Este ano, os fiscais do trabalho já resgataram 421 trabalhadores de condições análogas à de escravo. O dado, divulgado esta semana pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), computa as informações das ações realizadas no primeiro semestre de 2014. A eficácia das operações dos grupos móveis, no entanto, pode estar ameaçada por uma possível descaracterização do conceito de trabalho escravo.

A regulamentação do termo pelo Congresso é o que falta para que as medidas propostas na Emenda Constitucional (EC) 81, que prevê a expropriação de imóveis rurais ou urbanos onde for encontrado trabalho escravo, passem a valer.

Uma proposta (PLS 432/2013), relatada pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR) aguarda deliberação no Congresso. O texto adota um conceito parcial de trabalho escravo, mais restrito do que o que está no artigo 149 do Código Penal. Uma definição que não é encampada pelo governo federal, mas está alinhada com a bancada ruralista. Ela exclui condições degradantes e jornada exaustiva da conceituação, tornando a Emenda ineficaz em casos de trabalho escravo encontrado em oficinas de costura e canteiros de obra, por exemplo.

Para a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), o abrandamento do termo não será tolerado. “Nossa bancada não permitirá essa afronta aos direitos básicos do trabalhador”, disse.

Defensores dos direitos humanos e grupos ligados aos trabalhadores do campo reivindicam que o conceito de trabalho escravo não seja descaracterizado e siga a definição de “trabalho análogo à escravidão” do Artigo 149 do Código Penal.

Segundo o dispositivo, comete o crime quem submete o empregado a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Para o coordenador geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), José Guerra, esse não é um debate novo. Desde as discussões na Câmara sobre a matéria, parlamentares ligados à bancada ruralista já tentavam descaracterizar o termo. Segundo Guerra, para enfrentar esse embate é preciso mostrar que a conceituação de trabalho escravo no Brasil é sólida. É um conceito referenciado pela OIT [Organização Internacional do Trabalho] como um dos mais avançados.”

Desde 1995, quando o governo federal reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão no país e criou o sistema público de combate a esse crime, mais de 46 mil pessoas já foram resgatadas do trabalho escravo em fazendas, carvoarias, oficinas de costura, canteiros de obra, entre outros empreendimentos.

De Brasília, Christiane Peres