A pauta internacional deve ser foco na retomada da atividade parlamentar na próxima semana na Câmara dos Deputados. Integram o primeiro ponto da ordem do dia, da primeira sessão, dois projetos que regulamentam o combate à prática do terrorismo: o Projeto de Lei (PL) 2016/15, que dispõe sobre organizações terroristas e o Projeto de Lei (PL) 2020/15, que disciplina a indisponibilidade de bens em decorrência de resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os dois projetos estão em regime de urgência constitucional o que significa que, ou são votados ou trancam a pauta, impedindo a apreciação de outras matérias. Além dessa definição regimental, há outras razões para essa matéria ser apreciada.

Há uma pressão internacional que pode provocar sanções ao Brasil por ainda não ter regulamentado o combate ao terrorismo. O Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e Financiamento de Organizações Terroristas (GAFI) já fez velada censura ao Brasil. Quando do envio do projeto à Câmara, o Secretário-Executivo da Fazenda, Fabrício Leite declarou: ”A lei antiterrorista é uma das medidas que o Brasil está tomando para tornar os investimentos no país mais seguros e o ambiente de negócios mais transparente”.

A proximidade das Olimpíadas e Paraolimpíadas e o número de países participantes, muitos deles em situação de conflitos internos, levam a sociedade a exigir a elaboração de normas jurídicas para a prevenção de eventuais episódios. Isso é dificultado pelo fato de não haver tipologia penal para o terrorismo na legislação brasileira.

A crescente instabilidade geopolítica no mundo já levou à elaboração de 16 instrumentos universais no sistema da ONU, que visam atividades terroristas específicas. O Brasil é signatário da maioria deles. Nesses últimos quatro anos, vários projetos referentes ao tema estiveram e estão em tramitação nas duas casas legislativas do país.

Direitos e liberdades constitucionais

Para a presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), a questão essencial é a necessidade de que a aprovação se dê com o necessário cuidado. “Ao mesmo tempo em que se regulamenta o combate à atividade das organizações terroristas, devem-se preservar os direitos, as garantias e as liberdades constitucionais.”

E isso não é uma preocupação só da sociedade brasileira. Procurar combater o terrorismo por meio da limitação e da violação das liberdades só pode agravar o problema, defendeu a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos,  Navi Pillay, na abertura da 23ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, ocorrida em Genebra, na Suíça, em 2013.

A comprovação de que o cerceamento de direitos da população como um todo pode estar ameaçado torna-se evidente no fato de que, das seis emendas de plenário apresentadas por deputados ao PL 2016/15, quatro delas têm como objetivo retirar ou deformar a salvaguarda colocada no projeto em relação ao tema.  “Esta salvaguarda é muito clara quanto aos seus objetivos. Não se aplicam as penalidades do crime de terrorismo à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais”, diz a deputada Jô Moraes.

Ao mesmo tempo, há uma pressão grande, sobretudo da parte da Associação Nacional dos Procuradores da União de que se faça um projeto abrangente, porque no seu entender a proposta enviada pelo Executivo é “pouco técnica”. A emenda substitutiva apresentada pelo deputado André Figueiredo (PDT-CE) representa o conteúdo defendido pela ANPR. “Há um claro risco de prejuízo democrático ao se fazer um texto mais amplo em tempo limitado, sem possibilidades de se realizar um debate com a sociedade para seu aperfeiçoamento”, avalia Jô Moraes.

A proposta defendida pela ANPR, o Projeto de Lei  44/15, apresentado pelo senador Romero Jucá (PMDB-PE), embora contribua para iniciar o debate, contém trechos que podem ser usados em outras situações penais. O objetivo de alargar o alcance da proposta fica explícito em matéria publicada pelo site Conjur.com.br em 14 de julho onde consta a seguinte afirmação: “Na opinião da ANPR, esse texto (do PL 44/15) é mais claro e abrangente, abrindo espaço (sic)para condenações mesmo quando atos são cometidos sem motivação política, religiosa ou racial – como limita o projeto do Poder Executivo”.

O PL 2020/15 que disciplina a ação de indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas não enfrenta grandes polêmicas, tendo recebido apenas duas emendas de aperfeiçoamento, apresentadas pelos deputados Raul Jungmann (PPS-PE) e Décio Lima (PT-SC).

“A expectativa é de que predomine o bom senso e o respeito ao debate democrático e que se chegue a um texto menos pretensioso em seu alcance normativo, mas eficaz na prevenção e no combate às organizações terroristas e nas garantias e liberdades constitucionais”, defende a presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.