Multicoloridas expressões com um mesmo objetivo atravessaram democraticamente as avenidas do Brasil no dia 31 de março. Um dia histórico para a defesa da legalidade e do Estado Democrático de Direito. Comparável aos dias que antecederam o golpe de 1964, quando milhares foram às ruas para evitar que o regime militar tomasse o poder.

De norte a sul, pessoas de todas as idades, classes sociais, matrizes religiosas e origens étnicas. Talvez poucas palavras pudessem expressar o que o país assistiu nesta quinta-feira de 2016: a esperança do povo brasileiro está vencendo a intolerância política.

Professor e sindicalista, o deputado Chico Lopes (PCdoB-CE) disse, durante as manifestações, que sentia imensa “alegria em poder encontrar a juventude nas ruas”. E completou emocionado: “alegria maior eu sinto em encontrar companheiros que lutaram ao meu lado contra a ditadura, dando sua contribuição pela democracia.” 

O insucesso da luta popular em março de 1964, que culminaria na tragédia do golpe militar, felizmente não está se repetindo. Caso contrário, teríamos nossas liberdades coletivas e individuais cerceadas. Falar de política na padaria ou num café não seria mais possível.

Na manhã deste 1º de abril, o drama virou comédia, a piada pronta são as frustradas tentativas golpistas de derrubar o mandato da presidenta Dilma Rousseff, guerrilheira e camarada combativa nos anos 60. Os discursos inflamados da oposição foram esvaziados pela falta de provas contundentes que a impliquem em qualquer crime de responsabilidade.

De acordo com a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) há uma obsessão da oposição e até mesmo do PMDB, na figura de Michel Temer, em tomar o poder a qualquer custo. Nem que para isso tenham que ultrapassar os limites legais. A tática da legenda é ocupar a presidência da República como sempre fez. Nunca pelas urnas, sempre pela queda de presidentes eleitos. Na verdade, o partido nunca saiu do Palácio do Planalto desde a redemocratização. Por isso, na iminência de afastamento, articula-se para não sair do trono.

A real intenção mascarada de legalidade é prejudicar a classe trabalhadora, retornando com a política neoliberal voltada ao mercado financeiro. “Queria lembrar aos trabalhadores que aqueles que estão dizendo que querem defender os seus direitos apresentam já uma proposta. O que seria e que não vai ser presidente (Michel Temer) escreveu em documento da sua legenda que vai desconstitucionalizar a obrigatoriedade na destinação de recursos, tirando saúde e educação. Pretende, também, acabar com a política de valorização do salário mínimo”, acusou Jô Moraes. 

O julgamento meramente político e a fogueira midiática contra a esquerda brasileira se apagaram diante da multidão que saiu da zona de conforto para defender a democracia.

Quase um milhão de cidadãos e cidadãs conscientes do seu papel na história e distantes da dicotomia de ser apenas pró ou contra. Investidos do poder de decidir seus próprios futuros, vestidos de verde, amarelo e vermelho, todos trouxeram cartazes contra a partidarização do judiciário e denunciaram a seletividade dos telejornais.

Na caminhada pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, estava a família de Marta Fonseca. Acompanhada dos três filhos e o marido, vestidos de branco pela tolerância nas diferenças ideológicas. Ela disse considerar “importante marcar uma posição”, visto que grande parte da população “não concorda com os movimentos que estão acontecendo de desrespeito à Constituição e a um governo democraticamente eleito pelo povo,” enfatizou.   

Embora a movimentação na defesa do mandato de Dilma tenha sido expressiva, esta é apenas uma batalha diante dos embates políticos que serão enfrentados no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso Nacional.

Personificadas nas decisões do juiz Sérgio Moro, no caso da Justiça, que traz a publico gravações, delações e partes de um inquérito que deveria ser sigiloso. Evidentes no alvo do noticiário nosso de cada dia. Nestes três meses de 2016, foram grampeados os telefones do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os diálogos com a presidenta Dilma vieram a público sem justificativa, que não fosse por motivação partidária, horas depois da posse de Lula na Casa Civil. Um sem número de iniciativas no STF tentaram impedir a entrada do ex-presidente no Governo. 

Em evento organizado por juristas na defesa da legalidade democrática, realizado no Palácio do Planalto no dia 22 de março, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), apontou a estratégia do golpe na história nacional: “ontem as Forças Armadas, hoje a toga supostamente imparcial e democrática. Não use a toga para fazer política, porque isso acaba com o Poder Judiciário.” 

Para a presidente nacional do PCdoB, deputada Luciana Santos (PE), "o episódio escancarou o conluio entre a Operação Lava Jato e a grande mídia que tem usado os recorrentes vazamentos da investigação para alimentar manifestações de setores da sociedade contra o governo" e "ganhou ares de golpismo". Luciana afirmou que "a gravidade dos fatos exige uma enérgica reação das forças democráticas e das próprias instituições da República responsáveis pela defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito." 

A Comissão que analisa o impedimento da presidenta da República caminha a passos largos na Câmara dos Deputados. Um processo impulsionado pelo desejo de vingança de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que ocupa a presidência da Casa, mesmo sem a legitimidade necessária para o exercício da função. Cunha investe em sucessivas manobras regimentais para impedir o andamento de julgamento por quebra de decoro parlamentar. Processo que pode resultar no afastamento do presidente ou em cassação do mandato do peemedebista.

De acordo com a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), Eduardo Cunha, lança mão de “artimanhas legislativas” com a clara intenção de paralisar os trabalhos de seus pares no colegiado. Permanecendo na presidência até o fim do mandato de dois anos. Podendo articular votações de matérias que prejudicam a governabilidade e consequentemente a economia nacional.

Não fosse suficiente, Eduardo Cunha apressa as sessões na Comissão do Impeachment e arregimenta aliados para influenciar na decisão final sobre o processo. A manipulação chega ao ápice quando o presidente da Câmara dos Deputados apresentou um projeto de resolução (PRC 133/16) para alterar a composição das comissões permanentes com vistas a provocar um jogo de cadeiras no Conselho de Ética que o favoreça. Igualmente pretende, com a medida, que a comissão de impedimento de Dilma seja alterado.

Para o líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA), já está claro para a população quem é o “chefe do impeachment” e da desestabilização política. “As pessoas têm que se dar conta de que quem está comandando este processo é uma pessoa que está sendo investigada, que é ré no STF, que existe farta documentação e fatos o envolvendo em corrupção. Não é possível que uma pessoa com este perfil comande o processo de impeachment. Sobretudo, porque numa possível confirmação do impedimento de Dilma, ele pode vir a ser o presidente da República. Isso é um absurdo”, afirma.

Sobre a consciência que se agiganta diante da crise de representatividade insuflada pela mídia, os artistas têm dado imensa contribuição. Desde o começo do segundo mandato de Dilma, intelectuais e ativistas culturais vêm endossando manifestos e passeatas contra o impeachment por compreenderem aí um golpe, por muitos deles já amargamente experimentado no exílio ou na tortura dos quartéis em 64.

Personagem fundamental da luta na atual quadra e militante desde os anos 60, o compositor e escritor Chico Buarque, saudou a diversidade dos manifestantes no dia 31 de março de 2016 no Rio de Janeiro. "Gente que votou no PT, gente que não gosta do PT, gente que foi do PT e se desfiliou do partido, gente que votou na Dilma, gente que votou na Dilma e está decepcionado com esse governo. Mas, sobretudo, gente que não pode pôr em dúvida a integridade da presidente Dilma Rousseff. Portanto, é claro que estamos todos aqui unidos pelo apreço a democracia e em defesa intransigente da democracia".

De volta à Esplanada, Noemi Monteiro, 22 anos, comprovou que a população não se deixa enganar por manchetes de jornais. Quer mudanças, mas sem ruptura da democracia. “Este movimento é importante para mostrarmos ao governo o que nós queremos. Eu, particularmente, não quero o impeachment. Não é solução para o nosso país. As pessoas que assumiriam o governo não estão aptos para isso. Nós devemos buscar soluções dentro do governo,” declarou a jovem Noemi. 

No Rio de Janeiro, Chico Buarque lembrou para o Brasil que em 1964 foi às ruas para defender as liberdades e direitos civis, e afirmou que permanecerá nesta luta. Recordou em tom de saudosismo e esperança à frente das batalhas pela democracia: "eu vejo gente aqui no palanque, na praça, gente da minha geração que viveu 31 de março de 1964. Mas vejo, sobretudo, uma imensa juventude que não era então nem nascida, mas conhece a história do Brasil. Então, estou aqui para agradecer a vocês que me animam a acreditar que não, de novo, não. Não vai ter golpe", finalizou Chico erguendo uma flor vermelha diante da multidão.