Para o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a sessão solene representava “uma reparação histórica” ao ato que deu início à ditadura militar que durou até 1985.

Deputados e senadores se reuniram na tarde desta quarta-feira (18), no plenário do Senado, para sessão solene destinada a devolver simbolicamente o mandato presidencial a João Goulart (1919-1976). Um golpe de Estado depôs Jango em 1964, dando início ao regime militar, que durou até 1985.

Além de deputados e senadores, estiveram presentes ainda o vice-presidente, Michel Temer, ministros e integrantes das Forças Armadas.

A proposta de reparação foi feita no dia 21 de novembro, pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), com a anulação da sessão de 2 de abril de 1964, na qual o então presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, declarou vaga a Presidência da República, tornando possível o afastamento de João Goulart do poder.

Leia abaixo o discurso de João Vicente Goulart:

“Exmo. Sr. Presidente do Congresso Nacional, Senador Renan Calheiros, Exma. Sra. Presidente da República, Dilma Rousseff, Exmo. Sr. Vice-Presidente, Michel Temer, Exmo. Sr. Deputado Federal, Henrique Eduardo Alves, Presidente da Câmara, Exmo. Sr. amigo Pedro Simon, Exmo. Sr. Senador Randolfe, que foram os executores do projeto que nos levou a este momento, Exmo. Sr. Deputado Alessandro Molon e minha caríssima Fafá.
“Srs. Senadores, Srs. Ministros, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, quero, neste momento de profunda emoção, transmitir a V.Exas., representantes do povo brasileiro, nossos agradecimentos, em nome da minha família e do Instituto Presidente João Goulart, nesta justa homenagem do Congresso Nacional, legítimos representantes da Nação e das aspirações de nosso povo, pela devolução simbólica do mandato de Presidente da República ao meu pai, João Goulart, injustamente cassado no golpe civil-militar de abril de 1964.
“Agradeço, também, à Presidente Dilma Rousseff, ao seu Governo e ao seu staff, por este momento histórico que o Brasil vive na recuperação e na restauração da memória nacional e faço menção, principalmente, à instalação da Comissão da Verdade, à Secretaria de Direitos Humanos, na pessoa da nossa Ministra do Rosário, que tem nos acompanhado nesse difícil momento da exumação dos restos mortais do Presidente João Goulart, o quanto é importante uma Nação reencontrar-se com a sua história.
“Quase 50 anos depois da fatídica madrugada do 2 de abril, em que este Congresso, por duas vezes presidido por Jango, de forma ilegal, em sessão que envergonhou o Legislativo da Nação e declarava vaga a Presidência da República com o seu Chefe da Nação dentro do território nacional, legalizando, deste modo, aquele golpe dado não contra Jango, mas, sim, um golpe dado contra as reformas de base que o Presidente João Goulart pretendia e tinha enviado ao Congresso Nacional na sua mensagem de 1964. Essas reformas, sem dúvida, desenvolveriam o País em benefício das camadas menos favorecidas, em benefício de um desenvolvimento econômico mais justo, mais soberano e mais brasileiro.
“Esta sessão, hoje, Presidente Renan Calheiros, está nos demonstrando que a verdadeira história se escreve não somente pelo tempo de vida de um homem, mas pelo tempo de Deus e do exercício da tenacidade da verdade.
“Agradecemos aos Srs. Senadores Randolfe Rodrigues e Pedro Simon a iniciativa que nos levou à anulação dessa sessão de 2 de abril de 1964 e que repara hoje a injustiça praticada contra a cassação de Jango, mas também repara a triste mancha e o equívoco praticado pelo Parlamento brasileiro, ao legalizar a ditadura e concordar implicitamente com a ruptura institucional da Pátria e a instalação do Estado de exceção.
“Sra. Presidente, Srs. Senadores, Srs. Deputados, repito: aquele golpe não foi praticado contra Jango e sim contra as suas propostas de reforma de base, que dariam sustentação e desenvolvimento aos mais marginalizados de nossa sociedade, que estavam longe das riquezas nacionais, trazendo um equilíbrio de oportunidades aos menos favorecidos e rompendo, de certa forma, o apartheid socioeconômico estabelecido na sociedade brasileira entre aqueles que muito tinham e aqueles que pouco tinham acesso à economia nacional, aqueles que não tinham o acesso aos privilégios bancários, tributários e judiciais que a Nação, naquele momento, outorgava às elites.

“Há 50 anos, precisávamos reformar o Estado brasileiro para avançar no desenvolvimento do País. Ainda hoje essa reforma do Estado brasileiro é necessária para que continuemos avançando.
“Ainda hoje necessitamos de uma reforma agrária solidária que abrigue também a agricultura familiar nos mesmos moldes que a agricultura da monocultura e dos commodities têm os privilégios aqui no nosso sistema creditício e no desenvolvimento da agricultura brasileira.
“Ainda hoje necessitamos de uma reforma tributária profunda, mais justa e também mais solidária, em que se tribute também o patrimônio e não somente a carga tributária em cima dos assalariados brasileiros.
“Ainda hoje necessitamos de uma educação de base de tempo integral para as nossas crianças e a destinação, como Jango destinou na época, de 12% do Orçamento da Nação para a educação de base, para que possamos avançar e acompanhar o desenvolvimento tecnológico de nosso País.
“Ainda hoje precisamos de uma reforma política profunda, para fazer de nossos Parlamentares representantes dignos e admirados daquela população que vota e espera do seu voto a dignidade do exercício parlamentar.
“Necessitamos, Presidente Dilma, quem sabe, daquele plebiscito para discutir profundamente essa reforma política e eleitoral de que a Nação precisa. 
“Ainda hoje, Srs. Parlamentares, Srs. Senadores e Srs. Deputados, é necessário avançar.
“Ainda hoje precisamos fazer da reforma do Estado brasileiro o sonho dos brasileiros, a reforma da justiça social, a reforma do fim dos privilégios, sejam eles econômicos, jurídicos ou políticos; privilégios que já saturam por completo a paciência da sociedade brasileira.
“Ainda hoje se faz necessário lembrar daqueles que, para que aqui estejamos democraticamente, tombaram no difícil caminho da restauração democrática. É necessário o equilíbrio e a vontade de avançar sempre, com dignidade, concórdia, harmonia, e que tenhamos sempre a memória do respeito aos caídos nesse caminho.
“A história de Jango hoje se coloca acima dos partidos políticos e torna-se, com este ato do Congresso brasileiro, parte da Nação brasileira. Olhamos hoje a sua figura e as suas propostas como um prisma entre as lutas sociais do passado e o futuro da Nação brasileira.

“Sem ódios nem ressentimentos, devemos olhar a luz que emerge desse prisma e caminhar com propostas ao futuro do Brasil.

“Jango hoje parte como homem. Fica o Jango das reformas de base. Fica o Brasil unido na concórdia e na reflexão da História.

“Obrigado, Sra. Presidente. Obrigado, Srs. Deputados, Srs. Senadores.

“Mais uma vez, repito as palavras que disse quando me despedi pela segunda vez, em São Borja, de meu pai: Jango, a democracia venceu!.”

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