A proposta de mudança nas relações de trabalho e a reforma tributária
No último dia 29 de abril foi publicada uma proposta assinada pelo ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) sobre diretrizes para reconstrução das relações entre o trabalho e o capital no Brasil. O texto representa uma primeira aproximação sobre temas produzidos por um debate entre o governo e as centrais de trabalhadores. Um dos pontos centrais da proposta diz respeito à desoneração da folha de pagamento como fonte de financiamento da Previdência Social, questão que está intimamente relacionada com a atual proposta de emenda à Constituição (PEC 233) da reforma tributária em debate na Câmara dos Deputados, de autoria do Poder Executivo.
Como estamos diretamente envolvidos na tramitação desta PEC da reforma tributária queremos trazer ao debate as conexões entre esta reforma com as futuras mudanças das relações trabalhistas esboçadas pelo texto do ministro Mangabeira Unger.
Em sua proposta, o ministro revela haver um consenso entre as entidades e o governo Lula sobre a necessidade de se desonerar a folha de pagamento do ônus de financiar a Previdência Social – pelo menos quanto à parte da contribuição patronal – e os chamados “acessórios”: o sistema S e o salário-educação. E que a maioria dos representantes trabalhista considera que a melhor forma de fazer isso seria transferir o ônus da arrecadação para um imposto geral, de preferência um imposto sobre o valor agregado (IVA) que venha a ser adotado pelo Brasil em nível federal. Este seria o imposto mais “neutro” para substituir a atual contribuição patronal, já que ela própria funciona como um tributo indireto.
Um IVA federal está realmente proposto na reforma tributária do Poder Executivo – (denominado IVA-Federal) – e viria substituir vários outros tributos sobre o faturamento das empresas, como a Cide-Combustíveis, o PIS e a Cofins – e a alíquota do salário-educação, que deixaria de incidir sobre a folha. O IVA-Federal seria então o candidato natural a substituir também a contribuição patronal da Previdência Social sobre a folha.
No entanto, a proposta Mangabeira Unger, ao tempo em que afirma esse consenso sobre o novo financiamento, revela que o “mecanismo de desoneração deve ser separado tanto quanto possível dos debates a respeito das reformas previdenciária e tributária”, sob pena de “não avançar”. Essa posição das entidades parece um contra-senso, já que a reforma tributária está na ordem do dia do Congresso Nacional e um de seus objetivos declarados é também desonerar a folha de pagamento da contribuição patronal. Por que essa desconfiança da PEC 233, da reforma tributária?
As entidades sindicais têm razão em desconfiar dos termos da PEC 233. É que apesar dos méritos que tem a reforma tributária em exame na Câmara, na questão da seguridade social ela se equivoca duas vezes. Em primeiro lugar por propor uma redução de 20% para 14% a alíquota da contribuição patronal sobre a folha, uma renúncia de recursos da ordem de 12% da receita previdenciária anual sem nenhuma outra fonte de compensação, a não ser transferência de recursos do Tesouro, isto é, do orçamento fiscal. O que significa que o chamado déficit previdenciário, pelo corte desta receita, em números de 2008, irá aumentar em 40%! Para, em contrapartida, haver uma queda de apenas 0,006% do PIB na carga tributária total! Isso somente aumentaria o risco de, no futuro, o “déficit” da Previdência ser novamente alegado para reduzir as aposentadorias e pensões ou dificultar suas concessões, prejudicando a proteção social dos trabalhadores segurados e suas famílias.
O segundo equívoco da PEC da reforma tributária é que ela, a pretexto de simplificar o sistema tributário, pretende eliminar as outras fontes autônomas de financiamento da Seguridade Social, fundindo a Cofins ao novo IVA-Federal e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL ao imposto de renda. Dando em troca à Seguridade mais transferência de recursos do Tesouro Nacional. O que elimina, na prática, o orçamento da seguridade social enquanto parte autônoma orçamento da União.
Tentando resolver este problema da PEC, as deputadas Jô Moraes (MG) e Rita Camata (ES), apresentaram uma emenda cujo objetivo é recuperar a autonomia do orçamento da seguridade social e de suas fontes, viabilizando, outrossim, a desoneração da folha de pagamento. Com essa emenda, o propósito da reforma das relações trabalhistas podem ficar perfeitamente de acordo com a reforma tributária, podendo ser feita – pelo menos quanto ao financiamento da previdência social – de forma concomitante.
A emenda Jô Moraes e Rita Camata à reforma tributária
A emenda apresentada pelas duas deputadas resgata a autonomia de fontes da seguridade social ao tempo em que atende o objetivo da PEC do Poder Executivo de simplificar o sistema tributário nacional. Para tanto, a emenda, primeiro, mantém as Cofins e o PIS como uma alíquota adicional do novo IVA-Federal. O que garante, ao mesmo tempo, uma fonte própria para o orçamento da seguridade e a simplicidade da tributação, pois a contribuição social se transforma em uma simples linha na nota fiscal das empresas. Da mesma forma, a CSLL se transformará em um adicional de alíquota do imposto de renda, reduzindo-se somente a uma linha a mais no DARF do recolhimento.
Em segundo lugar, a emenda também autoriza a redução da contribuição patronal da Previdência Social, dando em contrapartida uma redução na alíquota do novo IVA-F, garantindo a redução da carga tributária e a desoneração da folha, sem comprometer, entretanto, a receita do orçamento da seguridade social.
A emenda das deputadas Jô Moraes e Rita Camata garante, assim, a pretendida mudança das relações trabalhistas discutida pelas centrais sindicais na própria proposta de emenda constitucional da reforma tributária, removendo as inconveniências de longo prazo constantes da PEC original do Poder Executivo.
A emenda à das deputadas Jô Moraes e Rita Camata vem aglutinando apoio de diversos segmentos sociais. A ANFIP – Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita do Brasil já aderiu, e se comprometeu a promover um grande movimento em favor da defesa da autonomia do orçamento da seguridade social. Acreditamos que o próprio Poder Executivo venha a apoiá-la.
Conclamamos as centrais e entidades sindicais e a outros setores sociais que apóiem essa emenda à reforma tributária. Vamos ampliar este movimento que assegura a segurança do financiamento da Previdência e da Seguridade Social dos trabalhadores ao tempo em que facilita a modernização das relações trabalhistas no Brasil.
__________________________
Jô Moraes é deputada federal (PCdoB-MG), líder da Bancada do PCdoB, membro da Comissão de Seguridade Social e Família e co-autora de emenda à PEC 233/2008 da reforma tributária. Chico Lopes é deputado federal (PCdoB-CE) e membro da Comissão Especial que examina o mérito da PEC 233/2008 da reforma tributária.