“No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre –, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela maioria.” Assim, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou seu voto, em 2006, para acabar com a cláusula de barreira imposta na Lei 9.096/95, a Lei dos Partidos Políticos. Por unanimidade, o Plenário do Supremo declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos que interferiam na representatividade de partidos menores no Parlamento.

Nove anos depois, na retomada das discussões sobre a reforma política no Congresso, o tema volta à tona e ameaça a existência de partidos históricos como o PCdoB. A justificativa para a retomada da cláusula de desempenho, por legendas como o PMDB e PSDB, é diminuir a pulverização de partidos na Casa. Hoje, dos 32 partidos legalmente registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 28 têm representantes na Câmara.

Com a aprovação da regra, a ideia é que só poderia eleger deputado, o partido que obtivesse determinado percentual de votos em uma quantidade mínima de estados. Caso não alcançasse tal percentual, o partido ainda perderia o acesso ao fundo partidário e ao tempo no rádio e na TV.

Para o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), membro da comissão especial que analisa o tema, a fragmentação não é a principal “mazela” enfrentada hoje. “A corrupção eleitoral, as campanhas caras, o financiamento empresarial das campanhas não estão relacionados ao número de partidos existentes. Não é possível excluir a possibilidade da participação de uma corrente que tem a história que tem o PCdoB. Que tem programa, ideologia, proposta para a sociedade. A possibilidade de maior participação popular é o caminho que nós temos que percorrer para aprofundar a democracia”, defende o parlamentar.

Já o vice-líder do governo na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acredita que o partido serve de medidor do grau de democracia no Brasil. “A existência de um partido comunista legalizado, com plena condição de funcionamento, é indicativo de que há real democracia no país. O PCdoB tem um papel fundamental na história política brasileira e deve continuar existindo.”

Na tentativa de impedir o avanço da proposta restritiva, a Bancada do PCdoB apresentou a emenda 27 à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 352/13, que teve a tramitação acelerada na Casa no início deste ano. O objetivo é impossibilitar a constitucionalização do financiamento de empresas nas campanhas eleitorais e diminuir as restrições da cláusula de barreira. A ideia é garantir também a possibilidade de coligação das legendas e o acesso ao fundo partidário e tempo de rádio e TV, além do sistema proporcional – atualmente em vigor nas eleições brasileiras.

Para a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), cláusulas de barreira não impedem os partidos de aluguel. Na prática, segundo ela, acontecerá a “inviabilização” do funcionamento parlamentar. “Muitos partidos deixarão de ocupar vagas no Parlamento. E pra nós, que somos o partido mais antigo do país, é inaceitável. O tamanho do partido não mede seu caráter ideológico. O que mede é sua história, suas lutas. Temos 30 anos ininterruptos de vida do Parlamento, somos um partido vivo e estaríamos sem representação por conta da cláusula de barreira”, critica a deputada, que este ano assumirá a presidência nacional da legenda.

Na análise do ministro Marco Aurélio, a diversidade partidária não deveria ser entendida como ameaça, “mas como fator de crescimento”. Segundo ele, o desafio do Estado moderno “não é elidir as minorias, mas reconhecê-las e, assim o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais”. “Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravidão da minoria pela maioria”, argumentou o ministro do Supremo, que reforçou que a democracia não é a ditadura da maioria.

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), o partido tem relevante participação nas conquistas do povo brasileiro. “Temos um papel grandioso na definição estratégica e na firmeza ideológica. Entendemos que uma reforma política não pode calar essa voz.”