Autoridades e especialistas cobram atuação dos partidos no combate à violência política contra mulheres
Autoridades e especialistas ouvidas no seminário “Prevenção da Violência Política de Gênero e Raça”, na Câmara dos Deputados, cobraram maior atuação dos partidos políticos contra o problema. Segundo as debatedoras, a violência política ocorre dentro dos próprios partidos e das casas legislativas.
Promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, em parceria com o Instituto E Se Fosse Você?, o seminário discutiu formas de enfrentamento dos ataques que tentam silenciar a participação feminina na política.
Presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial e coordenadora do Observatório Nacional da Mulher na Política, a deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), que é negra e primeira deputada assumidamente lésbica na Casa, disse que, entre todos os ataques e ameaças que recebe, o que mais a abala e toca é a de estupro corretivo. “É preciso nomear isso: é racismo, misoginia e lesbofobia política”, afirmou.
Daiana Santos citou dados do Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, realizado pelo Instituto Alziras, que analisou 175 casos monitorados pelo grupo de trabalho de prevenção e combate à violência política de gênero do Ministério Público Federal. Os resultados mostram que apenas 7% das representações resultaram em ações penais eleitorais até janeiro de 2024. “Isso demonstra o quanto nosso sistema de justiça ainda engatinha no combate à violência e o quanto isso nos afeta politicamente”, frisou.
“Não estamos falando de ameaças isoladas. Estamos falando de um projeto que tenta nos excluir, de uma violência que busca minar as nossas forças coletivas e que, principalmente, tenta calar para perpetuar um privilégio branco, masculino e heteronormativo”, complementou. Na avaliação da deputada, o recado dado pelo assassinato vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco é claro: “Vocês não podem entrar nem estar aqui”. “Mas nós não aceitamos os limites impostos”, reiterou.
Codiretora do Instituto Alziras, Tauá Pires acrescentou que uma em cada quatro representações de violência política de gênero entre 2021 e 2023 foi arquivada ou encerrada. Ela lembra que 50% dos casos ocorrem em ambiente parlamentar, que também seria lugar de violência, assim como os partidos políticos.
Causa de afastamento
Coordenadora do grupo de trabalho sobre enfrentamento de prevenção e combate à violência política de gênero da Procuradoria-Geral Eleitoral do Ministério Público Federal (MPF), a procuradora Raquel Branquinho destacou que esse tipo de violência é um dos grandes fatores que afastam a mulher da política, não importa a vertente ideológica. “Compete aos partidos políticos operacionalizar a legislação, dar apoio financeiro, porque eles são detentores do monopólio da democracia representativa no nosso País e são financiados hoje com recursos públicos”, destacou.
Ela foi uma das debatedoras que cobraram mais responsabilidade dos partidos políticos. “Ao longo dos últimos 30 anos, temos tido boicotes à maior integração feminina na aplicação da legislação aprovada pelo próprio Parlamento brasileiro, seja por interpretações que vão de encontro à finalidade da lei, seja por sucessivas anistias”, acrescentou.
Ampliação da lei
A lei que tornou crime a violência política de gênero (14.192/21) pune com reclusão de um a quatro anos e multa os atos de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.
Conforme Raquel Branquinho, a lei serve para defender a candidata e as detentoras de mandato eletivo, mas ela defende que seja ampliada para abarcar outras possíveis vítimas que estão dentro do contexto político, como pré-candidatas.
Violência nos partidos
“A mulher que sofre violência política dentro do partido, ela denuncia onde?”, questionou a coordenadora do Fórum de Mulheres de Instâncias Partidárias, Anne Moura. Segundo ela, a violência dentro dos partidos não é exclusividade de nenhum campo ideológico. “Acontece de ponta a ponta o silenciamento, a tentativa de desconstrução, aliás, a desconstrução deixa as mulheres devastadas, muitas desistem de disputar eleitoralmente, são arrancadas de processos políticos”, denunciou.
Anne Moura lembrou que toda legenda é obrigada a investir parte do fundo partidário na formação e organização de mulheres, e muitas dentro dos partidos não sabem sequer para onde vai esse recurso. Para ela, a saída é instalar uma câmara técnica no Tribunal Superior Eleitoral para fiscalizar isso.
Agravamento do problema
Presidenta do Instituto E Se Fosse Você?, a ex-deputada Manuela D’Ávila lembra que, em 2005, quando foi ameaçada pela primeira vez após ser eleita vereadora, foi um grande escândalo e ela recebeu apoio de parlamentares da esquerda e da direita na Câmara Municipal de Porto Alegre (RS) – situação bem diferente da atual.
“Hoje, quase todas as nossas parlamentares andam com escolta. Todas as nossas parlamentares refletem em algum momento sobre a possibilidade de andarem com carros blindados, aquelas com condições de pensar em alternativas para a sua segurança”, apontou . Muitas de nós, que somos mães, temos não só os nossos corpos ameaçados, como os de nossas filhas, nossas crianças, nossos familiares”, alertou.
Sociedade civil
O seminário contou com a participação de representantes de diversos institutos da sociedade civil que atuam para coibir a violência política.
Coordenadora de Incidência Política da Terra de Direitos, Giseli Barbieri lembrou que o número de casos cresce em anos eleitorais. Em 2024, a organização mapeou 558 casos de violência política, sendo que 212 casos ocorreram em setembro, um mês antes das eleições, e 78 vítimas são mulheres. Ela destaca ainda que a maior parte dos ataques ocorre em ambiente virtual e pede a aprovação de lei para combater notícias falsas e regular as plataformas digitais.
Coordenadora de pesquisa do InternetLab, Clarice Tavares apresentou dados do MonitorA, observatório de violência política nas redes sociais, e salientou a diferença dos ataques proferidos a homens e mulheres: enquanto eles são mais atacados por posicionamentos políticos, elas sofrem ofensas a seus corpos.
Diretora-Executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista saudou a condenação em outubro deste ano dos assassinos da ex-vereadora, seis anos após a morte dela. E pediu mobilização da sociedade brasileira para a condenação dos mandantes do crime, de forma que o caso se torne exemplar. Ela lembrou ainda do assassinato este mês de uma cantora trans em Sinop (MT), candidata à vereadora pelo PSDB que ficou na suplência da Câmara Municipal nas eleições de 2024.
*Informações Agência Câmara