As alfaias em Pernambuco tocaram em tom de despedida para Naná Vasconcelos na manhã desta quinta-feira (10). Batuqueiros de diversas nações de maracatu se reuniram na frente da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para prestar a última homenagem ao percussionista que faleceu na quarta-feira (9), em Recife, em decorrência de um câncer de pulmão. O cortejo seguiu marcado pelo baque até o cemitério de Santo Amaro, onde outros grupos esperavam para o sepultamento.

Naná Vasconcelos foi um dos grandes responsáveis pela valorização da cultura do baque virado em Pernambuco. Nos últimos 15 anos foi o responsável pela abertura do Carnaval de Recife, ocasião em que reunia pelo menos 500 batuqueiros de diversas nações para tocarem juntos em um vibrante e emocionante concerto.

Em Brasília, a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) prestou sua homenagem ao músico e amigo. “Naná, além de grande músico, é um ícone da cultura pernambucana. Ativista cultural reconhecido internacionalmente, grande defensor das tradições e raízes da cultura brasileira. É uma imensa perda. Naná Vasconcelos nos deixa um legado que atravessará os tempos e, certamente, não deixará nosso povo órfão de suas pesquisas, de suas invenções musicais, de seus sons, de seus tambores sublimes.”

A presidenta Dilma Rousseff divulgou uma nota lamentando a morte do percussionista. Ela disse que recebeu a notícia com grande tristeza e o classificou como um dos maiores músicos da história brasileira, sendo eleito o melhor do mundo em oito ocasiões. “Seu engajamento social atestou a importância da música como incentivo à inclusão, à educação e à cultura. O país perde hoje um grande brasileiro, mas seu talento e criatividade permanecerão como grande legado de nossa história.”

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, disse em nota que “Naná Vasconcelos nos ensinou a ouvir o Brasil. Nos trouxe de volta um país profundo, refugiado em nossas memórias de infância. Toda a sua obra como artista está impregnada de referências que são parte essencial do nosso modo de ser e de sentir”.

Artistas como Caetano Veloso, Elba Ramalho, Lenine e Vanessa da Mata se pronunciaram nas redes sociais. “Tocam os tambores celestes para receber o rei”, escreveu Arnaldo Antunes em seu Twitter. Milhares de postagens na rede, entre famosos e anônimos, descrevem Naná como gênio, mestre e lenda da música brasileira.

Uma trajetória irretocável

Percussionista de renome internacional, ainda em 1969 se tornou o preferido de grandes nomes da MPB, como Milton Nascimento, Jards Macalé, Luiz Eça e a Sagrada Família, Som Imaginário, Gal Costa e Os Mutantes. Já tocou com celebridades como Miles Davis, Dom Cherry, Theloníus Monk, Jean-Luc Ponty, B.B. King, Gato Barbieri, Mongo Santamaría, Talking Heads, Pat Metheny.

Inventivo e criativo se notabilizou pela afinidade com o berimbau. Ao vê-lo tocando este instrumento, o argentino Gato Barbieri convidou Naná para participar das trilhas que compunha para os filmes Pindorama, de Arnaldo Jabor, e Minha namorada, de Zelito Viana. Com Barbieri, Naná ganharia o mundo, mas antes gravou, na Argentina, um LP intitulado El incredible Naná com Augustin Perreyra Lucena.

Do Rio de Janeiro, foi em 1970 morar no exterior. Primeiro na França, depois em Nova York, de onde passaria a administrar sua carreira de músico internacional. Com mais de 35 anos gravando e tocando em vários lugares do mundo, Naná Vasconcelos ganhou muitos prêmios, entre os quais oito Grammy. Foi eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana especializada em jazz Down Beat e em 2013, recebeu a Ordem do Mérito Cultural (OMC), na categoria Grã Cruz.

A obra de Naná foi propagada e respeitada dentro e fora do Brasil. Ele fez parte do grupo Jazz Codona, com o qual lançou três discos. Chegou a gravar com B.B King, com o violinista francês Jean-Luc Ponty e com a banda Talking Heads, liderada por David Byrne, um dos grupos precursores do movimento new wave. Nacionalmente, ele participou de álbuns de Milton Nascimento, Caetano Veloso, Marisa Monte e Mundo Livre S/A.

Em seu último Carnaval, em fevereiro de 2016, o percussionista dividiu o palco com o Clube Carnavalesco Misto Pão Duro, grupo centenário homenageado no carnaval do Recife, com o Maracatu Nação Porto Rico, também celebrado, e com os cantores Lenine e Sara Tavares, de Cabo Verde.