Quatro mil pessoas marcharam da Catedral de Brasília até o Congresso Nacional, nesta quarta-feira (20), para entregar ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as 700 mil assinaturas do projeto de lei encabeçado pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas sobre o tema. A caminhada marca o protesto de organizações e movimentos sociais ao relatório apresentado pelo deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) na última semana. 

Após muita pressão e espera, no fim do dia, Cunha recebeu dos integrantes das mais de 100 entidades da sociedade civil a proposta debatida com a população – e que já tramita na Casa (PL 6316/13), mas afirmou que a decisão sobre a reforma política “caberá ao Plenário da Câmara”. O tema será pauta exclusiva de votação da próxima semana.

Em reunião com os líderes, Cunha fez um acordo de procedimentos, onde se confirmou a votação fatiada da reforma política. Segundo o deputado, os temas serão apreciados na seguinte ordem: sistema eleitoral; financiamento de campanha; reeleição; tamanho de mandato; coincidência de mandato; cota para mulheres; fim da coligação e cláusula de barreira.

“A reforma política está sendo debatida há anos no Parlamento e se não for colocada em pauta ficará em discussão ainda por muitos anos. Não adianta ficarmos aqui explicando que queremos votar a reforma política se a gente não delibera sobre o assunto. Por isso, vamos votar”, afirma Cunha.

Qual reforma se quer?

A pressa de Cunha para votar o tema poderia ser justificada pela pressão popular das ruas, retomadas nas manifestações de junho de 2013. No entanto, aqueles protestos não pediam por “distritão” e financiamento empresarial, como prevê o relatório de Marcelo Castro na Comissão Especial da Reforma Política.

“Não adianta colocarmos uma reforma política a toque de caixa. Essa não é a reforma que foi pedida nas ruas. Essa Casa tem apresentado uma pauta extremamente conservadora e neste tema não é diferente”, alerta o deputado Aliel Machado (PCdoB-PR).

Pesquisa encomendada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aponta que mais de 80% da população consultada quer o fim das doações de empresas nas eleições. Para a Coalizão e Bancada do PCdoB na Câmara, essa é a principal causa da corrupção no país.

“Essa ideia de constitucionalizar o financiamento por empresas nas eleições está na contramão da história de tudo que está acontecendo no nosso país. Até os depoentes que são investigados nas CPIs declaram que o dinheiro desses escândalos se destinou exatamente a esse financiamento partidário de eleições. Nós consideramos que é uma coisa muito retrógrada e absolutamente um mal que se faz à democracia brasileira se acontecer isso”, afirma Marcello Lavenère, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na Coalizão.

O fim das doações de empresas também é pauta no Supremo Tribunal Federal (STF). Seis dos 11 ministros já votaram favoráveis ao fim da prática por considerá-la inconstitucional, mas há mais de um ano, um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes impede o término da votação. No início deste ano, em debate no Senado Federal, Mendes deu a entender que sua morosidade está diretamente ligada à celeridade da tramitação da matéria na Câmara – postura duramente criticada pela Bancada do PCdoB à época.

Virgínia Barros, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), reforça o coro contra o financiamento empresarial. “Só com uma reforma política democrática vamos combater a corrupção. Empresa não vota, investe. O povo brasileiro quer mudança na forma de se fazer política e esperamos que o Parlamento esteja disposto a tratar disso.”

Distritão, não!

Outro ponto criticado no relatório é a alteração do sistema eleitoral de proporcional para o chamado “distritão”, onde os mais votados em seus municípios se elegem. Para a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), o modelo proposto rebaixa o nível do debate político. “Precisamos de um Parlamento que retrate a diversidade da sociedade. O “distritão” beneficia a influência do poder econômico e a eleição de celebridades. Isso dificultará a renovação do Parlamento e a representação de minorias”, destaca.

“Essa reforma [proposta na comissão especial] perpetua a concentração de poder nas mãos de poucos. Temos que lutar por uma reforma que amplie a democracia e não que a restrinja”, reforça o deputado Wadson Ribeiro (PCdoB-MG).

Mais mulheres

A efetiva participação feminina na política também foi tema do protesto realizado pela Coalizão. A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) cobrou a reserva de, no mínimo, 30% das vagas no Legislativo para as mulheres

“Aqui no Brasil, só fomos cidadãs de fato, com direito a voto, a partir de 1932, quando uma dentista potiguar teve de ir à Justiça para fazer cumprir a lei. Sabemos que o processo de confinamento da mulher brasileira levou a esta condição de, infelizmente, retardar o nosso processo de participação na política. Mas estamos aqui. Somos poucas, mas somos ruidosas. Não podemos ficar sem direito à voz e não se pode deixar de ter o estímulo do Estado à participação política. Queremos uma reforma política com financiamento público, com participação popular e mais mulheres no poder.”

As bancadas femininas da Câmara e do Senado querem a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/15, que reserva 50% das vagas para cada gênero no Legislativo. De acordo com o texto, na primeira eleição após um ano de vigência da emenda constitucional, o percentual será de 30%, aumentando em cinco pontos percentuais a cada eleição, até alcançar os 50%. A proposta, no entanto, não é consenso na Casa e não foi prevista no relatório da reforma política.

Participação popular

Mais uma mostra de que a reforma política que será votada não está de acordo com os anseios populares é a ausência no relatório de mecanismos que abordem a participação da população. A Constituição de 1988 possibilitou a participação do povo nos rumos do país por meio de plebiscitos, referendos e iniciativa popular, mas esses mecanismos precisam ser desburocratizados por meio de uma nova regulamentação.

“Isso é fundamental para a democracia. Todos os movimentos democráticos tiveram a participação do povo e deveríamos aprofundar esse mecanismo. Não é possível que se vote a pauta reacionária que querem impor”, afirma o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
 
Entre as ideias defendidas pelo PCdoB, estão, por exemplo, a facilitação do início de tramitação de projetos de iniciativa popular. Hoje, mais de um milhão de assinaturas são necessárias para que um Plip, como são conhecidos esses projetos, seja analisado pelos parlamentares. A proposta é permitir inclusive assinaturas virtuais.