Comissão aprova parecer da PEC da Reparação e fundo de igualdade racial avança
A Comissão Especial da Câmara aprovou nesta quarta-feira (3) o relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) sobre a PEC 27/2024, que cria o Fundo Nacional de Reparação Econômica e de Promoção da Igualdade Racial e inclui na Constituição um capítulo dedicado à igualdade racial.
O texto estabelece o aporte mínimo de R$20 bilhões pela União ao longo de vinte anos, com repasses anuais de R$1 bilhão destinados a financiar políticas culturais, sociais e econômicas voltadas à população negra.
A votação encerrou a fase de análise no colegiado e abre caminho para os dois turnos no plenário da Câmara, antes da etapa final no Senado, que também exigirá maioria qualificada de três quintos dos votos.
“Essa PEC é uma oportunidade única de o Brasil reconhecer sua dívida com o povo negro e combater efetivamente o racismo estrutural e promover a igualdade racial”, comemorou Orlando Silva nas redes sociais.
Durante a sessão, o relator afirmou que “nós estamos escrevendo na Constituição Federal do Brasil um capítulo dedicado a enfrentar o racismo no país”, observando que “o racismo é filho da escravidão” e que o objetivo é “estabelecer como obrigação do Estado brasileiro enfrentar o racismo, obrigação da sociedade brasileira enfrentar o racismo”.
O parecer amplia o alcance do texto original, proposto pelo deputado Damião Feliciano (União-PB), ao definir a igualdade racial como direito fundamental e ao instituir um conjunto de princípios, objetivos e diretrizes estruturantes para políticas de Estado.
Orlando argumentou durante a tramitação que o país precisa vincular o enfrentamento do racismo ao seu projeto civilizatório e ao desenvolvimento social. O relator tem repetido que a reparação econômica é parte de uma agenda estrutural, não apenas de medidas pontuais de redução da desigualdade.
“Queremos erradicar a pobreza, é nossa obrigação moral, mas precisamos superar o racismo, que é a nossa obrigação civilizatória”, disse. Em outra intervenção, Orlando Silva avaliou que “a superação do racismo definitivamente entrou no centro da agenda nacional do Brasil”.
O relatório aprovado define que políticas públicas deverão incorporar a transversalidade da agenda racial, fortalecer a participação política de grupos discriminados, valorizar religiões de matriz africana e avançar na regularização de territórios quilombolas.
A criação do fundo é acompanhada de novas fontes de financiamento, como valores decorrentes de condenações por racismo, multas aplicadas em casos de trabalho análogo à escravidão, indenizações de empresas que lucraram com a escravização da população negra, doações internacionais, dotações orçamentárias e recursos de programas públicos ou privados relacionados à reparação econômica.

O parecer também impede o contingenciamento fiscal das verbas e determina que a natureza jurídica do fundo será definida por lei complementar, deixando para etapa posterior a escolha entre formato público ou privado.
O texto prevê administração por instituição financeira federal e determina a criação de um conselho deliberativo com representantes do poder público e da sociedade civil para acompanhar a aplicação dos recursos.
A adesão dos estados e municípios ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) passa a ser condição para acesso ao fundo. A inclusão do Sinapir na Constituição é tratada como marco institucional por gestores do setor e pelo governo federal.
Criado pelo Estatuto da Igualdade Racial em 2010, o Sinapir já funciona como mecanismo de articulação das políticas de igualdade racial entre União, estados e municípios, mas opera hoje com baixa adesão e alcance limitado.
A PEC eleva o sistema ao patamar constitucional, transformando-o em política de Estado e vinculando o acesso ao novo fundo à participação formal dos governos locais.
A adesão dos estados e municípios ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial passa a ser condição para acesso ao fundo. A inclusão do Sinapir na Constituição é tratada como marco institucional por gestores do setor e pelo governo federal.
A chefe da Assessoria Especial de Assuntos Parlamentares do Ministério da Igualdade Racial, Nailah Veleci, afirma que “fortalecer o Sinapir, que está previsto no Estatuto da Igualdade Racial, é uma demanda antiga de gestores de igualdade racial em todo o país” e que a articulação do ministério permitiu que “o Sinapir agora se equipare ao Sistema Único de Saúde e ao Sistema Único de Assistência Social, sendo garantido e protegido pela Constituição”.
A sessão que aprovou o relatório foi acompanhada pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que celebrou o resultado classificando o momento como “histórico, mas também revolucionário” e defendendo que o país “possa seguir a partir daqui avançando cada vez mais em prol do povo negro”.
O governo atuou em apoio à PEC durante toda a tramitação, articulando com gestores estaduais e municipais e com entidades do movimento negro para fortalecer o texto final.
A deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que presidiu o colegiado, afirmou que o resultado reflete um processo longo dentro do Congresso e disse que “conhecer essa luta, saber que a gente leva tantos anos, tanto tempo, para a gente dar um passinho nos faz aprender que não fazemos nada sozinhos”.
Em outro momento da sessão, Benedita afirmou que “fazer reparação significa também ter a consciência de votar todas as matérias que promovem essa população, que dê a ela dignidade”, além de reforçar a centralidade da população beneficiada dizendo que “negros e pardos são, sobretudo, um povo preto”.
O movimento negro tratou a aprovação como etapa decisiva na institucionalização de políticas de reparação.
Para Douglas Belchior, historiador e cofundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos, a votação representa o início de uma mudança estrutural porque “a aprovação do relatório é o pontapé inicial para a reparação virar política de Estado”, tirando a PEC do papel ao “reconhecer a dívida histórica do Brasil com o povo negro” e ao “abrir caminho para um fundo bilionário permanente sob controle do movimento negro”.
A PEC foi apresentada em 2024 pelo deputado Damião Feliciano e um grupo de parlamentares, com o objetivo de reconhecer desigualdades produzidas pelo escravismo e abrir espaço para compensações econômicas e inclusão social.
Durante a votação, Feliciano lembrou que “o Brasil foi o último país do mundo a libertar os negros e nós somos o primeiro país do mundo a fazer a reparação econômica”. O deputado afirmou ainda que “o clima e a atmosfera mudaram” e que o Congresso passa a assumir “o lugar onde os negros podem pedir para também serem brasileiros iguais aos outros”.
Após aprovação na Comissão Especial, o texto aguarda definição de data para votação em plenário. Líderes da base articulam um pedido de urgência ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para acelerar a tramitação, enquanto parlamentares e organizações do movimento negro preparam mobilização para garantir os votos necessários à aprovação.
Se o texto passar nos dois turnos da Câmara, seguirá para análise do Senado, onde também precisará ser aprovado por três quintos dos votos em duas rodadas de votação.




