“Criança não é mãe”. “Estuprador não é pai”. “Estupro não forma família”. Essas foram algumas das frases que estamparam cartazes, camisas e foram entoadas por mulheres e homens nesta quarta-feira (19), durante protesto na Câmara dos Deputados contra o Projeto de Lei (PL) 1904/24, conhecido como PL do Estupro.

O texto, endossado pela bancada fundamentalista e bolsonarista, vem gerando uma série de manifestações contrárias desde que teve sua urgência aprovada na última semana. A pressão das ruas, aliada aos protestos e articulação de parlamentares progressistas, impediu o avanço do projeto de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que equipara o aborto após as 22 semanas ao crime de homicídio.

“A mobilização da sociedade, liderada e protagonizada pelas mulheres, mas com a participação de muitos homens, diz a este Congresso Nacional: Parem de votar matérias que criminalizam as mulheres, as adolescentes e as meninas! Vamos superar, de uma vez por todas, as mentiras. Este projeto não trata de assistolia, esse projeto não fala de instrumentos do aborto legal. O que esse projeto faz é equiparar o aborto ao homicídio, elevando a pena a 20 anos e trazendo novamente o aborto por estupro para a ilegalidade. A reação que se deu e ainda vemos hoje é bonita, justa, generosa, pela legalidade e pela defesa das mulheres e contra o estuprador, porque esse projeto, de fato, favorece o estuprador. Não podemos retroceder na luta e em direitos, devemos fazer valer os direitos já conquistados”, destacou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Em coletiva na noite de terça-feira (18), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou na tramitação da urgência e afirmou que o projeto só será analisado no segundo semestre, quando deve ser amplamente debatido por comissão especial.

Durante o anúncio, Lira destacou a importância de se exaurir todas as discussões. “Nunca fugiremos a essa responsabilidade de fazer o debate e fazê-lo com exatidão e nunca faltar com espírito aberto e democrático para que a sociedade participe. Quero reafirmar que nada nesse projeto retroagirá nos direitos já garantidos e nada irá avançar para trazer qualquer dano às mulheres”, disse Lira, ao lado de líderes partidários e representantes das bancadas.

A deputada Daiana Santos (PCdoB-RS) celebrou o recuo em relação ao PL do Estupro. “É uma vitória do movimento feminista. É um absurdo se colocar a responsabilidade de um estupro, de uma violência, sobre a vítima. Nossa defesa é pela retirada desse absurdo. E não é uma retirada momentânea, é retirar isso da pauta definitivamente. Se querem debater aborto, vamos debater aborto legal e seguro, vamos falar de saúde pública, vamos falar de educação sexual e reprodutiva”, pontuou.

O adiamento responde às críticas severas ao conteúdo do projeto de lei, que, além de equiparar o aborto a homicídio, impõe penas que podem chegar a 20 anos de prisão às mulheres que realizarem o procedimento após 22 semanas. A atual legislação permite o aborto em casos de estupro, risco de vida para a mulher, e anencefalia fetal, sem especificar um limite máximo de gestação para a interrupção da gravidez.

Atualmente, o Código Penal brasileiro prevê penas que variam de um a três anos de prisão para a mulher que provoca o aborto, de um a quatro anos para quem realiza o aborto com o consentimento da gestante, e de três a dez anos para abortos realizados sem o consentimento da mulher. O novo projeto de lei, ao impor penas de até 20 anos de prisão para mulheres que realizarem o aborto após 22 semanas, coloca a punição acima da pena máxima para o crime de estupro, que é de 10 anos de prisão.