Parlamentares ligados ao agronegócio tentaram votar, a toque de caixa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que submete ao Congresso Nacional o processo de demarcação de terras indígenas. Eles corriam contra o tempo, pois precisam aprovar a proposta antes do fim desta legislatura. O cancelamento da reunião de quarta-feira (17) no fim da noite, no entanto, jogou um balde de água fria nas intenções dos ruralistas, pois agora, a comissão especial que analisa a matéria deve ser extinta e a PEC arquivada. Após semanas de intensos embates entre indígenas, deputados, policiais e movimentos sociais, o arquivamento da matéria já é considerado uma vitória histórica. Leia também: Indígenas são barrados enquanto ruralistas tentam aprovar PEC 215 na Câmara

"Muito orgulho de meu povo! Primeiro dia foi de combate, segundo dia de espiritalidade total! Dia lindo, forte e vitorioso, tudo pelo poder das águas, da terra e de toda a mãe natureza que neste momento mostrou toda a sua força e sua revolta com esses ruralistas gananciosos!!! Seguimos em luta meus parentes guerreiros e guerreiras!", comemora Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em sua página no Facebook.

Para a Bancada do PCdoB na Câmara, a pressa não deveria ser motivo para uma votação forjada “no apagar das luzes”. Nas últimas semanas, ruralistas tentaram diversas manobras – sem sucesso – para aprovar o relatório. Leia também: Deputados questionam legalidade de reunião sobre terras indígenas

“Não há mais tempo hábil para fazermos um debate tão profundo para mudar a Constituição do jeito que estão querendo. Essa proposta é inconstitucional. O constituinte, quando se preocupou com a demarcação e definição de terras indígenas, criou todo um procedimento e não dá para, no apagar das luzes do Congresso Nacional, se rasgar a Constituição para satisfazer interesses de terceiros”, afirma a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), membro da comissão especial que analisa a matéria.

Ao propor a transferência do processo demarcatório do Poder Executivo para o Legislativo, a PEC 215 viola o princípio da divisão de competências entre os poderes. Além disso, a proposta permite a implantação nesses territórios de todos os tipos de empreendimentos econômicos, obras de infraestrutura, assentamentos de não índios e, inclusive, a exclusão de propriedades privadas ou ocupações consolidadas dessas terras. Incorpora ainda um dispositivo que permite rever as demarcações realizadas. Na prática, caso seja aprovada, é como se ficassem anuladas todas as garantias introduzidas pelos constituintes na Carta Magna.

“A PEC significa o fim da demarcação das terras indígenas, o fim do reconhecimento de territórios quilombolas e o fim da criação de unidades de conservação da natureza, como parques, ou seja, todas as áreas protegidas do Brasil serão paralisadas. Esse é o efeito dramático dessa PEC 215, que viola garantias fundamentais que estão na Constituição Federal, que são cláusulas pétreas”, afirma Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).

Terra para reafirmar a cultura

Para as comunidades indígenas, a terra está intimamente ligada à construção da sua identidade. Márcio Kokoj é uma liderança do povo Kaingang, da Terra Indígena Mangueirinha (PR), e coordenador executivo da Apib. Para ele, a aprovação da PEC 215 significava o genocídio dos povos indígenas no Brasil.

“Essa PEC é para defender aqueles que querem fazer um avanço como já fizeram em outras épocas. Esse chamado avanço do progresso pra nós é muito ruim, porque crianças vão se perder, velhos vão se perder, a parte espiritual vai se perder, a cultura vai se perder, a questão ambiental. Terra pro índio é tudo que contém nela. Meio ambiente, cultura, educação, alimentação tradicional”, afirma Kokoj, após ter sido barrado no Congresso.

A líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ) reforça o argumento, lembrando que a disputa política não pode fazer parte deste processo. “A demarcação de uma terra indígena não é apenas uma demarcação geográfica, mas espiritual, cultural e do histórico de cada povo. Esse processo deveria acontecer da forma mais justa, constitucional e correta possível, e isso não será viável se nós trouxermos a demarcação para o Congresso Nacional, onde o jogo é político e vai valer a palavra do mais forte, do mais organizado e do poder econômico.”

PEC 215 – Nó na Garganta from CINEDELIA on Vimeo.

De Brasília, Christiane Peres