A falta de oportunidade nas cidades ou povoados de origem, aliada à vontade de melhorar de vida, leva milhares de brasileiros, todos os dias, para longe de suas casas. Com promessas de emprego em estados como São Paulo, Pará, Mato Grosso e Goiás, por exemplo, homens e mulheres, muitas vezes são aliciados pelos chamados “gatos”, e, acabam em condições degradantes de trabalho ou análogas à escravidão. Os mais vulneráveis, geralmente, são homens adultos, pobres, oriundos de regiões com baixo índice de desenvolvimento com um sonho de uma vida melhor.

Para o deputado Chico Lopes (PCdoB-CE), essa realidade ainda ser uma constante no século 21 é “vergonhoso” e precisa de investimento em educação para acabar de vez. “Getúlio Vargas dá uma grande contribuição quando cria a CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], que passa a ser um importante instrumento na defesa dos direitos dos trabalhadores. O problema é que no campo, principalmente, esse direito não chega, porque não tem CLT. E vemos com frequência notícias de ações do Ministério do Trabalho libertando trabalhadores da situação de escravidão. Nas grandes cidades, tem cara nova, nas fábricas de roupa ou na construção civil, por exemplo. Discutir trabalho escravo é importante, mas precisamos investir na educação e na educação profissionalizante para diminuir essa história de termos pessoas trabalhando por qualquer coisa, em qualquer situação”, afirma o parlamentar.

A discussão voltou à pauta esta semana na Câmara dos Deputados durante um seminário sobre trabalho escravo, realizado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. De 1995 até 2011, o Brasil resgatou mais de 47 mil trabalhadores de situação análoga à escravidão. No mundo, o número vai pra casa do milhão. Segundo relatório divulgado no dia 17 de novembro, pela organização não governamental Walk Free, sediada na Inglaterra, quase 36 milhões de trabalhadoras e trabalhadores em 167 países podem ser considerados escravos. Pelo estudo, o Brasil, que hoje é referência em políticas que combatem a escravidão contemporânea nas cadeias produtivas das grandes empresas, possui estimadas 155.300 pessoas nessas condições, ou 0,07% de sua população, o que o coloca na 143ª posição no mundo.

Apesar de o Brasil estar no fim da lista da Walk Free, a prática ainda é muito presente no país. As pessoas não estão mais presas a correntes – como nos tempos da escravidão –, mas a escravidão contemporânea não é menos grave do que a do passado. A liberdade e a dignidade das vítimas continuam sendo sistematicamente violadas devido às condições desumanas a que são submetidas.

Maranhão soma indicadores negativos

Assim como na saúde, segurança pública, educação e índice de desenvolvimento humano, também quando se refere a trabalho escravo, o Maranhão junta os piores indicadores. Está entre os estados que mais possuem infratores, ocupando a quinta posição na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, é um dos principais estados de origem dos trabalhadores resgatados em todo o país em situação análoga à escravidão. Dos 47 mil resgatados até hoje, quase 30% são maranhenses.

Prestes a assumir o governo do estado, Flávio Dino (PCdoB-MA) avalia o desafio que terá pela frente para melhorar mais este indicador. “Infelizmente, dos indicadores sociais negativos que o nosso estado tem acrescenta-se mais esse, que surge, sobretudo, da ausência de oportunidades de trabalho. Mas na medida em que nós vamos instaurar um ciclo de desenvolvimento inclusivo, rompendo com a lógica da economia de enclave, vamos criar as condições para que os trabalhadores expulsos do Maranhão e que acabam submetidos a condições degradantes, aviltantes, de trabalho escravo, possam encontrar um caminho no nosso estado”, afirma.

Para Dino, nessa etapa, além de campanhas de conscientização será essencial que os trabalhadores tenham no “governo um aliado na luta por direitos”. “Essa é uma situação que fere, viola os direitos humanos, a dignidade. O Maranhão é um estado com muitas riquezas e potencialidades, mas que foi empobrecido por um modelo político coronelista que lá está há cinco décadas. A virada de página é um processo, mas estou muito otimista, que apesar das grandes dificuldades, em 2018 vamos entregar um estado em condições muito melhores do que as que nós receberemos.”

Perigo!

Em junho deste ano, depois de 15 anos de tramitação, o Congresso promulgou Emenda Constitucional (EC) 81, que prevê a expropriação de imóveis rurais ou urbanos onde for encontrado trabalho escravo. Além do confisco, o texto prevê destinação dessas áreas à reforma agrária ou a programas de habitação urbanos. Apesar da vitória, a conhecida PEC do Trabalho Escravo ainda aguardava regulamentação do termo para entrar em vigor.

O texto (PLS 432/13), de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RO), foi aprovado na última semana por uma comissão do Congresso. A proposta ainda será analisada pelos Plenários do Senado e da Câmara. Engana-se, no entanto, quem pensa que esse foi mais um passo em defesa da erradicação do trabalho escravo no país.

O conceito aprovado é mais restrito do que o que está no artigo 149 do Código Penal. A definição está alinhada com a bancada ruralista e exclui condições degradantes e jornada exaustiva da conceituação, tornando a Emenda 81 ineficaz em casos de trabalho escravo encontrado em oficinas de costura e canteiros de obra, por exemplo. Para o senador, essas são “questões trabalhistas e problemas sérios, mas não se pode confundir com a escravidão”.

Com isso, manteve-se a definição já presente no projeto, que considera para a caracterização do trabalho escravo a submissão a trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da liberdade pessoal. São citados ainda a retenção no local de trabalho, a vigilância ostensiva, a apropriação de documentos do trabalhador e a restrição da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.

Entre as modificações, foram feitos pequenos ajustes e detalhes sobre o processo de desapropriação, como destinar materiais apreendidos em locais onde se constate trabalho escravo também para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), da mesma forma que os recursos das desapropriações.

A flexibilização do conceito de trabalho escravo foi criticada durante o seminário. Para o procurador do Trabalho Jonas Ratier Moreno, a manutenção da jornada exaustiva e da condição degradante é essencial para o combate ao trabalho contemporâneo.

“Condições degradantes são as que configuram desprezo à dignidade humana no que se refere à higiene, saúde, moradia, segurança, repouso, alimentação. E jornada exaustiva diz respeito à intensidade, frequência, desgaste, que cause prejuízo à saúde física, ou mental, agredindo sua dignidade. Não são questões meramente trabalhistas. Nos anos 70/80, os trabalhadores de cana cortavam quatro toneladas. Hoje, são 14 [toneladas]. Muitos morrem por exaustão. Como isso pode ser subjetivo?”, questiona.

De Brasília, Christiane Peres