, os bancos ainda estarão praticando uma taxa de administração três vezes superior à média de outros países! Caso os bancos não reduzam sua média da taxa de administração, a taxa básica só poderá recuar até dezembro em cerca de 8,27% (6,17+2,10), mesmo assim ainda abaixo do que se prevê.

Ou seja, a medida efetivamente concede ao Banco Central o espaço para reduzir a taxa básica, mas os bancos e os grandes investidores, pelo menos neste ano, não perderão quase nada. Todo o custo sairá do Tesouro federal. Na prática, quem pagará mais pela manutenção do refinanciamento dos títulos federais será o próprio governo e, por extensão,  aqueles cidadãos mais pobres que dependem mais dos serviços públicos para tocar suas vidas.

A partir do próximo ano será diferente, pois os aplicadores de fundos perderão a redução de imposto de renda sobre os seus ganhos e os médios e grandes poupadores da caderneta poderão ser tributados com alíquotas que variarão segundo decresça a taxa Selic. A nova tributação da poupança será mais do que justa. Primeiro, porque 99% dos correntistas permanecerão isentos – aqueles que têm saldos inferiores a 50 mil reais – e mesmo aplicações que cheguem a algumas centenas de milhares de reais ainda podem ser isentas se forem a única renda de capital declarada. Ao fim e ao cabo só pagarão imposto de renda os grandes aplicadores que migrarem para à poupança com o objetivo de especular, os mesmos que hoje já pagam imposto de renda em suas atuais aplicações financeiras.

O importante é que os bancos, em 2010, passarão a sofrer pressão para reduzir seus ganhos de administração nos fundos de investimento por conta da tributação também na poupança. Infelizmente, essa pressão ainda permitirá às instituições financeiras manterem suas taxas de administração bem acima da média internacional.

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Lecio Morais é economista, mestre em Ciência Política e atua como assessor técnico na Câmara dos Deputados.