“Esse mercúrio que está caindo na terra, e a gente plantando, está nos matando. Maia, eu apelo pra ti, não deixe mais isso acontecer. Chega de nos matar. Chega de matar a mãe terra. Seja melhor, Maia.” A fala da cacique Iracema, do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, deu o tom da entrevista coletiva realizada nesta quarta-feira (12), na Câmara dos Deputados, onde parlamentares e lideranças indígenas anunciaram o pedido feito ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que ele devolva ao Executivo o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que libera mineração em terras indígenas.

O texto enviado pelo governo Bolsonaro no último dia 5, cumpre promessa antiga de Bolsonaro e regulamenta a exploração de minérios, hidrocarbonetos e o potencial hidrelétrico em terras indígenas. A proposta tem gerado críticas e preocupações nas comunidades.

Durante a entrevista, líderes da Oposição e da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas alegaram a inconstitucionalidade da proposta.

“Esse projeto é absurdo, inconstitucional. O governo Bolsonaro está reunindo uma série de propostas nesse PL. Somos contrários, porque isso atinge a vida dos povos indígenas. O Brasil sequer solucionou problemas relacionados a desastres como Mariana, Brumadinho. Nós precisamos sanar as feridas. O Brasil não mostrou capacidade de fiscalizar, monitorar, essas grandes mineradoras e o governo Bolsonaro se propõe a levar isso paras terras indígenas. Esse PL apresenta vícios, erros. Não se pode regulamentar, alterar artigo, por lei ordinária. Teria de ser por PEC. Ele viola a convenção 169 da OIT, o direito de consulta prévia, livre e informada. Essa proposta deveria retornar ao poder Executivo”, afirmou a coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Joênia Wapichana (Rede-RR).

O ofício com o pedido de devolução da matéria foi entregue a Rodrigo Maia no final da tarde em uma rápida reunião com o presidente da Casa. No final do ano passado, quando o governo anunciou que estudava a liberação de terras indígenas para exploração econômica, Maia criticou a ideia e afirmou que receberia e arquivaria a proposta. “A gente não pode usar o argumento de que está tendo mineração ilegal para liberar. Vamos acabar com mineração ilegal, com garimpo ilegal. Coibir atos ilícitos. Primeiro, o governo cumpre seu papel de fiscal, de coibir o ilegal, o desmatamento, os garimpos. Depois disso, vamos discutir em que condições pode-se avançar”, disse o presidente da Câmara à época.

No entanto, não foi o que ocorreu até o momento. Após receber o PL, a matéria já foi designada para uma comissão especial, visto que seria analisada por mais de três comissões permanentes da Casa.

No ofício entregue, os parlamentares destacam que o projeto “regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas”, o que deveria ser feito por emenda constitucional.

Vice-líder da Minoria, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) destacou que a matéria, além de inconstitucional é predatória. “Totalmente fora de contexto e da possibilidade do desenvolvimento sustentável, da agricultura agroflorestal, da economia criativa e solidária que é possível de se realizar nas comunidades indígenas. É uma iniciativa que vai na contramão do mundo. E precisamos dizer não a este projeto”, pontuou.

A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) também se somou ao esforço de pedir a devolução da proposta. Para ela, o governo Bolsonaro não está preocupado com a sustentabilidade das comunidades indígenas e quer promover um genocídio.

“Se o governo quisesse discutir a sustentabilidade, jamais discutiria um projeto como esse. Poderia discutir o uso sustentável das terras indígenas. Mas dinheiro pra isso não tem. Quem faz uma proposta como essa quer genocídio. Mas nós vamos resistir”, afirmou.