No mesmo dia (15/abril) em que anunciou a diminuição das metas de superávit para este ano e a previsão de uma taxa Selic de 9,25% ao final de 2009, o Governo enviou a sua proposta de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para 2010 sinalizando que o superávit continuará alto e os juros podem voltar a subir acima de 10% no ano que vem.


A execução orçamentária de 2009 está bastante comprometida pela atual crise internacional. Quando a proposta da lei orçamentária foi elaborada, em agosto de 2008, a crise ainda não estava deflagrada. Mesmo quando a proposta foi votada, em dezembro passado, com ajustes, o Congresso ainda não podia prever a totalidade dos efeitos dessa crise. Mesmo assim, naquele momento, já havia uma contradição manifesta na peça orçamentária. De um lado era clara a necessidade de, em um cenário de crise, realizar ações anticíclicas com aumento de dispêndio e desonerações tributárias e, por outro, uma lei orçamentária com uma enorme meta de superávit primário de R$ 67 bilhões – determinada pela LDO 2009.


Em março de 2009, quando os números do impacto da crise começavam a ficar mais evidentes, o governo promoveu profundos ajustes na execução orçamentária, reduzindo a expectativa de receitas em R$ 48 bilhões, 6% do total. Parte da redução da expectativa de arrecadação – R$ 16 bilhões –  diminuía a previsão de repasses para estados e municípios. Após algumas correções, o ajuste restante, feito em abril, acabou por contingenciar programações dos diversos ministérios – uma conta de R$ 25 bilhões, sendo R$ 10,7 bilhões em investimentos e R$ 14,3 bilhões em custeio.


A razão desse contingenciamento elevado estava determinada pela manutenção de metas de superávit de 2,15% do PIB. Era como se a crise, grande o suficiente para derrubar a arrecadação, não exigisse a proporcional redução do superávit fixado um ano antes em uma realidade completamente diversa.


Reconhecendo essa contradição, o governo anuncia agora que fará alterações na LDO 2009 para diminuir a meta de superávit de todo o setor público – União, estados, municípios e estatais – e ainda excluindo totalmente a Petrobrás dessa obrigação.


Como resultado dessas mudanças, a União, os estados, os municípios e a Petrobrás ganham uma folga de aproximadamente R$ 42,2 bilhões.



























































LDO 2009


Mudanças


Folga fiscal


% PIB


R$ bilhões


% PIB


R$ bilhões


R$ bilhões


Orçamento fiscal e seguridade


2,15


67,9


1,40


43,5


24,3


Estatais federais


0,70


22,1


0,20


6,2


15,9


Petrobrás


0,50


15,8


0,00


0,0


15,8


Outras


0,20


6,3


0,20


6,2


0,1


Estados e municípios


0,95


30,0


0,90


28,0


2,0


Total


3,80


119,9


2,50


77,8


42,2


Os números vistos na tabela acima são significativos. Para a Petrobrás, por exemplo, o fim da obrigação do superávit primário permitirá aumentar em um terço os investimentos programados para o ano, previstos em R$ 44 bilhões. Para o governo federal (orçamentos fiscal e seguridade) a folga de R$ 24 bilhões equivale à totalidade do recente contingenciamento ou o volume de recursos orçamentário destinados ao PAC no orçamento de 2009.


Sem essa folga, o governo teria dificuldades para manter as medidas de desoneração fiscal, que em muito têm contribuído para reativar vários setores da economia. Também haveria dificuldades para elevar o ritmo dos investimentos públicos, um instrumento importante para a elevação da demanda.


A iniciativa do Governo de reduzir a meta de superávit emite sinais positivos rumo ao enfrentamento da crise, mas não será suficiente se a política monetária do Banco Central não for afrouxada mais rapidamente, em especial se a taxa Selic não for reduzida mais rápida e profundamente.


Por outro lado, defendemos que a meta de superávit primário para 2009, enquanto perdurar a crise, possa ser ainda menor. Quando o projeto de lei de alteração da LDO 2009 for enviado, sugerimos emendá-lo para reduzir ainda mais sua meta de superávit. É inadmissível que em plena crise, o governo deixe de usar com todo vigor uma política fiscal, ampliando as medidas de enfrentamento à crise, para manter superávits que funcionam pró-ciclicamente, a favor da crise.


Conservadorismo na proposta de LDO para 2010


A proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2010 parece fazer um contraponto com a alteração da LDO 2009. Pelas estimativas do governo, o país vai crescer 2% em 2009 e 4,5% em 2010. São boas estimativas, mas plenamente em desacordo com o que a proposta sinaliza para juros e para as metas de superávit primário.


Segundo a mensagem, os juros médios de 2009 ficarão no patamar de 10,80%, permitindo projetar para dezembro uma taxa próxima a 9,25%. Essa projeção indica que o Banco Central fará reduções muito tímidas da taxa Selic para este ano.


Para 2010, a proposta prevê uma taxa média de 10,2%, que é superior aos valores esperados para dezembro de 2009. Assim, fica indicado que haverá alta de juros, no próximo ano, quando o mundo provavelmente ainda estará em crise.

Fica cada vez mais claro que a política monetária imposta pelo Banco Central ainda está na contramão da crise. Tal qual errou em 2008, erra em 2009, ao não acelerar a queda dos juros, e já projeta aumentos de juros para 2010.


Vale lembrar que em 10 de setembro de 2008, na antevéspera da crise (no dia 15 de setembro o Lehman Brothers quebrou), o BC subiu a taxa Selic para 13,75% – aliás, como vinha fazendo desde abril. E somente em janeiro desde ano, depois que a economia despencou no 4º trimestre, iniciou diminuições na taxa, num movimento muito aquém do necessário. Os atuais níveis de 11,25% são altíssimos, estão totalmente desalinhados com as políticas praticadas pelos demais bancos centrais. Insensível à queda de 3,6% da economia, ao aumento do desemprego, ao alastramento da crise e às dificuldades que ainda remanescem, a política monetária continua praticando um dos mais altos juros do mundo.


Também aparecem na contramão da política fiscal anticíclica as metas de superávit primário para 2010. Pela proposta, exceto para a Petrobrás que ficará de fora, o governo repete as metas da LDO 2009, obrigando a União a um superávit de 2,15% do PIB, cerca de R$ 72,6 bilhões, muito acima dos R$ 43 bilhões da nova meta pretendida para ano corrente. Vale lembrar: mesmo que a economia dê sinais de recuperação em 2010, como prevê o governo, o mais provável é que ainda estejamos sofrendo os efeitos da crise. Vários setores econômicos e muitos segmentos sociais ainda poderão demandar ações específicas para sua recuperação. Esse debate será feito durante a tramitação da LDO 2010 e certamente será grande a pressão pela diminuição dessas exigências de superávit.


Será um momento privilegiado para questionar o porquê da manutenção de políticas de juros altos e de grandes superávits. A crise já colocou em cheque esses paradigmas do neoliberalismo e está mais do que na hora de uma redefinição política. Novas tarefas estarão colocadas exigindo que o Estado assuma um papel diretor para o processo de desenvolvimento econômico e social, para recuperar direitos, empregos e a cidadania perdida nesses quase vinte anos do Consenso de Washington.


* O objetivo dessa nota é subsidiar a Bancada de informações necessárias ao tema abordado. A nota reflete as opiniões do assessor técnico responsável, não necessariamente expressando opiniões e votos dos deputados federais do PCdoB.