O Programa de Aceleração do Crescimento: um avanço a festejar, pero non mucho
O novo Programa econômico do Governo Lula – o PAC – tem por objetivo elevar a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no quatriênio 2007-2010. O governo parte da avaliação de que o modelo de desenvolvimento implantado no primeiro governo, apesar de ter melhorado a vida do povo, distribuindo renda e aumentando a inclusão social, não logrou alcançar um nível de crescimento desejável. Pretende-se alcançar o objetivo de uma taxa de 5% ao ano pela expansão do investimento em infra-estrutura, incentivos fiscais e inovação na área de regulação de investimentos. Porém, essas medidas deverão preservar, ao mesmo tempo, a estabilidade monetária (sem elevação da inflação) e a chamada responsabilidade fiscal (redução da dívida líquida frente ao PIB e contendo a expansão da despesa pública da União).
A verdade é que o PAC é uma iniciativa limitada, que não pode ser confundido com um plano de desenvolvimento nem com um programa de governo. Não tem objetivos globais, seja para a economia, seja para o país. Ele é apenas um programa de investimento contido nos marcos das mesmas políticas macroeconômicas vigentes desde o primeiro governo. E o próprio volume de investimentos que propõe deixa claro que não se pode esperar dele a solução de todos os gargalos de infra-estrutura por um horizonte maior, de uma década ou mais. Os gargalos que ele pretende resolver praticamente se circunscreve a evitar “apagões” energéticos ou viários nos próximos quatro ou cinco anos.
Mas por essa mesma razão, o PAC também é diferente de todos os programas governamentais similares anteriores. Ao contrário de programas como o “Avança Brasil” de FHC, por exemplo, o PAC não é um declaração de intenções: todos os projetos nele contidos estão prontos para serem executados – ou em vias de receber as autorizações dos órgãos reguladores – ou mesmo já foram iniciados.
A ampliação do investimento em infra-estrutura se fará com ampliação dos gastos orçamentários federais (em cerca de 1% do PIB, ao ano), acelerando o investimento das estatais (principalmente na área energética) e o investimento privado em iniciativas de parceria (concessões e parcerias público-privadas – PPP). Secundariamente, ainda participarão desses investimentos os governos estaduais e municipais em associação com o governo federal, especialmente nos investimentos sociais: saneamento e habitação popular.
O Programa e o seu efeito no crescimento
O PAC terá três eixos de investimento, totalizando, no quatriênio, um dispêndio de 503 bilhões de reais:
(a) Logística: infra-estrutura de transportes rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário;
(b) Sistema energético: energia renovável e não-renovável (petróleo, hidrelétrica, biomassa e outras energia alternativas), tanto na geração como em transmissão e transporte e
(c) Infra-estrutura urbana e social: Programa Luz para Todos, saneamento, recursos hídricos e habitação.
Metade do investimento do PAC está alocado no eixo energético, que tem como grande investidores as estatais federais (Petrobras e empresas do grupo Eletrobrás) e, em menor parte, a iniciativa privada (concessões). A maior participação direta de recursos orçamentários da União será no “eixo” transportes, mais concentrado na recuperação de estradas do que em obras novas.
O volume de recursos para o “eixo” do investimento social é um dos destaques do Programa. Neste “eixo”, juntam-se aos recursos orçamentários federais os recursos de governos estaduais e municipais em boa parte financiado pelo BNDES e Caixa Econômica. Para viabilizar esse financiamento, o Conselho Monetário Nacional – CMN acaba de multiplicar por oito o limite de endividamento desses entes, passando dos atuais um bilhão de reais para oito bilhões. Esses investimentos representarão uma melhoria imediata das condições de vida dos povo pobre pelo acesso a importantes serviços públicos e melhoria do meio ambiente: mais 5,5 milhões de domicílios com energia elétrica, e mais de 20 milhões de pessoas com abastecimento de água tratada e serviço de esgotos, até 2010.
O objetivo precípuo do PAC – aceleração do crescimento para 5% ao ano a partir de 2008 – será alcançado por meio do aumento médio do investimento público federal (orçamentário) de 1% do PIB ao ano. Como se estima que para cada unidade de acréscimo de investimento público gera-se 1,5 unidade de investimento privado e de estatais , espera-se mais 1,5% do PIB desses investidores. Com isso, o PAC representa praticamente o dobro do investimento médio em infra-estrutura dos últimos anos, o que garante elevar a taxa média de crescimento dos atuais 2,5%-3% para os 5% almejados.
Espera-se atrair o investimento privado necessário por meio de três mecanismos: concessão de benefícios fiscais às despesas de investimento fixo (sob a forma de amortização acelerada ou crédito de PIS e Cofins); ampliação e redução do custo de crédito de longo prazo, tendo como principal agente o BNDES, que, além da manutenção de uma TJLP bem abaixo da taxa Selic, fará expressiva redução do spread cobrado; e a melhora das normas dos setores regulados, visando dar ao investidor segurança jurídica e estabilidade de regras.
O financiamento
A maior parte dos investimentos anunciados no PAC já está prevista, tanto no orçamento da União como das estatais (Petrobras e grupo Eletrobrás). O acréscimo relativo mais notável ocorrerá no orçamento fiscal – cuja previsão de gastos praticamente duplicará no quatriênio em relação ao primeiro governo – e na aposta do governo nas parcerias com o capital privado.
O financiamento da parte fiscal do investimento (total de 67 bilhões de Reais) e mais as renúncias fiscais concedidas (cerca de 6,5 bilhões anuais) será viabilizado de três maneiras:
(a) pela ampliação do próprio crescimento do PIB, que fará com que o mesmo valor proporcional de receita do PIB valha mais em termos absolutos;
(b) pelo estabelecimento de regras de contenção ao crescimento de duas importantes despesas correntes: o valor total da folha da União e o valor dos benefícios da Previdência vinculados ao salário mínimo. A primeira dessas regras de contenção determina que a folha total da União não poderá crescer anualmente (até 2016) mais do que a variação do INPC, acrescida de 1,5% (Projeto de Lei Complementar, Mensagem nº 38/2007). A segunda é quanto ao ganho real máximo do salário mínimo (piso dos benefícios da Previdência Social), até 2010, que será sempre igual à variação do PIB real de dois anos antes. Essa regra para o salário mínimo foi objeto de um acordo com as centrais sindicais em dezembro passado, mas é objeto de contestação por parte de vários setores sindicais, inclusive da Corrente Sindical Classista; e
(c) Pela dedução das despesas do Projeto Piloto de Investimento – PPI (estimada em 0,5% do PIB) da meta de superávit primário que se manterá em 4,25% do PIB no segundo governo.
O mecanismo do PPI como fonte de financiamento fiscal é a grande inovação do Programa. A possibilidade de investimentos públicos de alta rentabilidade no curto prazo serem deduzidos do superávit primário já existe desde 2003. Porém, até o ano passado, a Fazenda não concordava em utilizá-la, de fato, ampliando esses gastos e contabilizando-os na meta de superávit primário.
Quanto à questão dos cortes de despesa, merece atenção também a decisão do governo de criar um fórum para discutir a possibilidade de reforma da Previdência Social. No caso, vale ressaltar a opinião expressa pelo Presidente Lula, na primeira reunião do Conselho Político, quando afirmou considerar, acertadamente, que o chamado déficit da Previdência Social constitui-se, na verdade, em “um déficit do Tesouro”, pois, quando se leva em conta apenas as receitas dos que contribuem (patrões e empregados) e as respectivas despesas com benefícios, o déficit é quase nulo. A declaração mostra que o Presidente da República entende que o chamado déficit previdenciário não decorre do regime previdenciário existente, mas da execução de programas sociais incluídos em sua contabilidade (como a aposentadoria rural), e também pela concessão de isenções de contribuições patronais como forma de incentivo a certas atividades empresariais, que devem ser bancadas pelo Tesouro. Daí decorre que tal “déficit” deve ser financiado por todos os contribuintes e não à custa da perda de benefícios previdenciários dos trabalhadores segurados.
A iniciativa de evitar o corte de despesas correntes como forma de financiar o aumento do investimento público tem, portanto, além do significado fiscal, uma natureza política importante: representa uma pequena ruptura senão com a ortodoxia da política fiscal, pelo menos com a prática de seus gestores.
As estatais federais participam com quase metade dos 503 bilhões investidos, cabendo à Petrobras cerca de 196 bilhões de reais. Esses recursos são próprios ou oriundos de financiamentos do BNDES e, em menor conta, de empréstimos externos. Quanto aos investimentos privados e dos estados e municípios, seu financiamento terão por base linhas de crédito do BNDES, da Caixa Econômica e de um novo fundo de investimento criado com parte dos recursos do FGTS.
A consistência fiscal
Como o Programa tem compromisso em manter as metas fiscais já estabelecidas, há uma preocupação de demonstrar a sua compatibilidade com o objetivo de redução da relação dívida/PIB até 2010. Para tanto, o Governo defende agora que a redução do superávit primário será mais que compensada pelo acréscimo no crescimento do PIB. Assim, partindo da hipótese de que a meta de crescimento estabelecida será alcançada (4% para 2007 e 5% anual no triênio seguinte), a estabilidade da inflação em 4% ao ano e uma discreta queda na taxa real básica, realizar-se-á uma redução na participação da dívida líquida federal frente ao PIB, que cairá dos atuais 50% para um pouco menos de 40% em 2010.
A preocupação com a consistência fiscal – entendida como a condição de manter cadente a dívida líquida proporcional ao PIB – revela a continuidade dos objetivos da política fiscal e monetária predominante no primeiro mandato. Esses objetivos – contraditoriamente com a intenção do PAC – tem como pressuposto a necessidade estratégica de reduzir a participação do Estado no financiamento global da economia, que se revela no objetivo de diminuir a participação absoluta e relativa da dívida estatal no montante de crédito da economia nacional.
As mudanças de gestão no investimento federal
Há um esforço para alterar a gestão dos investimentos federais. Haverá uma centralização das decisões de acompanhamento, controle da execução dos projetos (e até de sua autorização) em um comitê gestor formado pela Casa Civil e Ministérios da Fazenda e Planejamento. A idéia é reduzir a dispersão da gestão dos projetos por ministérios e reduzir os choques administrativos naqueles cuja execução envolve diferentes órgãos.
Um ponto importante nas mudanças administrativas é a alteração proposta na regulamentação ambiental, especificando as instâncias responsáveis pelos licenciamentos ambientais nas diversas esferas de governo.
O impacto desta centralização da gestão pode até resultar em ganhos mais concretos na efetiva realização dos projetos do Programa do que a maior disponibilidade de recursos.
Um programa importante, mas limitado pelas políticas macroeconômicas
O PAC é a primeira grande iniciativa estratégica do governo Lula desde 2003. As hipóteses em que se baseiam as projeções do Programa parece-nos, a princípio, razoáveis e realistas.
Porém, sua execução e o efeito multiplicador de seus investimentos no PIB podem ser severamente limitados, frustrando seu objetivo de acelerar o desenvolvimento. A causa dessa limitação não se encontra no próprio Programa, mas no ambiente macroeconômico em que ele será executado. Esse ambiente é caracterizado por uma política fiscal e política monetária fortemente restritivas cujo objetivo é restringir a capacidade devedora do Estado e o uso da taxa de juros como instrumento único de controle de preços, determinando uma taxa real elevadíssima e uma taxa de câmbio valorizada para o real.
Para atingir seu objetivo, o PAC precisa necessariamente que o investimento privado ocorra. E as decisões do investidor privado não dependem apenas de oportunidades de negócios, de boas condições de financiamento ou de segurança das normas. O investimento depende fundamentalmente de um baixo custo de oportunidade, ou seja, de uma taxa de juros básica que incentive a atividade produtiva ou, pelo menos, não torne caros os serviços de infra-estrutura (já que estes custos serão difundidos por toda economia, prejudicando sua produtividade global). E, infelizmente, a atual política monetária e fiscal de juros reais elevados não permite esse baixo custo de oportunidade.
Por outro lado, a valorização da moeda nacional, ao incentivar a importação e prejudicar a exportação, pode gerar o fatal efeito de “substituição da produção”. O crescimento desproporcional das importações, como já vem ocorrendo, tende a deprimir – ou mesmo destruir – a atividade industrial de certos setores mais expostos da economia – como calçados, têxteis, eletroeletrônicos e bens de capital – reduzindo a produção e comprometendo mais divisas externas (ver na tabela 3 a evolução da produção e da importação de produtos industriais). Ao contrário do que pretende o PAC, essa “substituição da produção” pela valorização do real reduz diretamente a taxa de crescimento do PIB – como aconteceu em 1997-98. Caso o real forte persista pode acontecer que o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC acabe se transformando, no máximo, em um “programa de compensação da redução do crescimento”.