A nova tentativa de encerrar a o processo de extinção da Rede Ferroviária Federa
A Medida Provisória 353 reedita com alterações positivas os termos da Medida Provisória 246, de abril de 2005, que procedia o encerramento do processo de liquidação da estatal, assumindo a União seus ativos e passivos. Essa MP anterior, relatada pelo Deputado Inaldo Leitão (PL-PB), enfrentou forte resistência dos ferroviários da RFFSA – especialmente de seus aposentados – e, graças também a inflexibilidade do Poder Executivo em acatar as reivindicações da categoria, acabou sendo derrotada em Plenário, em junho de 2005.
Esta nota atualiza os termos da nota referente a MP anterior, destacando as alterações introduzidas. Em grande medida a solução defendida pela Bancada quando da apreciação da Medida Provisória anterior que era a criação de uma entidade específica que sucedesse RFFSA, centralizando todo o seu patrimônio e a administração do pessoal ativo e inativo, foi ultrapassada nesta MP 353. Embora persista a necessidade de apresentação de algumas emendas pontuais, mais relevantes, na defesa dos interesses do patrimônio da Rede Ferroviária e dos ferroviários ainda ativos.
Entendemos também que a aprovação dessa Medida Provisória, com as emendas apresentadas, deve ser defendida como parte de um plano maior de remodelação da área estatal do setor ferroviário. Essa reformulação, no nosso entender, resolvido o imbróglio da RFFSA, deve conter a reorganização de outras empresas estatais – o GEIPOT, CBTU, VALEC e outras – sob a forma de uma nova entidade governamental que resgate a função de planejamento estratégico para o setor e também possa voltar a cumprir um papel operacional relevante na malha ferroviária.
Um histórico da extinção da RFFSA
Desde que iniciou-se o Programa de Privatização a Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA foi um de seus alvos. Não para ser vendida, mas para ser sucateada e suas concessões privatizadas. A partir de 1996, a estatal foi incluída no Programa de Privatização, suas concessões foram canceladas e divididas em seis grandes redes malhas ferroviárias regionais, que foram entregues a novas concessionárias privadas. As novas empresas receberam juntamente com as concessões os trilhos, estações e trens de propriedade da RFFSA, sob a forma de arrendamento.
Ao final de 1999, o governo FHC decretou a extinção da estatal, iniciando seu processo de liquidação. Mas já antes dessa extinção, pela Lei n° 8.029, de 1990, a União foi considerada a sucessora de todos os direitos e obrigações. Apesar da extinção a RFFSA continuou a funcionar, gerida por seu liquidante, tendo por objetivo atender sua obrigação e receber ou alienar seus direitos. Desse modo, a RFFSA continuou a fiscalizar os bens arrendados e administrando seus imóveis não operacionais, apesar das precárias condições operacionais do liquidante.
Segundo o Anexo de Riscos Fiscais do Projeto de Lei da LDO 2006, os ativos totais da RFFSA atingiam, ao final de 2004, R$ 21,3 bilhões, dos quais R$ 19,1 bilhões são formados de ativos operacionais arrendados às concessionárias privadas; o ativo não operacional é de R$ 1,2 bilhão. O passivo, representado pelo contencioso judicial, ascende a R$ 6,9 bilhões, sendo 50% em causas trabalhistas, restando um patrimônio líquido de R$ 7,4 bilhões. No entanto, ainda segundo o Anexo de Riscos Fiscais citado, esse patrimônio líquido, se calculado pelo método de fluxo de caixa descontado e reavaliando-se o ativo operacional passa a ser negativo.
Atualmente ainda existem na ex-estatal cerca de 500 funcionários, parte deles cedidos a outros órgãos, como a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Além dos funcionários remanescentes, a RFFSA tem 92 mil aposentados que recebem aposentadorias do INSS com valores complementados pelo Tesouro Nacional.
Por meio da MP 246, de abril de 2005, o Poder Executivo intentou pela primeira vez proceder o encerramento do processo de liquidação da estatal, assumindo a União seus ativos e passivos, como já determinava a lei de 1990.
Assim como faz a atual Medida Provisória, a MP 246 ao determinar a assunção pela União dos direitos e obrigações, distribuiu as funções de inventariante entre diversos órgãos como o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes – DNIT, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e o GEIPOT (estatal também em liquidação), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento e a Advocacia Geral da União (AGU). Essa MP, no entanto, foi rejeitada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, em junho de 2005.
A principal crítica dos ferroviários à MP 246 era exatamente essa dispersão do patrimônio e da alocação de pessoal entre diversos órgãos e entidade. A eles parecia que tal dispersão prejudicaria não só o patrimônio material e os interesses dos numerosos aposentados, como principalmente extinguiria a cultura ferroviária, um patrimônio simbólico, político e cultural, construído durante todo o século XX e indissociável da história social, cultural, econômica e política brasileira.
Embora a MP 253 traga alguns avanços em relação a Medida Provisória anterior, consideramos que, no geral, ela ainda não responde às principais reivindicações dos ferroviários.
A situação atual e a opção de encerrar a liquidação – MP 353
Passados cinco anos do início da liquidação, a RFFSA (dezembro de 1999) vive grande dificuldade. Com parte de seus ativos operacionais sucateados e uma grande quantidade de imóveis urbanos invadidos ou em situação irregular, a massa em liquidação não chega a cobrir as dívidas da empresa. Parte de seus empregados foram recontratados pelas novas concessionárias privadas, outros foram cedidos para outras empresas estatais do setor, como metrôs, restando algumas poucas centenas na própria RFFSA. Os bens e equipamentos das ferrovias foram arrendados às concessionárias privadas, mas essas receitas não vem cobrindo as despesas remanescentes e o acúmulo das dívidas passadas. Em conseqüência, os valores das dívidas judiciais vem se avolumando, criando todo tipo de problemas para a estatal, para os gestores e até para as novas concessionárias.
Segundo a Exposição de Motivos, o atual estado da liquidação da RFFSA está provocando os seguintes problemas:
(a) comprometimento econômico da RFFSA em função dos sucessivos prejuízos apurados desde o início do processo de liquidação, estes da ordem de R$ 17,66 bilhões até setembro de 2006, implicando uma redução do Patrimônio Líquido de 65%, no mesmo período;
(b) endividamento total da ordem de R$ 15,0 bilhões (novembro de 2006);
(c) expressivo volume de ações judiciais contra a RFFSA, da ordem de 38 mil ações, com risco de despesas no montante aproximado de R$ 7,5 bilhões;
(d) constantes determinações judiciais de penhora de bens operacionais arrendados e bloqueio de valores depositados em contas bancárias da RFFSA e das concessionárias;
(e) insegurança jurídica gerada pelo estado de liquidação da Empresa como fator inibidor de novos investimentos privados no setor ferroviário, ocasionado pelos bloqueios de valores e penhoras de dívidas da RFFSA);
(f) exaustão dos recursos financeiros necessários para custear o processo de liquidação, o qual já consumiu cerca de R$ 6,5 bilhões na assunção de dívida da RFFSA pelo Tesouro Nacional;
(g) falta de recursos necessários ao cumprimento das obrigações perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, ocasionando restrições cadastrais à RFFSA que inviabilizam a alienação de ativos não-operacionais, cujo produto seria destinado ao custeio da liquidação;
(h) verificação de inúmeras ocorrências relacionadas à depredação e furto do patrimônio da RFFSA.
Além disso, parte dos imóveis da estatal em liquidação espalhadas pelo país, especialmente terrenos urbanos, encontram-se invadidas ou em outras situações irregulares.
Segundo a Exposição de Motivos, o objetivo do Governo Lula com esta MP 353 é dar um novo impulso ao transporte ferroviário, resolvendo de uma vez o processo de liquidação da RFFSA. Os ativos e passivos correspondentes serão assumidos pela União, os imóveis urbanos serão regularizados e destinados a programas de regularização fundiária e de habitação de interesse social, para atender populações de baixa renda, nos termos da Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005, ressalvados aqueles considerados históricos, que passarão a ser administrados pelo IPHAN.
As funções e patrimônio da extinta RFFSA passa a ser distribuída pelos seguinte órgãos e estatal da União:
(a) Como inventariante fica constituído o Ministério dos Transportes; que atuará por meio do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT
(b) Os bens operacionais e as atribuições finalísticas atuais da RFFSA também são transferidos para o DNIT, com atuação complementar da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT; passarão a ser encargos desses dois órgãos as atividades de fiscalização dos contratos de concessão e dos bens arrendados às empresas concessionárias (essa medida atende, inclusive, à recomendação expressa do Tribunal de Contas da União, contida no Acórdão nº 541/2003, de 2003);
(c) Caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN receber e administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural;
(d) Os atuais empregados, bem como todo passivo trabalhista, serão assumidos pela VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A., empresa vinculada ao Ministério dos Transportes, por meio do instituto da sucessão trabalhista; esses empregados farão parte de um quadro em extinção e poderão ser cedidos aos diversos Órgãos da Administração Pública que sucederem as atividades da empresa extinta, além de prestarem apoio às atividades de inventariança, bem como a implantação de programa de desligamento voluntário;
(e) A VALEC assumirá ainda a responsabilidade de atuar como patrocinadora dos planos de benefícios administrados pela Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social – REFER (fundo de pensão da RFFSA), na condição de sua sucessora trabalhista, em relação aos empregados para ela transferidos, observada a exigência de paridade entre as contribuições da patrocinadora e do participante;
(f) Os inativos – aposentados e pensionistas – manterão a vinculação de remuneração com o quadro dos ativos (agora na VALEC), devendo, após a extinção desse quadro, ter seus benefícios corrigidos segundo as regras aplicadas à Previdência Social;
(g) A Advocacia Geral da União (AGU) será a detentora da capacidade postulatória, assumindo as ações judiciais referentes à RFFSA; nesse sentido, pode a AGU requisitar o pessoal necessário para a continuidade das atividades judiciárias pendentes.
Fica ainda criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, Fundo Contingente da Extinta RFFSA – FC”, de natureza contábil, constituído de recursos oriundos da emissão de títulos do Tesouro Nacional, no montante de até R$ 300 milhões; de recursos do Tesouro Nacional, provenientes da emissão de títulos, em valores equivalentes ao produto da venda de imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, até o limite de R$ 1,0 bilhão; e, ainda, de recebíveis em poder da RFFSA, decorrentes dos contratos de arrendamento das malhas ferroviárias, no valor de até R$ 2,4 bilhões.
Para a realização dos trabalhos de Inventariança e das demais atividades decorrentes da transferência das funções da extinta RFFSA, propõe-se a criação de 157 cargos em comissão no DNIT, o que representa custo mensal de R$ 387 mil. Os cargos destinados às atividades de Inventariança retornarão à Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão após a conclusão do processo.
O resgate dos passivos
Com a extinção do processo de liquidação e a assunção do passivo pela União, as dívidas da ex-estatal serão resgatadas utilizando-se os imóveis de sua propriedade, os créditos a receber (recebíveis) e também recursos do Tesouro Nacional.
Haverá duas formas de liquidação dos débitos. Em relação aos créditos dos acionistas minoritários, a MP autoriza que a União possa pagá-los mediante a dação de imóveis da ex-estatal. Os demais débitos serão liquidados com recursos do Fundo Contingente da Extinta RFFSA – FC.
Com a assunção do passivo pela União não haverá mais possibilidade de penhora, o que facilitará a gestão do passivo, trazendo vantagens aos próprios credores.
As críticas à Medida Provisória 353
As entidades de ferroviários tecem várias críticas à Medida Provisória, considerando-a nefasta aos interesses mais gerais da sociedade. Elas são no seu conteúdo e forma semelhantes às endereçadas à MP 246, dizendo respeito às perdas pela interrupção abrupta do processo de liquidação, que teria como conseqüências:
(a) A desestruturação institucional promovida pela MP, alocando diferentes funções da RFFSA em órgãos diversos, levará a perda de memória técnica da estatal e da ferrovia no Brasil, bem como seu patrimônio simbólico da cultura ferroviária e a identidade histórica da categoria;
(b) As perdas de créditos por via administrativa ou judicial causada pela impossibilidade da Advocacia Geral da União de continuar o processo de levantamento dos passivos oriundas da incorporação da FEPASA pela RFFSA (estimado em R$ 3 bilhões), do encontro de contas com a Vale do Rio Doce – CVRD, e muitas outras causas que exigem conhecimento especializado;
(c) A desestruturação do processo atual de defesa da ex-estatal, pois a Advocacia-Geral não terá condição de gerir cerca de 38 mil ações atualmente existentes contra a RFFSA, distribuídas em 660 comarcas do país;
(d) A extinção da RFFSA provocará o envolvimento das atuais concessionárias privadas nas ações trabalhistas interpostas contra a ex-estatal, possibilitando o bloqueio de suas receitas e penhoras de bens, o que pode inviabilizar a atuação dessas empresas; isso pode demandar a criação de um fundo pelo Governo Federal para fazer frente a essas ações (que podem alcançar R$ 2 bilhões).
As entidades de ferroviários alegam ainda que a liquidação trará vantagens às concessionárias que atualmente arrendam ativos operacionais da RFFSA, como a NOVOOESTE (Ferrovia Bauru-Corumbá) e FERROBAN (ex-FEPASA), e a Vale do Rio Doce, pois as cobranças de seus débitos para com a RFFSA poderão sofrer solução de continuidade, com suas liquidações sendo adiadas por um longo tempo.
Em resumo, os ferroviários consideram que o balanço patrimonial da RFFSA ainda é solvente e que o desmembramento institucional proposto pela MP acabará por prejudicar os interesses da ex-estatal e também de toda sociedade brasileira, verdadeira proprietária da estatal em liquidação. Esse grupo defende que a solução mais racional seria encerrar a liquidação transformando a estatal em uma autarquia, que manteria todas as funções unidas em uma só instituição ao tempo em que resolveria o problema das penhoras de bens, já que seus bens seriam desafetados.
Considerações à Medida Provisória 353
A atual situação da RFFSA é de fato insustentável, e o quadro das malhas ferroviárias é lamentável. E desde a rejeição da MP 246 essa situação continuou a deteriorar-se.
Há um risco pequeno, mas não desprezível, de ocorrer uma paralisação séria na malha ferroviária da FERROBAN (ex-FEPASA), que cobre o Estado de São Paulo e faz conexão do Centro-Oeste e sul de Minas com o porto de Santos. Todos estão de acordo que se deve dar uma solução a essa situação. Daí a urgência da medida.
A solução proposta pelo Poder Executivo tem a vantagem de resolver o problema das cobranças judiciais caóticas. O que favorece de imediato a situação das concessionárias e de todo ambiente de negócios das ferrovias.
A medida também não impõe um prejuízo claro e direto aos atuais funcionários ativos ou aos aposentados e pensionistas. É verdade que há uma forte desconfiança de que ao serem realocados na VALEC, em um quadro em extinção, os ativos terão sua situação funcional congelada. Mas essa situação pode ser resolvida pela adoção de emenda que torne o quadro dos ativos na VALEC de em extinção para quadro agregado. Desse modo, se abre a perspectiva de haver uma confluência paulatina da situação dos ativos remanescentes da RFFSA com o quadro próprio da VALEC.
A garantia, agora constante na MP 353, de correção das aposentadorias pelas regras do Regime Geral da Previdência Social, quando a vinculação com o quadro de remanescentes na VALEC não mais puder ser exercido, parece-nos estabelecer uma garantia mínima aos ferroviários e é aceita e defendida pelos inativos. Ressalte-se que ficam mantidos todos os direitos relativos à complementação de aposentadoria, com a paridade assegurada, conforme dispõem as Leis nos 8.186, de 1991, e 10.478, de 2002, inclusive a manutenção dos proventos de inatividade e demais direitos do pessoal oriundo da Viação Férrea do Rio Grande do Sul (o que não existia na MP 246). No entanto, por alguma falha, a Medida Provisória não traz a mesma garantia para o pessoal que está na mesma situação dos do Rio Grande do Sul, mas que são oriundos do antigo Escritório Regional da Malha Paulista (ERMAP), fazendo necessário que se apresente emenda corrigindo essa omissão.
Uma outra novidade positiva em relação à MP 246, foi a assunção do patrocínio do fundo de pensão da RFFSA, a REFER, agora pela VALEC. Também melhorou as garantias aos aposentados e também a alguns grupos de ferroviários oriundos de empresas absorvidas anteriormente pela RFFSA.
A nova afetação dos bens da Rede Ferroviária como bens públicos, inclusive dos ativos operacionais arrendados pela seis concessionárias privadas, pode criar um choque benéfico no setor ferroviário, favorecendo a retomada de investimentos e propiciando uma solução ordenada para o resgate dos passivos. Vale lembrar que este setor vem passando por muitas dificuldades, com a maioria das concessionárias não conseguindo atingir as metas estabelecidas pela concessão e com baixo nível de inversão, modernização e expansão nula.
Além disso, essa nova afetação dos bens facilitará a rolagem dos financiamentos do BNDES às concessionárias NOVOOESTE e FERROBAN, que acabaram por se fundir em uma nova empresa (Brasil Ferrovias), melhorando sua situação financeira e a viabilidade econômica, habilitando-as a captar recursos para novos investimentos.
Porém, deve se ponderar que a solução para o caos do patrimônio da RFFSA não garantirá, por si, uma nova retomada dos investimentos ferroviários. Embora facilite a regularização dos financiamentos junto ao BNDES, a situação financeira das concessionárias continuará difícil, o que pode inibir a captação de recursos e os investimentos. Apenas a reformulação do setor estatal afeto às ferrovias, com a criação de uma entidade única que reassuma a função de planejamento estratégico das ferrovias poderá garantir um melhor futuro para esse modal de transporte no país.
Os problemas remanescentes
Infelizmente, ainda remanescerão graves problemas na gestão e no destino do patrimônio da Rede Ferroviária. Destacamos em seguida dois desses problemas: o acúmulo do passivo da Rede e a perda de transparência na gestão do ativo remanescente.
O acúmulo do passivo decorre da falta de garantia de que haverá maior agilidade na realização dos ativos do RFFSA e que os passivos judiciais não continuarão a crescer. A criação do Fundo Contingente apenas organizará contabilmente os recursos e é uma solução positiva. Mas a substituição do liquidante pelo inventariante não garante que haverá agilização do processo de alienação dos imóveis e do recebimento de seus créditos junto às concessionárias arrendatárias ou fruto de encontro de contas com a Vale do Rio Doce ou ao governo de São Paulo (decorrente do processo de fusão com a FEPASA).
O problema é que o inventariante (agora o Ministério dos Transportes) trabalhará com a mesma estrutura básica deficiente – até agora formada pela organização remanescente da Rede Ferroviária – e agora sob a responsabilidade do DNIT. A administração ficará ainda mais complicada pelo fato da função de defesa judicial ter sido distribuída para a AGU e a gestão do Fundo Contingente ser feita pelo Ministério da Fazenda. Ademais, como indica uma das críticas arroladas, parte da memória das ações judiciais e administrativas correm o risco de fato de serem perdidas, já que o volume de tais ações é enorme e complexa, com grande maioria delas sendo defendida por advogados terceirizados.
Essa nova situação “repartida” de gestão do patrimônio e sua descontinuidade poderão, na verdade, agravar ainda mais a lentidão dos processos de realização dos ativos.
Em conseqüência, os passivos poderão continuar a se avolumar a medida em que a situação dos ativos se deterioraram. Em acréscimo, os débitos trabalhistas, agora assumidos pelo VALEC, se constituem integralmente em passivo a descoberto, acabando por terem seus custos repassados ao Tesouro Nacional. Não há uma avaliação disponível e fidedigna de quanto monta o passivo da ex-estatal. E como não há garantia de uma adequada gestão dos ativos, os riscos de constituição de “esqueletos” para o Governo Federal em nada será reduzido.
O segundo problema é quanto a perda de transparência do processo de liquidação dos direitos e obrigação da ex-estatal. A descontinuidade dos procedimentos judiciais e administrativos e a repartição das responsabilidades da gestão entre vários órgãos certamente tornarão ainda mais obscuros os feitos passados e futuros que vem afetando o patrimônio da RFFSA. O controle administrativo e social sobre o conjunto de ativos e passivos existentes será ainda mais prejudicado, além de implicar na perda da memória técnica da Rede Ferroviária. Nesse ponto, é absolutamente imprescindível que antes de qualquer providência de alienação de ativos e liquidação de passivos seja procedida uma auditoria do TCU em todo o patrimônio da Rede, providência que pode ser feita a partir de iniciativa da própria Casa.
Em resumo, podemos concluir que a solução adotada para encerrar a liquidação da RFFSA é basicamente positiva, mas ainda não garante que as perdas continuem a ser registradas e repassadas para o Tesouro Nacional e melhora pouco a transparência dos feitos da gestão passada e futura do patrimônio ferroviário.
Conclusão: sugestão de voto e de emendamento
O encerramento do processo de liquidação da estatal, assumindo a União seus ativos e passivos, tornou-se necessário e urgente. A solução representada por esta MP para o imbróglio da extinção da RFFSA representa um avanço em relação ao proposto pela MP 246, em 2005. É uma solução aceitável, mas não infensa de defeitos
Concordamos também, de modo geral com os termos em tal encerramento deva se dar. Mas chamamos a atenção da necessidade do Poder Executivo propor uma reformulação mais geral do setor estatal de ferrovias, que resgate o planejamento estratégico e reconstitua uma estatal capaz de assumir um papel operacional de importância na malha ferroviária de transporte e urbana.
Dessa forma, sugerimos a aprovação da Medida Provisória, com as emendas apresentadas pela Bancada no que dizem respeito a:
(a) Retirada da VALEC do Programa Nacional de Desestatização;
(b) Transferência do pessoal ativo da RFFSA para a VALEC em um quadro agregado e não em extinção;
(c) Vinculação do SESEF – Serviço Social das Estradas de Ferro ao DNIT – Dept. Nacional de Infra-Estrutura de Transportes e a gestão da complementação de benefícios dos inativos da RFFSA para o Ministério dos Transportes;
(d) Garantia de que a União suceda a RFFSA quanto à dívida atuarial da REFER reconhecida pela ex-patrocinadora, inclusive nas ações judiciais em que o fundo de pensão seja autor ou réu.