A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados realizou na terça-feira (9) um debate sobre a regulamentação da Lei Cultura Viva (Lei 13.018/14). Aprovada em julho no Congresso, a legislação transforma em política de Estado o programa Cultura Viva, criado em 2004, na gestão do então ministro Gilberto Gil. Mas para passar a funcionar e beneficiar milhares de produtores e de gestores culturais, a lei precisa de regulamentação. Esse processo vem sendo construído com a sociedade e deve ter sua primeira etapa divulgada este mês, durante as comemorações dos 10 anos do programa que deu origem à lei.

"É uma das políticas mais inovadoras que temos no país. Precisamos regulamentá-la com urgência", destaca a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), que presidiu o Expresso 168.

Entre os pontos destacados no debate, a desburocratização do repasse de recursos e da prestação de contas ganhou destaque. Essas questões estão na essência no programa, e, para os produtores culturais, devem ser prioridade na regulamentação da lei.

“O Cultura Viva coloca a importância do Estado pensar uma outra forma de relação com os agentes culturais. E a lei vem exatamente para simplificar esse processo. Temos de ter a ousadia de aprovar uma regulamentação com o espírito da lei”, provoca o ator e produtor cultural Alexandre Santini, integrante da Comissão Nacional de Pontos de Cultura (CNPdC).

A regulamentação está em processo de construção pelo Executivo e por um Grupo de Trabalho formado por gestores e produtores de cultura do país. Já está em sua 17ª versão, mas ainda restam ajustes a serem feitos.

Para a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Márcia Rollemberg, a regulamentação deverá se dar de forma gradativa e responsável. Segundo Márcia, o cadastro dos pontos de cultura e os Termos de Compromisso Culturais (TCC) são, no momento, os melhores instrumentos para dar início a esse processo. “A gente teve de ousar e tentar uma primeira estruturação da prestação de contas que reduza a documentação a ser entregue e foque nos resultados. Mas vai ser experimentando, que vamos qualificar esse processo. Não vamos conseguir atender a todos neste momento, mas vamos ampliar esses instrumentos novos de forma gradual e responsável”, afirma.

Autora da Lei Cultura Viva, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), defende a celeridade do processo de regulamentação. “Ao propor a lei procuramos fazer com que esses pontos de cultura pudessem viver sem serem criminalizados. Isso significava desburocratizar o processo, fazer um cadastro nacional das entidades e fazer com que os recursos sejam repassados pelos resultados, não só pela prestação de contas. Agora, sua regulamentação precisa ser célere, pois senão fica um vácuo entre a atual lei e a nova. E dessa forma, não vamos conseguir colocar em prática aquilo que é um avanço e é fundamental para a valorização e reconhecimento do trabalho realizado nos pontos de cultura e da diversidade da cultura brasileira.”

Mais cultura, menos nota fiscal

O processo de prestação de contas é o que mais preocupa os agentes culturais. Lula Dantas, também integrante do CNPdC, defende que os pontos passem menos tempo emitindo notas fiscais para produzir mais cultura. “Se eu vou fazer uma festa num pequeno município e preciso comprar quiabo, por exemplo, não tenho condições de ter três licitações para comprar o mais barato. Isso acaba com o nosso fazer cultural”, diz o pai de santo.

De acordo com Marcelo Bemerguy, secretário-geral de Controle Externo de Educação e Cultura do Tribunal de Contas da União (TCU), o processo de prestação de contas é inevitável quando se trata de dinheiro público, mas não precisa ser encarado com um “bicho papão”. “A tradição dos órgãos de controle é o isolamento, mas fica claro o quanto devemos ouvir e entender os processos para melhorarmos nossa atuação. E com esta lei teremos a oportunidade de usarmos nossa criatividade para construirmos essa nova relação. Mas o TCU não é vilão, não fica a espreita para pegar ninguém”, afirma.

A verificação por meio de resultados e do acompanhamento in loco das ações dos pontos de cultura, segundo Márcia Rollemberg, ajudarão a diminuir a burocracia e vão facilitar o processo de prestação de contas.

A presidenta da Comissão de Cultura, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), reafirmou a expectativa de ver consolidada a primeira etapa da regulamentação da lei ainda este ano. A parlamentar também destacou que é preciso alocar recursos para a cultura no orçamento da União para o próximo ano. "Estamos discutindo as emendas ao orçamento e é preciso que os pontos de cultura se mobilizem para isso. Temos também a PEC 421/14, que destina 2% da arrecadação para a Cultura, é uma ferramenta importante e precisamos lutar pela sua aprovação na Câmara”, alerta.

Outros desafios da lei citados pelos debatedores foram a adoção de uma rubrica de acessibilidade, o envolvimento de pequenos municípios, a regulamentação de grupos e coletivos sem CNPJ e  maior circulação de conteúdos. Hoje, o país possui mais de três mil pontos de cultura em funcionamento e até 2020, a expectativa é de que esse número chegue a 15 mil em todo o país.

De Brasília, Christiane Peres