A semana foi movimentada na Câmara dos Deputados em razão do debate sobre a redução da maioridade penal (PEC 171/93). Já que o número de sessões para analisar o texto foi reduzido quase pela metade, outras comissões têm trazido a discussão à tona, a fim de proporcionar uma análise mais profunda e de qualidade sobre a situação de crianças e de adolescentes no Brasil.

Na manhã desta terça-feira (16), a Comissão de Direitos Humanos e Minorias reuniu-se para tratar dos direitos dos jovens e do alto índice de assassinatos nessa faixa etária. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), vice-líder do governo, enfatizou a importância da discussão em diversos âmbitos da Câmara. “Já que tem processos nesta casa que são completamente atropelados, uma reação positiva é debater o tema em todas as comissões, sobretudo em matérias como esta, extremamente polêmicas e controversas”.

Na ocasião, estavam presentes José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Pepe Vargas, ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, que reafirmaram o posicionamento contrário do governo à redução da maioridade penal. “Nós temos a convicção de que a regra constitucional que estabelece a imputabilidade penal acima de 18 anos é um direito constitucional e, portanto, é cláusula pétrea. Mesmo que não fosse inconstitucional, não nos parece apropriada a proposta de julgar crianças e adolescentes como adultos. Não existe estudo que demonstre a redução da criminalidade com a diminuição da maioridade penal, pelo contrário: eles demonstram o oposto”, relata Cardozo. O ministro aproveitou para declarar o apoio do governo a um texto alternativo à redução da maioridade penal, que está em análise no Senado. O parecer foi elaborado pelo senador José Pimentel (PT-CE), líder do governo no Congresso Nacional, e aumenta a punição para adolescentes, quando cometem crimes hediondos.

Pepe Vargas pediu que os parlamentares refletissem sobre a questão e que pensassem em soluções de combate à criminalidade. “É em cima da legislação existente que devemos nos debruçar para encontrar soluções às demandas da sociedade em relação à violência. Os jovens também são vítimas. Entre os adolescentes, 45% das mortes ocorrem por homicídio.” A aprovação da PEC 171 impacta na legislação brasileira como um todo, já que estão relacionados à idade penal o consumo de drogas legais, as condições trabalhistas, a permissão para dirigir e até crimes sexuais.

Também esteve presente na comissão o vereador de São Paulo Ari Friedenbach (PROS), pai de Liana, jovem de 16 anos assassinada em 2003 por um grupo de criminosos liderado por um adolescente, também de 16 anos. “Mesmo eu, enquanto vítima da criminalidade e da violência, consigo pensar com a razão. Esse assunto precisa ser debatido com tranquilidade, deixando a emoção de lado. Com a redução da maioridade, vamos deixar a situação nos presídios, que já é caótica, muito pior. A ressocialização é mais importante do que a pena”, argumenta Friedenbach.

O deputado Orlando destacou o pronunciamento do vereador. “O que mais me deixa indignado no debate sobre maioridade penal é a manipulação rasteira feita com a dor das famílias. Famílias que estão marcadas pela violência, cuja alma sangra. Por isso, Ari, a força do seu gesto. A sua presença aqui é uma forma de dizer que não aceitamos isso. O Brasil não aceita esse tipo de agressão.”

Comissão de Educação discute impactos da proposta

A discussão sobre a redução da maioridade penal e suas consequências na sociedade estendeu-se durante a tarde, desta vez na Comissão da Educação. A audiência foi um requerimento do deputado Aliel Machado (PCdoB-PR), que demonstrou apreensão com o andamento da PEC 171. “O que as pessoas querem é que haja punição para quem cometeu um crime, que o Estado não seja omisso. Isso já acontece com os jovens por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente. Minha preocupação é tirarmos um direito do cidadão conquistado e jogar essa responsabilidade para cima da população, como se isso fosse resolver o problema."

Dois representantes de sistemas socioeducativos participaram da audiência pública: Cláudio Augusto Vieira da Silva, coordenador executivo do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), e Berenice Maria Gianella, presidente da Fundação Casa de São Paulo. Ambos são contra a redução da maioridade penal. “Uma medida dessa natureza, que coloca adolescentes no convívio direto com organizações criminosas, não vai reduzir os elevados índices de violência que temos no país”, destaca Cláudio.

Nos sistemas prisionais, as facções atuam e controlam o crime do lado de fora, sem deixar de fomentar e estruturar na parte de dentro. É necessário investir e fortalecer os sistemas socioeducativos, que já demonstram sua eficácia. As taxas de reincidência no sistema prisional atingem os 70%, enquanto no sistema de apreensão de menores estão abaixo de 20%. E eles não saem impunes. “Pergunte a qualquer adolescente internado no serviço socioeducativo se ele não se sente privado de liberdade. Claro que está. Mas lá ele tem acesso à escola, com maior capacidade de ressocialização”, defende Berenice Maria Gianella.

A PEC da Maioridade Penal deve ser votada pela comissão especial nesta quarta-feira (17). De acordo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tanto a votação da comissão quanto a do Plenário serão em caráter fechado, sem participação do público. Ele fez a declaração depois do tumulto ocorrido na semana passada, envolvendo estudantes que protestavam contra a proposta, parlamentares e policiais da Câmara.