A nova proposta de reforma tributária do Governo Lula
A Proposta de Emenda à Constituição da reforma tributária, encaminhada pelo Governo Lula em fevereiro último (PEC 233, de 2008), tem objetivos formais limitados, mas com grandes implicações político-institucionais de longo prazo. Os objetivos da reforma são a simplificação do sistema tributário estadual e federal com a eliminação dos tributos do tipo cumulativo e a desoneração progressiva da folha de pagamento de sua atual tributação. A questão da redução da atual carga tributária é apenas prometida como uma conseqüência da reforma e sua forma permanece em aberto, exceto a determinação de redução da contribuição previdenciária na folha de pagamento (art. 11, PEC).
Por outro lado, a reforma padece de uma grande omissão: não trata da questão da regressividade do sistema tributário. A forte concentração do financiamento do Estado brasileiro por meio de tributos indiretos sobre o consumo e a menor contribuição dos tributos diretos – sobre a renda e a propriedade – não é alterada.
1. Objetivos e alterações da reforma
A PEC pretende alcançar os objetivos da reforma por meio de três alterações constitucionais:
- a transformação dos Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estaduais em um imposto de responsabilidade conjunta de todos os Estados, ao que se seguirá a unificação da legislação do ICMS em uma lei complementar federal;
- a fusão das atuais contribuições sociais que financiam o orçamento da Seguridade Social da União em um novo imposto de valor adicionado (o chamado IVA Federal, ou IVA-F) – caso do Cofins e PIS – e, no caso da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, pela sua integração ao imposto de renda. Em conseqüência dessa última mudança, as contribuições que incidem de forma cumulativa, total ou parcialmente, na economia nacional deixam de existir (PIS e Cofins). Por outro lado, o financiamento do orçamento da Seguridade Social passa a ser feito mediante a vinculação de 38,8% das receitas dos novos IVA-F e imposto de renda e pelo atual Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); e
- a desoneração da folha de pagamento, transferindo inicialmente a contribuição do salário-educação para o novo IVA-F. Essa mudança continuará, depois de lograda a aprovação da reforma, pela redução da alíquota da contribuição patronal, o que poderá ser compensado pela elevação do IVA-F e de sua parcela vinculada à Seguridade Social e à Previdência Social.
Essas alterações se darão progressivamente ao longo de seis anos, tendo início após o segundo ano de promulgação da nova emenda constitucional. Todas as mudanças em termos de repartição da receita total dos tributos entre as três esferas de governo ou entre os orçamentos fiscal e de Seguridade Social da União são concebidas para serem neutras; ou seja, não implicam em perdas ou ganhos. Exceto, naturalmente, na redistribuição de receitas do ICMS entre estados produtores e consumidores que contarão, por isso, com um mecanismo constitucional próprio de compensação: o Fundo de Equalização de Receitas.
Os tributos municipais e as regras de repartição de receitas da União com estados (FPE) e municípios (FPM, ITR e IPVA)(1) permanecem sem alteração, exceto a da participação desses últimos na quarta parte do ICMS do Estado. Nesse caso, a atual regra de que 75% dessa parcela seja distribuída na proporção do ICMS arrecadado em cada Município, deverá ser mudada, cabendo à lei complementar fixar o critério (NR do art. 158, parágrafo único, I). Desse modo, o ISS passará a ser, então, o único tributo a permanecer incidindo de forma cumulativa de todo o sistema, o que, dado ao seu baixo impacto macroeconômico, não será tão relevante para o sistema tributário.
A primeira grande conseqüência político-institucional da reforma pretendida é a redução da autonomia tributária dos Estados, que perderão – com a unificação do ICMS – toda sua capacidade de determinar seu autofinanciamento e de exercer papel na política econômica por meio de seu principal imposto. Haverá uma maior centralização de poder no Legislativo e no Executivo da União, uma tendência já histórica em nosso sistema federativo.
A segunda conseqüência advém da reformulação da estrutura de financiamento autônoma do orçamento da Seguridade Social – integrado pelos gastos da Previdência Social, da Saúde, da Assistência Social e do seguro-desemprego. A concepção inovadora da Constituição de 1988, que definiu que a Seguridade seria financiada por meio de contribuições sociais próprias, incidentes sobre a folha, o faturamento e os lucros das empresas, é alterada. Das contribuições sociais, permanecem apenas as previdenciárias sobre a folha (empregados e empregadores) ou o faturamento (empresas e trabalhadores rurais), o restante dos recursos advirá do orçamento fiscal pela vinculação de parte do IVA-F, do imposto de renda e do IPI. Embora, essa alteração não implique mudança no atual volume de recursos destinados à Seguridade, essa inovação e a progressiva e eventual substituição da contribuição patronal por uma maior tributação do IVA-F pode vir a reforçar, no futuro, os argumentos conservadores dos que defendem que o financiamento do regime geral da Previdência Social seja feito apenas pelas contribuições sobre a folha, e não por toda a sociedade.
Vejamos, nas seções seguintes, mais detalhes sobre essas grandes mudanças.
2. O novo ICMS
O ICMS passa a constar do sistema tributário não como um imposto de atribuição dos Estados, mas como de responsabilidade conjunta e compartida de todos eles (NR art. 155-A). A Constituição passa a estabelecer as características mais gerais do imposto, como sua base tributária, e estabelece que haja um número fixo de alíquotas, que serão fixadas em lei complementar pelo Congresso Nacional, com uniformidade em todo o país. A cobrança do tributo passa a ser majoritariamente no destino (Estado consumidor), invertendo a atual tributação na origem (Estado produtor) (2). Essa mudança diz respeito exclusivamente à tributação de operações interestaduais. Aos Estados caberá a administração tributária e uma capacidade residual de impor alíquotas adicionais em certos produtos, segundo determinar a lei complementar (NR art. 155-A, § 2º, V).
O enquadramento dos tipos de mercadorias e de serviços nas novas alíquotas será feito por um órgão colegiado também a ser criado pela lei complementar, com representantes de todos os Estados, e presidido por representante da União, sem direito a voto (a semelhança do atual Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária, (cf. NR do art. 155-A, § 7º). Aprovado o enquadramento por esse colegiado, caberá ao Senado sua aprovação final (NR art. 155-A, § 2º).
Nas operações interestaduais, a cobrança deverá ser feita tanto pelo Estado produtor como pelo consumidor, cabendo ao primeiro a alíquota de 2% (NR do art. 155-A, § 3º, II) e o restante, ao segundo. Também pode o Estado produtor cobrar toda a alíquota, mas, nesse caso, deverá depositar, de imediato, a parcela do Estado de destino em um fundo de compensação de crédito tributário, onde serão feitas as operações de zeragem ou de pagamento final. A alíquota de 2% na origem foi estabelecida para que o Estado produtor participe do esforço de arrecadação, evitando perdas ao Estado de destino. Evidentemente, alguns Estados produtores, como São Paulo, já anunciam a pretensão de elevar essa parcela para 4%.
A transferência da maior parcela da arrecadação para o Estado consumidor tem o propósito de eliminar a chamada “guerra fiscal”. Os incentivos fiscais atualmente concedidos de forma concorrencial entre os Estados para sediar grandes empreendimentos perderão o sentido de ser, estancando a grande perda de receita atualmente existente e reduzindo o estresse nas relações federativas disso resultante. Também deixará de haver incentivo para importação do exterior, quando existe similar fabricados no Brasil, embora em outro Estado. Nesse caso, atualmente, na importação do exterior, o ICMS é todo do Estado consumidor, enquanto quando a compra feita em outro Estado, é o Estado produtor que fica com a maior parte do imposto.
Os Estados produtores terão uma perda de arrecadação vis-à-vis os Estados consumidores. Para determinar o valor da perda ou ganho em decorrência da mudança introduzida pela reforma, o Ministério da Fazenda está implantando um sistema nacional integrado de emissão de nota fiscal eletrônica, que unificará a base de arrecadação de todos os impostos ad valorem (importação, exportação, ICMS, IVA-F, IPI e até ISS). Todos os Estados e municípios serão incentivados a aderir a esse sistema, que, além de permitir estabelecer com segurança as flutuações de receita do ICMS, também reduzirá a evasão e a sonegação de todos os impostos nele abrangidos.
A transição entre o velho e o novo ICMS
Para evitar as conseqüências de uma perda brusca ou do repentino enriquecimento de Estados consumidores, haverá um período de transição de sete anos, em que o velho ICMS continuará em vigor e em que a alíquota das operações interestaduais originadas nas Regiões Sul e Sudeste e destinadas às demais Regiões e ao Estado do Espírito Santo irá decrescendo até atingir a alíquota definitiva de 2% (art. 3º, I, PEC) (3). Só então entrará em vigor pleno a legislação do novo ICMS e a do velho será revogada (art. 12 e 13, PEC).
A reforma cria um Fundo de Equalização de Receitas para compensar as eventuais perdas com o ICMS interestadual, tornando-as mais suaves e administráveis (NR do art. 159, II, d). Para tanto, a União destinará ao Fundo 1,8% de sua receita com o imposto de renda, IPI e IVA-F, sendo que 75% desse recurso será entregue diretamente a cada estado credor do Fundo e vinte e cinco por cento aos respectivos Municípios administráveis (NR do art. 159, § 3º). Uma lei complementar (que pode ser a mesma que regulamentará o novo ICMS) definirá fonte e montante de recurso adicional para o Fundo de Equalização (art. 5º, PEC).
O Fundo de Equalização existirá por tempo indeterminado. Após os oito primeiros anos de transição, fica garantido, durante os seis anos seguintes, que nenhum estado receberá menos do que o valor da compensação auferida no oitavo ano (art. 5º, § 4º, PEC). Porém, se qualquer Estado deixar de integrar o sistema de nota fiscal eletrônico no prazo que a lei complementar vier a estabelecer, não receberá a partir daí mais nenhum recurso do Fundo de Equalização (art. 5º, § 5º, PEC).
Disposição transitória assegura que até o oitavo ano de vigência da nova Emenda Constitucional, os recursos do Fundo de Equalização serão distribuídos de forma crescente para compensar Estados que tenham perda de receita de ICMS em decorrência da reforma, e de forma decrescente para por critérios vinculados às exportações (art. 5º, § 1º, PEC), o que garante um aumento crescente da compensação à medida que a alíquota destinada à origem vai se reduzindo. Entre o 9º e o 15º ano, fica também garantido que nenhum Estado receberá transferência do Fundo de Equalização em montante inferior ao recebido no oitavo ano pós-reforma (art. 5º, § 4º, PEC).
Além disso, nos primeiros oito anos pós-reforma, nenhum ente federativo poderá ter reduzido o valor da transferência referente à compensação por perdas de receita sobre exportação – formado por fundo previsto no art. 159, III, da Constituição (10% do IPI) – recebido no primeiro ano desse período da transição (art. 5º, § 3º, PEC).
O processo traz maior confiabilidade, mas permanece muito complexo
Em uma primeira avaliação, é possível afirmar que a nova sistemática trará vantagens substanciais tanto aos Estados como ao país. Além disso, é possível também afirmar que as garantias compensatórias são razoáveis e seguras, especialmente porque, com a implantação do sistema integrado de nota fiscal eletrônica, a incerteza sob o comportamento do novo regime de arrecadação é bastante minimizada.
No entanto, é preciso considerar que as regras de implementação da reforma, para esse caso, são bastante complexas. Elas ficarão sujeitas a quatro fases de negociação: duas no Congresso Nacional (aprovação da emenda, aprovação da lei complementar com alíquotas e mecanismos do fundo de compensação e do fundo de equalização e do órgão colegiado federal), um no novo órgão colegiado (aprovação da proposta de enquadramento dos produtos nas alíquotas definidas pela lei), e, por fim, no Senado (aprovação da proposta do órgão colegiado).
Tantas fases envolvendo diferentes instâncias de aprovação resulta em uma complexidade legislativa bastante considerável, o que demandará um esforço político de coordenação por parte do Poder Executivo e que não poderá deixar de contar com a participação ativa de um grande número de governadores. Parece-nos ser um processo demasiadamente complexo e sujeito a todo tipo de contingências até lograr sucesso. O conjunto desse processo pode se estender por dois anos ou mais.
3. A fusão de tributos no IVA-F e no imposto de renda e a mudança no financiamento da Seguridade
O Governo explica a fusão de contribuições sociais no IVA-Federal e no imposto de renda como necessária para eliminar tributos do tipo cumulativo e reduzir o número de tributos com a mesma base de incidência (CSLL e imposto de renda). Porém, como já vimos, o efeito mais importante desses dispositivos da PEC é eliminar as fontes próprias de financiamento da Seguridade Social.
Embora essa mudança não traga problema quanto aos recursos hoje disponíveis, (4) ela pode implicar, no futuro, problemas políticos para os segurados da Previdência Social. A questão decorre da insuficiência das atuais contribuições previdenciárias – depois de descontados os subsídios dados aos empregadores rurais, às filantrópicas e às microempresas, a sonegação e a informalidade – em cobrir satisfatoriamente as despesas com benefícios. A decisão de reduzir a alíquota da contribuição patronal em 6% até 2016 fará com que R$ 17 bilhões anuais desapareçam dos cofres do Regime Geral da Previdência Social – RGPS.
Hoje, a Constituição determina que a Seguridade, incluindo a Previdência Social, deve ser financiada por contribuições sobre a folha (as previdenciárias), sobre o faturamento (a Cofins e o PIS) e sobre o lucro (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL). Graças a isso, o orçamento da Seguridade sempre foi superavitário. Em 2007, com a CPMF, depois de pagas as despesas previdenciárias, as da Saúde, as da Assistência Social (inclusive Bolsa-Família) e também do seguro-desemprego, o superávit chegou a R$ 60 bilhões; este ano, sem a CPMF, o superávit deve ser reduzido a um terço desse valor. (5) Mesmo assim, os adversários da Previdência Social insistem na necessidade de se cortar ou dificultar a concessão de benefícios, pois contando-se apenas as contribuições de empregados e empregadores, a Previdência Social é deficitária. Eles defendem que, à semelhança de um plano de pensões privado, sob regime de capitalização, o regime geral deve sustentar-se apenas das contribuições dos patrões e empregados.
Caso as atuais contribuições sociais deixem de existir, também desaparecerá o comando constitucional quanto às pluralidade do financiamento da Seguridade e da Previdência., É possível que a Previdência ainda venha, no futuro, a precisar de complementação de recursos, ainda mais com a redução da patronal. Mesmo com a vinculação de receitas de impostos, esses recursos não deixarão de ser vistos como transferências do Tesouro Nacional para cobrir o “rombo” da Previdência. O que pode criar, com o passar dos anos, mais fragilidade política para a defesa do Regime Geral da Previdência Social – RGPS e também para as demais ações de Saúde e de Assistência Social.
Na versão preliminar da PEC – quando o Governo apresentou seu anteprojeto às centrais sindicais – a situação era pior. A redução da contribuição patronal não teria nenhuma contrapartida compensatória em outra fonte, dependendo de transferências diretas do Tesouro para sua eventual cobertura. Na PEC enviada, isso mudou, com a previsão de que é possível elevar a alíquota do IVA-F para compensar a redução da contribuição sobre a folha, transferindo-se assim um encargo sobre a folha para outro sobre o faturamento das empresas (ver art. 195, § 3º, NR).
Mesmo assim, pensamos que a questão não está inteiramente resolvida. Inclusive porque o art. 11 da PEC já estabelece que, até 90 dias após a promulgação da Emenda Constitucional, o Poder Executivo encaminhará Projeto de Lei que “definirá reduções gradativas contribuição patronal a serem efetuadas do segundo ao sétimo ano subseqüente ao da promulgação desta Emenda”. Ou seja, o comando constitucional para a desoneração já está dado, sem vinculá-la à qualquer compensação, e pode ser proposta antes que o IVA-F já exista, o que , na prática, o mecanismo de compensação previsto no art. 195, § 13 (NR: art. 1º, PEC).
Seria preferível, a nosso ver, manter a atual pluralidade de fontes, atendendo o objetivo do governo de eliminar as contribuições cumulativas de outra forma, sem comprometer, no futuro, a luta pela integralidade da Seguridade e da Previdência Social.
Isso pode ser feito se agruparmos as atuais Cofins e PIS em uma nova contribuição social, com a mesma base de incidência atual, mas sobre o valor adicionado, e transformando atual CSLL em um adicional sobre o imposto de renda devido pelas empresas, mantendo o novo IVA-F, com uma alíquota bem menor, apenas em substituição à Cide-Combustível e à alíquota do salário-educação. Voltaremos ao tema mais adiante, na seção seguinte, quando tratarmos das propostas de emendas.
4. A mudança nos fundos constitucionais regionais
A PEC trata também de uma grande mudança fiscal, alterando a destinação de recursos constitucionais para o desenvolvimento regional. Os três grandes fundos constitucionais (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) passarão a constituir um único Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), agora com abrangência nacional, com 60% a mais de recursos e com uma política de investimento mais descentralizada.
Em vez dos atuais 3% da receita do imposto de renda e do IPI, ao FNDR será destinado 4,8% (NR do art. 159, II, c). Serão financiados projetos também nas Regiões Sul e Sudeste caso se trate de áreas de subdesenvolvimento local (como a parte sul do RGS, p. ex.). Mas já se garante que 95% dos recursos serão aplicados nas três Regiões originais. Em 2008, isso significaria um aumento dos recursos de financiamento para as três Regiões de R$ 5,4 bilhões para R$ 8,2 bilhões, e ainda restaria R$ 440 milhões para serem aplicados nas áreas novas das Regiões Sul e Sudeste.
A gestão dos investimentos será diferente, descentralizada. No mínimo, 60% dos recursos se destinarão a investimentos no setor produtivo nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste; recursos serão transferidos para fundos de estados e municípios para programas de infra-estrutura e incentivo ao setor produtivo; e para as regiões que contem com organismos regionais de planejamento (Sudam, Sudene), os recursos serão aplicados segundo as diretrizes desses organismos.
5. O que pode mudar: propostas
A questão da progressividade: imposto de renda e grandes fortunas
Medidas que elevem a progressividade do sistema tributário estão ausentes da PEC. A verdade é que as inovações nessa área estão todos no campo infraconstitucional.
Com o intuito de trazer essa importante questão ao debate tributário, sugerimos que se apresente um Projeto de Lei que altere as regras atuais de incidência do imposto de renda da pessoa física. Atualmente, temos uma tabela progressiva de apenas duas alíquotas, sendo a primeira muito alta e a última muito baixa. Além disso, essa tabela só se aplica, na prática, para as rendas oriundas do trabalho: basicamente assalariados e profissionais liberais. Disso resulta um universo de contribuintes com uma distribuição de renda muito achatada, um perfil bastante diferente da distribuição de renda nacional.
Apenas estender as faixas de renda para cima, elevando as alíquotas, não resolve. Poucos são aqueles que estarão nas faixas superiores, não compensando as perdas do erário com a redução das alíquotas nas faixas inferiores. Isso acontece porque as rendas do capital (ganhos com títulos e ações, dividendos e distribuição de lucros), que constituem a maior parte da renda nacional, não estão sujeitas à tabela progressiva. Aos seus ganhos, a legislação dos anos noventa concedeu o desconto exclusivo na fonte ou mesmo a simples isenção (caso da distribuição ou incorporação de lucros). E sempre a alíquotas que são inferiores às alíquotas efetivas da tabela progressiva.
É preciso mudar a legislação para tornar a aplicação das alíquotas da tabela progressiva e da declaração do ajuste anual universais, válidas para as rendas de qualquer origem. Dessa maneira, será possível também tornar a tabela do imposto de renda mais progressiva, aumentando o número de faixas de modo a iniciar com uma alíquota mais baixa e colocar alíquotas mais altas para as faixas de renda mais elevadas. Mas essa maior progressividade não pode ter por meta onerar ainda mais a classe média, mas sim os rendimentos daqueles que vivem dos ganhos de capital.
Uma segunda iniciativa para melhorar a progressividade dos tributos poderia ser a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, que aguarda tal providência dos legisladores desde a Constituinte de 1987-88. Nesse caso, a sugestão não é necessariamente a criação de um novo imposto para os muito ricos, mas sim estabelecer um tributo auxiliar do imposto de renda que permitisse criar um piso mínimo de pagamento desse imposto para os muito ricos.
Nesse sentido, seria desejável regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, de modo que seu pagamento fosse compensável com os do imposto de renda futuros. O melhor seria partir de um piso contributivo bastante elevado – algo como 10 milhões de reais de patrimônio – e alíquota inicial bastante baixa – não mais que um por cento. Essa alíquota poderia ser progressiva, mas diferenciadas de acordo com a liquidez dos bens e direitos que compusessem a fortuna. A incidência do imposto também não precisaria ser anual, mas plurianual (a cada quatriênio, por exemplo). Isso tornaria a tributação efetiva sem, no entanto, fazê-la parecer confiscatória.
Essas duas propostas podem inclusive ser acompanhadas por uma oferta de compensação do eventual aumento da arrecadação por uma redução proporcional em uma alíquota de um imposto indireto – como o IVA-F, por exemplo – de modo a manter inalterada a carga tributária total. Essa compensação não afetaria o total dos orçamentos Fiscal, da Seguridade Social, nem os das transferências constitucionais para Estados, Municípios e do novo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). O objetivo da proposta não é arrecadar mais, porém redistribuir com mais justiça a carga tributária do país.
Seguridade Social: manutenção das fontes próprias de financiamento e desoneração da folha
A proposta de mudança é para a manutenção das fontes próprias da Seguridade Social, mantendo a diversidade de bases de cálculo (folha, faturamento e lucro), porém de um modo que também atenda aos objetivos do Poder Executivo de reduzir o número de tributos, eliminando aqueles de incidência cumulativa e preserve a carga tributária atual.
Nossa proposta reestrutura as contribuições atuais sobre o faturamento e sobre o lucro. A contribuição social sobre o faturamento, incidiria sobre o valor adicionado e substituiria as atuais Cofins e o PIS. A Contribuição Social sobre o Lucro seria definida como sendo uma alíquota adicional sobre o imposto de renda devido pelas empresas, podendo ser aplicada com alíquotas diferenciadas em função do setor de atividade. Essa contribuição substituiria a CSLL, simplificando fortemente a tributação, já que ela poderia se resumir a uma única linha no documento de arrecadação do imposto de renda ou na sua declaração de ajuste.
Em conseqüência, o IVA-Federal proposto seria mantido, apenas com uma alíquota menor, destinando-se a substituir a atual Cide-Combustíveis e a alíquota do salário-educação.
A desoneração da folha poderia, assim, ser mantida sem fragilizar politicamente o financiamento da Previdência Social. Não seria indispensável uma disposição constitucional, como agora se faz necessário, para que a desoneração da contribuição patronal sobre a folha – ou qualquer outro ônus – pudesse ser no todo ou, em parte, transferida para o faturamento ou o lucro.
Essa proposta não teria nenhuma outra conseqüência em termos de volume de recursos nos orçamentos Fiscal, da Seguridade, e nas transferências para o FPE, o FPM e o novo FNDR, nem aumentaria a rigidez orçamentária.
Desoneração da folha com compensação pelo IVA-F
Caso a proposta anterior não arregimentar o apoio necessário no Poder Executivo e no Congresso Nacional, seria conveniente ter propostas alternativas com objetivo mais limitado.
Há duas alternativas. A primeira seria apenas manter o art. 195 da Constituição, tal como está, incluindo um parágrafo estabelecendo que o financiamento, quando incidente sobre faturamento e sobre lucro, dá-se nos termos da vinculação de 38,8% do imposto de renda, IPI e IVA-F (forma proposta na PEC). Isso faria com que formalmente a transferência vinculada deixasse de ser recurso do orçamento fiscal, passando a ser fonte própria do orçamento da Seguridade Social.
A segunda alternativa, mais restrita que a anterior, seria manter a extinção das fontes próprias da Seguridade – como pretende a PEC – porém explicitando melhor a possibilidade constitucional de vir a compensar uma redução na contribuição patronal pelo aumento proporcional no IVA-Federal. Nossa proposta é dar nova redação aos dispositivos da PEC que tratam do assunto, de modo a eliminar a incongruência temporal existente na redação dada ao art. 195, § 13, e o art. 11 da PEC.
Observação: As opiniões emitidas nesta nota são de responsabilidade de seu autor, não necessariamente correspondem as opiniões do PCdoB ou de seus deputados federais.
1
Fundo de Participação dos Estados; Fundo de Participação dos Municípios; Imposto sobre Propriedade Rural (federal); e Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (estadual).2
A energia elétrica, telefonia, petróleo e seus derivados já são tributados no destino e continuarão a sê-los.3
Operações com alíquotas inferiores a 2% ou com petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica, a alíquota pertencerá integralmente ao Estado de destino.4
O total dos recursos do orçamento da Seguridade se mantém, exceto pela retirada das receitas da CPMF. Como a CPMF era fonte da Seguridade, naturalmente, sua extinção reduziu o total do seu orçamento. Porém, essa redução foi compensada pela redução do superávit do orçamento, que vinha sendo utilizado para pagar despesas fiscais como os encargos previdenciários da União (ver nota 5). Desse modo, o desaparecimento da CPMF não afetou o total das despesas próprias do orçamento da Seguridade – exceto do Fundo de Erradicação da Pobreza, que foi extinto, nem diz respeito diretamente à reforma tributária em análise.5
O superávit vem sendo utilizado para pagamento de encargos previdenciários da União – despesas do regime próprio da previdência dos servidores federais. A Lei 8.212, de 1991, alterada pela Lei 9.711, de 1998, autoriza a União a lançar despesas de seus encargos previdenciários no orçamento da Seguridade, desde que estejam satisfeitas os gastos previstos para ações da Saúde e Assistência Social.