Essa nota avalia a diminuição dos repasses por repartição de receita do Fundo de participação dos Estados – FPE – e o dos Municípios – FPM – determinada pela atual crise bem como propõe medidas compensatórias para manter a saúde fiscal dessas unidades da Federação, viabilizando a continuidade da prestação de inúmeros serviços públicos, como os de saúde, educação e segurança, que estarão prejudicados, com a perda de parcela significativa de seus recursos, caso nenhuma ação corretiva seja intentada.

Em maior ou menor grau, os efeitos da atual crise econômica mundial podem ser mapeados pelos diversos indicadores econômicos e sociais e por seus reflexos nas contas públicas a partir de setembro de 2008. Seja pelas suas conseqüências recessivas, seja pelas medidas de desoneração tributária adotadas em resposta à própria crise, as receitas públicas em impostos e contribuições foram duramente afetadas. Ainda em 2008, durante a tramitação da proposta de lei orçamentária para 2009, o Congresso Nacional promoveu cortes na expectativa de receitas e em diversas programações de despesas. Já neste ano, ao fazer a primeira avaliação bimestral de receitas, o governo federal estimou uma perda adicional de R$ 48,3 bilhões em sua receita corrente.

Todo o setor público, nas três esferas, sentirá a diminuição em seus níveis de arrecadação, mas, naturalmente o impacto dessas perdas não é uniforme sendo necessário e oportuno adotar medidas para mitigar esses efeitos que podem desestruturar a capacidade de prestação de serviços públicos, especialmente nos menores municípios, mais dependentes economicamente desses repasses.

Nos termos constitucionais, são objeto de repartição as receitas provenientes do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A partir do 4º trimestre de 2008, o primeiro foi negativamente afetado pela queda dos lucros e pelos provisionamentos realizados pelas empresas; o segundo, pela queda da atividade industrial, pelas medidas de desoneração tributária (especialmente para o setor automotivo) e, em conjunto, pelos efeitos da dilatação dos prazos de recolhimento dos tributos federais determinada pela MP n.º 447/2008.

A tabela a seguir compara os valores de arrecadação federal e as transferências de FPM e FPE com o realizado no exercício anterior (nominal e corrigidos). Os números mostram como a queda nas receitas de IR e IPI, a partir de outubro de 2008, afetaram os valores das transferências de FPM e FPE. Os valores do IR, que até outubro vinham crescendo mais de 25% em relação ao ano anterior, caíram a mês, até que em fevereiro de 2009 já estavam nominalmente inferior ao do ano anterior, com uma quebra de quase 13% em valores reais. Ao final de 2008, a queda somente não foi pior por conta dos altos valores arrecadados tanto no IR relativo às remessas ao exterior quanto aos ganhos de capital. Com relação ao IPI, essas receitas acompanharam a queda da produção industrial continuada desde outubro de 2008 e ainda sofreram reduções determinadas pela desoneração tributária (redução de alíquotas e dilatação dos prazos de recolhimento). Até setembro, a arrecadação desse tributo vinha crescendo cerca de 22% em relação ao mesmo período de 2007. Em novembro praticamente empatou em valores nominais (-2,7% em valores reais), uma queda que, em fevereiro, significou uma perda da terça parte (-36% em valores reais). O efeito combinado dessas diminuições determinaram a queda das transferências do FPE e FPM.























































































Comparação com igual período do ano anterior


 


valores nominais


valores constantes (IGP-DI)


IR


IPI


Receita corrente (União)


FPM


IR


IPI


Impostos União


Receita corrente (União)


FPM


Média mensal até set/08


26,0


22,5


19,0


22,4


18,5


15,1


23,7


11,8


10,0


out/08


26,5


19,7


21,6


18,1


17,9


11,6


23,5


13,4


5,2


nov/08


2,4


4,3


6,5


27,6


-4,4


-2,7


4,6


-0,7


14,8


dez/08


0,2


-6,9


-11,2


39,3


-5,9


-12,5


0,0


-16,6


27,7


jan/09


5,1


-12,8


1,0


2,7


-1,2


-18,0


-1,0


-5,1


-4,9


fev/09


-7,5


-31,6


-7,5


-12,9


-12,9


-35,7


-16,1


-12,9


-18,9

Tabela 1: Arrecadação da União de impostos e o total da receita correntes, e as transferências por repartição de receita do FPM e FPE. Comparação com igual período do exercício anterior. Valores nominais e reais.


Quando durante uma crise, o governo adota medidas de desoneração fiscal, pretende transformar os recursos dessa renúncia em renda disponível, incentivando o investimento e o consumo, conforme o caso. No entanto, fruto das grandes disparidades regionais existentes em nosso país, há um descasamento regional entre o aumento da renda disponível gerada pela renúncia e a diminuição dos repasses federais provocada pela diminuição da arrecadação. Veja-se o caso do IPI, que vem sendo objeto de desonerações, importantes diga-se de passagem para reverter a queda dos níveis de produção industrial. A arrecadação desse tributo é altamente concentrada e apenas 5 estados respondem por 79% desses valores. Isto significa que os efeitos positivos da renúncia praticada tendem a também se concentrar nessas mesmas unidades (SP, RJ, MG, RJ e PR). Mas a repartição do IPI é fundamental para a receita dos pequenos municípios, que normalmente não detêm as grandes unidades fabris.

Tome-se por base apenas os municípios com menos de 50 mil habitantes, que representam 89% dos municípios brasileiros. Neles vivem 30 milhões de brasileiros e, pelos critérios de rateio, recebem 59% do FPM. Na média, essa receita corresponde a 2,3 vezes as receitas próprias municipais. Por isso, mais de um terço (36%) das receitas municipais vem dessa transferência, enquanto que as receitas próprias valem 15,5% . Em situação oposta, para os municípios com mais de um milhão de habitantes, a receita de FPM representa apenas 4,2% das receitas municipais e os recursos próprios, 55,7%. Mesmo para os municípios com mais de 300 mil habitantes e menos de um milhão, o FPM significa apenas 8,6% de suas receitas e a arrecadação própria 40,5%.

Percebe-se que a queda do FPM tem significados diferentes para os municípios penalizando de maneira desproporcional exatamente aqueles que não têm capacidade autônoma de equacionar os problemas derivados dessa perda de receitas.

Um fundo federal para repor perdas municipais com a queda do FPM e do FPE
Parece oportuno e conveniente que a União minimize emergencialmente essas perdas decorrentes da atual crise. Mesmo diante do fato de que a União também vem perdendo receitas não há como equiparar a capacidade de resposta do governo central com a dos pequenos municípios. Primeiro, porque a diminuição das receitas correntes da União são proporcionalmente menores do que as enfrentadas pelo FPM.

Em conseqüência do desequilíbrio provocado pela perda de receitas, que afeta limites de despesas de pessoal e de endividamento, é muito provável que um grande número dos menores municípios não tenha capacidade de realizar contratações com a União para receber transferências voluntárias.  Assim, há problemas em se adotar convênios e outras transferências de mesma natureza como mecanismos de reposição de perdas.

Sugerimos que a União compense as perdas do FPM, por um determinado período, enquanto dure os efeitos deletérios da crise internacional. Essa compensação deve se dar como uma transferência legal, feita mensalmente, que restitua ao FPM o valor total das perdas observadas em igual mês do ano de 2008, sendo o rateio entre os municípios feitos na proporção inversa do peso do FPM sobre suas receitas correntes. Desse modo, quanto maior o peso do FPM no orçamento de um município, mais este terá a perda reposta.

A iniciativa legislativa pode ser feita na forma de Projeto de Lei ou, devido a urgência da situação, mediante a apresentação de uma emenda a uma Medida Provisória, como a MP 460, que encontra-se em fase de emendamento até 6 de abril próximo.

Na inviabilidade da União repor o total das perdas, pode-se estabelecer, uma compensação menor, com a transferência de, por exemplo, até 90% do valor da perda, tomando por base o valor registrado no mesmo mês de 2008, mantendo-se o mesmo princípio da. Ainda se prioriza os casos em que essas perdas assumem maior proporção dentro da receita. Por fim, essa obrigação deve ser restrita ao presente exercício, evitando as restrições da LRF relativas às despesas continuadas (pelo menos dois exercícios).

* O objetivo dessa nota é subsidiar a Bancada de informações necessárias ao tema abordado. A nota reflete as opiniões do assessor técnico responsável,  não necessariamente expressando opiniões e votos dos deputados federais do PCdoB.