Após três horas de obstrução de partidos contrários à votação do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00, que traz para o Congresso a prerrogativa da demarcação de terras indígenas, um pedido de vista encerrou a reunião. Ao contrário do esperado, a solicitação partiu de deputados ligados ao agronegócio, sob a justificativa de “antecipar algo que aconteceria na próxima semana”. Após sessão conturbada e permeada de questionamentos regimentais, parlamentares do PCdoB, do PV, do Psol, do PT e do PSB se mobilizam para invalidar o debate da noite desta quarta-feira (10). A ideia é tentar uma reunião com o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), na próxima terça-feira (16), antes do novo encontro da Comissão Especial, marcado para o mesmo dia.

“É uma reunião eivada de suspeição e a gente vai ter que fazer uma reunião em torno disso na próxima semana. Vamos pedir degravação dos áudios e que o presidente cancele a votação da ata, pois o regimento precisa ser cumprido. É muito assustadora essa correria para se tomar uma decisão tão séria como essa, ainda mais num final de ano, de legislatura e de mandato de muitos parlamentares dessa comissão. É simplesmente uma covardia querer votar um relatório que tira os direitos de quem já tem tão pouco”, diz a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC).

Segundo a parlamentar foram identificadas irregularidades na votação da ata – onde suplentes e titulares tiveram seus votos validados – e na concessão do pedido de vista. “Suplentes votaram com a presença dos efetivos. Isso é constrangedor. Além disso, o parlamentar pediu vista na ata e o presidente concedeu vista ao relatório, adiantando a pauta da reunião”, explica Perpétua.

Marcada por muito tumulto e debates acalorados, a reunião foi questionada desde o início. Parlamentares de diversos partidos deslegitimaram a iniciativa do deputado Nilson Leitão (PSDB/MT) de convocar o encontro à revelia do presidente do colegiado, deputado Afonso Florence (PT/BA), com o apoio de 1/3 dos parlamentares da comissão. Além disso, o impedimento na entrada de lideranças indígenas e movimentos sociais para acompanhar a discussão também motivaram desagravos dos deputados.

“Por que tanta pressa? Qual o interesse está por trás dessa pressa para tentar votar esse projeto no fechar das portas desse ano? Acho uma vergonha e uma tremenda irresponsabilidade essa tentativa de levar adiante essa votação. Por que fazer isso sem a presença dos índios? Cadê a democracia”, questiona o deputado Evandro Milhomen (PCdoB/AP).

Demarcações nunca mais

A PEC 215 desde que foi apresentada vem causando grande polêmica. O texto, considerado inconstitucional por diversos setores, inclusive pelo PCdoB, impõe uma série de restrições aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição. O projeto também transfere do governo federal para o Congresso a prerrogativa de aprovar o processo demarcatório de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Na prática, isso significa a paralisação definitiva da formalização dessas áreas para usufruto dos indígenas, conforme prevê a Carta Magna.

“É muito difícil de a gente entender o que acontece toda vez que vai se debater os direitos indígenas aqui no Congresso, pois sempre somos colocados de lado, impedidos de participar. Discutir a questão da terra é tirar a nossa vida. Destruir os territórios indígenas e entregá-los para os ruralistas é acabar com a vida dos indígenas. Esse relatório pode até ser aprovado, mas nós não vamos desistir de lutar pelos nossos direitos”, afirma Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Relatório comprado

Em agosto deste ano, escutas do Ministério Público Federal levantaram suspeitas de que o parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) pode ter sido elaborado por um lobista da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). O diálogo revelou a interferência indevida de ruralistas na tramitação da PEC 215.

De acordo com a Justiça Federal “o fato de o relatório da PEC 215/00 ter sido, supostamente, 'terceirizado' para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”. As investigações sobre o caso ainda estão em curso.

De Brasília, Christiane Peres