Deputados e representantes da sociedade civil debateram na terça-feira (11), em comissão geral na Câmara dos Deputados, pontos polêmicos da proposta que define novas regras para acesso ao patrimônio genético de plantas e animais e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira (PL 7735/14). O impasse para a deliberação da matéria, no entanto, continua. Representantes das comunidades tradicionais reclamaram da falta de consulta para a construção da proposta e repudiaram o projeto pelo desrespeito à Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê a consulta livre, prévia e informada dos povos tradicionais.

“Fica evidente que houve um debate amplo em diversos segmentos, mas setores importantes foram ignorados, como povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares. Estamos falando de um projeto que afetará a vida dessas várias comunidades que vivem da biodiversidade brasileira e dos conhecimentos repassados por várias gerações. Reconhecemos a importância desse projeto, mas não dá para avançarmos sem um amplo debate conosco”, afirma Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e membro da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

Para a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), autora do requerimento da comissão geral, a reclamação é justa. “O governo percorreu um caminho, de ouvir os representantes da indústria, que é correto, mas as comunidades tradicionais têm um peso importante nesse debate e não foi ouvida da mesma maneira. Além do patrimônio material, esse projeto trata do patrimônio imaterial, que são os saberes desses povos, e a gente tem que considerar isso relevante. O governo já vem tratando com os representantes das comunidades tradicionais para adequar o projeto e ele já avançou muito. Acredito que um pouco mais de tempo, a gente consiga chegar numa ‘pactuação’ sobre aquilo que é fundamental em cada setor”, avalia a parlamentar.

O projeto, do Executivo, tranca a pauta do Plenário desde 11 de agosto e tem dividido opiniões em torno de dois pontos principais: o pagamento de royalties pelo acesso a recursos da biodiversidade e a repartição de benefícios financeiros advindos desses recursos. Apesar dos esforços em torno de um texto consensual, não houve acordo e a votação foi mais uma vez adiada. A expectativa é que o projeto, apesar de estar na pauta desta quarta-feira (12), seja votado apenas na próxima semana.

Um dos avanços apontados por Luciana Santos no projeto que pretende substituir a legislação atual (Medida Provisória 2.186-16/01) é a desburocratização do acesso dos pesquisadores aos recursos genéticos brasileiros e conhecimentos tradicionais associados.

Atualmente, o acesso é regulado pela MP e cabe ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) dar autorização prévia para o início das pesquisas, por meio de processo que leva tempo e exige grande documentação do pesquisador. Segundo o governo, a burocracia dificulta a pesquisa e o aproveitamento do patrimônio genético, assim como a repartição de seus benefícios. Com o projeto, a realização de diversas atividades dependerá somente de um cadastro.

“Esse projeto tem três pontos de destaque: o estímulo à pesquisa e acesso à bioprospecção; a proteção inequívoca ao conhecimento tradicional associado e o fortalecimento dos mecanismos de repartição de benefícios”, destaca o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti.

Repartição de benefícios

Um dos pontos que ainda não têm consenso é a repartição de benefícios. O advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta, criticou pontos do texto que limitariam a divisão de benefícios, como o define que ela só envolveria produtos acabados que tenham como elemento principal de agregação de valor o acesso a conhecimentos tradicionais ou ao patrimônio genético. Segundo o projeto, apenas produtos que estiverem em uma lista a ser elaborada pelos ministérios envolvidos no assunto serão alvo de repartição.

“Isso é preocupante, porque exclui quase totalmente, muitos produtos da exigência de repartição de benefícios. São diversas limitações que, no final, não terá nada para ser dividido. Além disso, uma lista preordenada é um absurdo. Conhecimento tradicional é algo dinâmico e engessar isso numa lista pré-definida não dá”, diz Guetta.

Para a deputada Luciana Santos, que vem participando das negociações sobre a matéria e vislumbra a relatoria do projeto em Plenário, é possível ajustar o texto sobre os pontos que ainda geram polêmica. “Acho que avançando nesses aspectos ou aprovando o essencial e levando esses temas a destaque [no Plenário] pode ser que a gente tenha uma solução para um conteúdo que é tão estratégico para o país.”

De Brasília, Christiane Peres