Acampamentos, reuniões, palavras de ordem, marchas, ocupação de espaços públicos, articulação, pressão popular e parlamentar. Assim foram os dias anteriores à votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93, que reduz a idade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes hediondos, para impedir o avanço da matéria. A estratégia funcionou. Por cinco votos, a proposta foi rejeitada nesta terça-feira (30), após quase cinco horas de deliberação. Foram 303 votos a favor, quando o mínimo necessário eram 308. O texto teve ainda 184 votos contra e três abstenções.

Para a presidente da União Nacional dos Estudantes, Carina Vitral, o resultado da votação foi “espetacular”. “Os conservadores saíram derrotados e a juventude continua de pé. A partir de agora é só avanço, e o recado está dado: se houver retrocesso, estaremos aqui, ocupando o Congresso Nacional."

A líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), também comemorou a vitória. “Barrar a redução é um importante passo contra a pauta populista e atrasada. O impacto seria terrível no sistema prisional, no futuro da geração e nas possibilidades desta nação. Vencemos o discurso de ódio.”

Durante as discussões, a parlamentar alertou que ser contra a PEC 171 não significa ser a favor da impunidade para crimes graves, o “problema”, segundo ela, é o instrumento utilizado. “Nós precisamos compreender que essa mudança constitucional vira paradigma para outras legislações. Por isso nós queremos caminhar pelo ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]. O adulto que alicia o adolescente se beneficiará dessa PEC, e a lei retroage para beneficiá-lo. Quem hoje está na cadeia por crime de aliciamento de adolescentes será beneficiado com essa emenda constitucional”, explica.

Uma proposta do governo, apresentada esta semana, propõe uma alternativa à PEC 171, com o aperfeiçoamento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre outros pontos, ela aumenta o tempo de internação de três para oito anos, no caso de menores envolvidos em crimes hediondos, e prevê a duplicação das penas para os adultos que aliciarem crianças e adolescentes para a prática de crimes.

“Todos aqui nos irmanamos na busca por soluções para a violência do país. Queremos acabar a impunidade, mas a saída é diferente. Devemos focar em diversos mecanismos, inclusive no círculo completo de polícia, valorização da investigação, desburocratização do judiciário”, propõe a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Para o vice-líder do governo na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), os jovens brasileiros são mais vítimas que algozes. O Brasil ocupa o terceiro lugar na relação de 85 países no ranking de mortes de adolescentes de 15 a 19 anos, perdendo apenas para México e El Salvador. Dados do último Mapa da Violência, divulgado nesta segunda-feira (29), apontam que quase metade das mortes de adolescentes entre 16 e 17 anos no Brasil, em 2013, tiveram como causa o homicídio. Foram 3.749 vítimas desta faixa etária, 46% do total de 8.153 óbitos, segundo o estudo de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. O homicídio também tem cor. Proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros do que brancos.

“Não podemos produzir a partir do Congresso medidas que estimulem a cultura do ódio. Eu tenho uma solidariedade profunda com cada familiar de cada vítima de crimes cometidos por jovens. E essa solidariedade deve produzir políticas públicas. A Constituição não colocou a maioridade penal no artigo 228 por acaso. Ela está lá na sequência da defesa da proteção integral de crianças e adolescentes. Se falhou a ação do Estado, se historicamente ele foi incapaz de oferecer políticas públicas que deem dignidades aos jovens, aos nossos filhos, que mudemos essas políticas, que discutamos com os governos outros caminhos para garantir direitos a eles”, defende Orlando.

Apesar da vitória, a discussão ainda não se encerrou. Segundo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o Plenário ainda tem de votar o texto original da proposta ou outras emendas que tramitam em conjunto. Ainda não há data para a retomada da discussão, mas Cunha disse que a proposta poderá voltar à pauta na semana que vem ou no segundo semestre – já que antes do recesso parlamentar, o Plenário ainda precisa votar o segundo turno da PEC da Reforma Política.

“Seguiremos mobilizados até que a PEC 171 seja definitivamente derrotada”, afirma a presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), Ângela Guimarães.