A semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) foi marcada por articulações para retomar a votação do Projeto de Lei (PL) 4471/12, que cria regras para a apuração de mortes e lesões corporais decorrentes das ações de agentes do Estado, como policiais, os chamados autos de resistência. Esses casos, segundo o projeto, deverão ter rito de investigação semelhante ao previsto para os crimes praticados por cidadãos comuns.

Apesar de estar pronta para votação no Plenário da Câmara desde junho de 2013, a matéria ainda não entrou na pauta de votações. O tema é considerado prioritário pela Bancada do PCdoB na Câmara, que aproveitou a data para retomar a discussão sobre o projeto. Para a líder da legenda na Casa, deputada Jandira Feghali (RJ), é hora de o Congresso enfrentar o debate.

“Nós precisamos quebrar esse paradigma de que neste assunto não se mexe. Não é um assunto contra os policiais, contra a boa polícia, ou contra todas as forças do Estado brasileiro que estão aí para proteger o cidadão. O que nós estamos discutindo é a atuação da má polícia, dos extermínios que ocorrem neste país. É uma verdadeira barbárie social o que ocorre com a juventude negra, com a juventude pobre, com a juventude da periferia”, afirma.

Dados do Mapa da Violência de 2014, que sistematizam os números de 2012, reforçam o argumento de Jandira. A violência tem sido a principal ‘causa mortis’ de jovens no país, e ela tem como alvo preferencial a juventude negra. Segundo os dados do diagnóstico, das 56.337 pessoas vítimas de homicídio no país em 2012, 30.072 eram jovens. Desse total, 23.160 eram negros. Até os 12 anos de idade, não há grande diferença entre o número de mortes de brancos e negros (1,3 e 2 para cada grupo de 100 mil). Já entre os 12 e 21 anos, enquanto a taxa de jovens brancos mortos é 37,3 em cada 100 mil, a de negros chega a 89,6, segundo o documento.

“Temos que garantir que a legislação brasileira seja o mais democrática possível e enfrente algo que é um dado real da violência do país e que é um dos principais clamores do povo brasileiro. Vivemos uma situação de insegurança pública enorme e é preciso que a gente tenha marcos legais que facilitem o enfrentamento dessa violência”, destaca a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE).

Uma reunião foi marcada na próxima terça-feira (25), às 14h, com o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para se tentar entrar num acordo sobre o texto do PL 4471/12.

Autos de resistência

Atualmente, o Código de Processo Penal autoriza qualquer agente público e seus auxiliares a utilizarem os meios necessários para atuar contra o suspeito que resista à prisão. Não prevê, no entanto, as regras para a investigação do uso de força nesses casos.

De acordo com o PL, sempre que a ação resultar em lesão corporal ou morte, a autoridade policial competente deverá instaurar imediatamente o inquérito para apurar o fato, sem prejuízo, inclusive, da prisão em flagrante. Ministério Público, Defensoria Pública, órgão correcional competente e Ouvidoria deverão ser comunicados imediatamente da instauração do processo.

Para o Delegado Protógenes (PCdoB-SP), um dos autores da matéria, os chamados "autos de resistência", são, na maioria dos casos, utilizados em episódios em que um policial agride um jovem negro da periferia de uma metrópole brasileira e justifica a agressão acusando-o de ter resistido à ordem de prisão – o que quase sempre resulta na morte do indivíduo. "Por isso, entendo ser urgente a votação e a aprovação desse projeto. O PL apaga a expressão 'auto de resistência' dos boletins de ocorrência e a substitui por ‘lesão corporal decorrente de intervenção policial’ ou ‘morte decorrente de intervenção policial’, a fim de que o policial que abusou da autoridade seja punido, o jovem negro inocentado e o processo de democratização da polícia brasileira tenha finalmente início, 30 anos depois do fim da ditadura”, explica.

De Brasília, Christiane Peres