“Valeu Zumbi! O grito forte dos Palmares. Que correu terra, céus e mares. Influenciando a Abolição”. Os versos de Kizomba, Festa da Raça, de Martinho da Vila, ecoaram pelo Plenário do Senado, no encerramento da sessão especial que marcou a entrega da Comenda Abdias Nascimento, em sua primeira edição, nesta quinta-feira (20), Dia da Consciência Negra.

A data, instituída pela Lei 12.519/11, marca o falecimento do líder Zumbi do Palmares, ícone da resistência e da luta abolicionista, como forma de lembrar o sofrimento dos negros desde a colonização do Brasil, tentando garantir seus direitos sociais. Para Martinho da Vila, um dos sete homenageados por seu destaque na proteção e promoção da cultura afro-brasileira, o Senado dá um passo importante na tentativa de se erradicar a discriminação.

“Depois de Zumbi vieram muitos Zumbis. Abdias foi um grande e feroz Zumbi. Mas meu sonho é que um dia não precisemos mais de tantos Zumbis, de movimento negro, que tenhamos igualdade”, afirma.

Para a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), o prêmio resgata a história de ícones da luta da população negra. “Foram quase 300 anos de escravidão. É uma justa homenagem, principalmente, porque resgata o significado dessa história e o quanto ela ainda é contemporânea. Embora tenha se conquistado a abolição, nós ainda sofremos preconceito racial, desigualdade. E nós, que temos a responsabilidade de legislar e fazer a valer a luta política de nosso país, temos mais que participar ativamente para superar esse cenário”, pontua.

Apesar de os negros serem mais da metade da população brasileira (aproximadamente 106 milhões de pessoas), os indicadores sociais ainda são inferiores aos dos brancos. Dados de 2013 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo IBGE, mostram que 23% da população branca têm ensino superior completo, mais que o dobro do percentual entre os negros, que é de 10%. A mesma desigualdade se observa, por exemplo, nos salários: brancos ganham, em média, R$ 1.607,76 por mês, quase R$ 700 a mais que o rendimento médio dos negros (R$ 921,18).

Para Santa Alves, presidente da União de Negros e Negras pela Igualdade no Distrito Federal (Unegro/DF), a comenda ajuda a valorizar a cultura brasileira, além de ser instrumento de combate à discriminação e à violência. Dados do Mapa da Violência de 2014 apontam que a violência é a principal ‘causa mortis’ de jovens no país, sobretudo, da juventude negra. Segundo o diagnóstico, das 56.337 vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens. Desse total, 23.160 eram negros.

“Para nós, do movimento negro, isso é importante porque é um regaste da nossa cultura e é uma forma de lembrar os nossos heróis. Colocar essas pessoas e suas lutas em evidência são também formas de combatermos o preconceito e a violência de que tanto sofrem os negros e negras do Brasil”, destaca.

Na Câmara

Em sessão solene realizada no dia 18 de novembro, terça-feira, na Câmara dos Deputados, parlamentares reforçaram propostas para combater o racismo e aumentar a inclusão social de negros no Brasil. O evento marcou na Casa as comemorações do Dia da Consciência Negra (20).

Para o deputado Chico Lopes (PCdoB-CE), a discriminação racial e étnica precisa ser debatida todos os dias. “É um desafio em que avançamos muito, mas no qual ainda precisamos evoluir sobremaneira, para buscarmos um país efetivamente justo.”

Para a ministra da Secretaria da Promoção e Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, o aumento na presença de pessoas negras no ensino superior, as diferenças em termos de escolaridade entre brancos e negros, embora ainda existam, são bem menores do que já foram há 10 ou 15 anos.

Dados apresentados pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, indicam um crescimento no número de estudantes negros nas universidades administradas pela União. “Em 2003, pretos representavam 5,9% dos alunos e pardos 28,3%, em 2010 esses números aumentaram para 8,72% e 32,08%, respectivamente”, descreve o estudo O impacto da Lei 12.711 sobre as universidades federais.

“O que tem de ser levado em consideração é que o ponto de partida dos negros, no momento em que essas politicas de inclusão começam a ser adotadas, era muito desfavorável. Para que se compensem desvantagens históricas leva um tempo muito maior. Por isso tem se dado uma ênfase muito grande às ações afirmativas para acelerar esse processo de diminuição das diferenças entre brancos e negros. As ações afirmativas que são agora universalizadas, nas universidades federais, nos institutos técnicos, em médio prazo vão causar um impacto positivo do ponto de vista da igualdade”, destaca a ministra.

De Brasília, Christiane Peres e Iberê Lopes