O Centro Histórico de Salvador, classificado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é considerado o mais importante centro tombado da América Latina. O local foi alvo de demolição nos últimos meses, onde 31 casarões históricos foram derrubados. Em um debate qualificado, profissionais da arquitetura e urbanismo e representantes de movimentos sociais discutiram o tema durante audiência pública realizada nesta quinta-feira (24) na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. O evento foi uma iniciativa da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que solicitou o debate em maio.

A presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Bahia (IAB/BA), Solange Souza Araújo, destacou as perdas irreparáveis decorrentes das demolições. “Na medida em que começam a fragmentar esta composição morfológica da paisagem de Salvador, abrem-se lacunas, e, provavelmente, nesses espaços serão incluídos edifícios que não têm nada a ver com aquele contexto e desenho. Defendo um Centro Histórico que não seja um enclave e que atenda a todas as categorias sociais e econômicas.” Solange afirmou ainda que no parecer técnico apresentado ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não havia indicação de demolição dos imóveis na região.

O presidente substituto do Iphan, Andrey Rosenthal Schlee, informou na audiência que as demolições foram autorizadas pela instituição após a análise do laudo técnico emitido pela Defesa Civil. A deputada Alice lembrou que, de acordo com a Lei Nº 3289/83, nenhuma intervenção de área de proteção rigorosa pode ser feita sem um parecer conjunto do Iphan, IPAC e Prefeitura Municipal. “Isso significa que as demolições na Ladeira da Montanha, além de precipitadas, foram ilegais. Não podemos continuar com o Iphan sendo conivente com atitudes como essa. O instituto da Bahia precisa se colocar diante da ilegalidade dessas demolições.”

Representando a IDEAS Assessoria Popular, o advogado Wagner Moreira destacou a importância de intervenções conjuntas do poder público para tentar reduzir os impactos das demolições no Centro Antigo, principalmente no que diz respeito aos moradores do local. “Falamos muito dos casarões que estão sendo derrubados, mas embaixo dos escombros há sangue negro sendo derramado. O Centro Antigo sangra, e existem muitas famílias que estão sem casa, sem alojamento, sem qualquer tipo de assistência do poder público. Isso precisa ganhar visibilidade.”

Paulo Ormindo David, membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU/BA), afirmou que é preciso uma ação emergencial para evitar esta catástrofe cultural e política para a imagem da Bahia e do Brasil. “A situação que se chegou o Centro Histórico de Salvador se deve à retirada das suas funções centrais, ao seu esvaziamento habitacional e à marginalização. As ações criadas, nos últimos 40 anos, não compreenderam que seu problema é urbanístico e social.”

O impacto das ações em Salvador nos últimos meses foi sentido pela marmorista Simone Venâncio, que vive na Ladeira da Conceição da Praia. De acordo com ela, o Iphan deu 72 horas para que os moradores da região desocupassem suas casas. “Já fizemos reunião com a instituição para que a reforma seja feita em duas etapas e para acompanharmos as obras, pois se tivermos que sair, não conseguiremos mais voltar.”

Diante da demolição dos casarões históricos em Salvador, o IAB-BA, o CAU-BA e o Sindicato de Arquitetos e Urbanistas da Bahia (Sinarq) encaminharam um documento para o Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, em Paris, solicitando a inclusão da região na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. A deputada Alice sugeriu que a Comissão de Cultura fosse signatária do ofício. Além disso, a parlamentar propôs a criação de um organismo ou um grupo de trabalho, a partir de uma portaria interministerial nas três esferas do poder público, para se buscar um projeto para o Centro Histórico; e a recriação de uma estrutura semelhante ao Escritório Técnico de Licenças e Fiscalização, o Etelf, que foi fechado sem justificativa na Bahia.

A Prefeitura Municipal de Salvador e o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia foram convidados para a audiência, mas não enviaram representantes.