Nesta quarta-feira (17), o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) solicitou o indiciamento de quase 100 pessoas em relatório entregue à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga supostas irregularidades na Fundação Nacional do Índio (Funai) e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No texto, Leitão pede a investigação de supostos crimes praticados em processos de demarcação de terras indígenas, quilombolas e em assentamentos rurais.

Presidida e relatada por parlamentares ligados ao agronegócio, a CPI não trouxe novidades. Em mais uma investida da bancada ruralista contra direitos constitucionais de povos tradicionais, o texto foi aprovado sem que os afetados pudessem participar. Do lado de fora da Câmara, indígenas protestavam contra o texto em debate.  

Formada pela Universidade de Brasília (UnB), a mestranda em Direitos Humanos e educadora, Daiara Tukano, disse que haverá forte resistência, “apesar das canetadas, dos discursos de ódio e das manobras políticas dos ruralistas”.

Daiara lembrou a violência sofrida pelo povo Gamela, no Maranhão, em abril, quando 13 indígenas foram atacados a tiros e facadas em uma emboscada. “Estão retirando a possibilidade do reconhecimento dos territórios indígenas em regiões onde muitos índios são assassinados por garimpeiros, madeireiros. Esta é mais uma ameaça institucional contra o nosso povo”, ressaltando que nenhum dos agressores está sendo indiciado no relatório.

Durante a reunião do colegiado, o presidente da CPI da Funai, deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), foi acusado de cortar a palavra dos deputados e dos representantes dos movimentos, induzindo a rápida aprovação do relatório. Houve apelo de diversas bancadas pelo adiamento da discussão, sem acatamento, para a leitura de mudanças apresentadas de última hora pelo relator.

O próximo passo dos deputados contrários ao projeto é o ingresso no Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com o deputado Moisés Diniz (PCdoB-AC), “é lamentável que a CPI tenha optado pelo confronto, aprovando um relatório que indicia brasileiros, lideranças indígenas, bispos. Este é um texto inconstitucional”.

“Nunca tiveram coragem de indiciar um pistoleiro que mata na Amazônia, nunca tiveram coragem para indiciar um grileiro responsável por tomar milhões de hectares de terra”, acrescenta o parlamentar acreano.

A deputada Janete Capiberibe (PSB-AP) aponta uma “escalada de violência” com a conivência de governos que se omitem diante dos direitos dos povos tradicionais e pequenos produtores. “Querem dar fim à Funai. Esta CPI foi criada para criminalizar”, salientou.

O texto pede o indiciamento de 77 pessoas: 15 antropólogos, 26 índios, 5 servidores da Funai, 14 pessoas ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e 3 ligadas ao Centro de Trabalho Indigenista (CTI), além do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e outras 13 pessoas.

Segundo a presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta Machado, a defesa de direitos não significa laudos ou estudos técnicos parciais. “Os procedimentos são científicos, baseados na etnografia profunda de conhecimento da população que se está pesquisando. Como poderíamos conhecer o parentesco, a genealogia e a importância da terra, da produção e do modo de vida?”.

“Esta CPI quer acabar com todas as demarcações e difamar os antropólogos”, acentuou Lia Zanotta, que é professora titular da Universidade de Brasília (UnB).    

No caso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o relator pede o indiciamento de 23 pessoas, entre as quais o Ouvidor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho; o superintendente regional do Incra no Mato Grosso do Sul, Luiz Carlos Bonelli; e Valdecir Amorim, que juntamente com Gilson dos Santos, é suspeito de incitar invasões de propriedades rurais para pressionar a criação de assentamentos.

Uma nova análise de demarcações em andamento no Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul foi solicitada no relatório final da CPI ao Ministério da Justiça. Há sugestão para regulamentação de artigo constitucional estabelecendo que serão consideradas terras indígenas apenas aquelas ocupadas por índios na data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Essa data foi reconhecida pelo STF no caso da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, mas a decisão não se estende automaticamente às demais áreas.

As supostas fraudes apresentadas pelo relator na “delimitação de áreas falsamente consideradas como de tradicional ocupação indígena" devem ser alvo de investigação. Neste caso poderão ser indiciados o presidente do Cimi, Roque Paloschi; a ex-diretora de Proteção Territorial da Funai Maria Auxiliadora de Sá Leão; a presidente do CTI, Elisete da Silva Noleto; e Rosivaldo Ferreira da Silva, conhecido como "Cacique Babau".

Com informações da Agência Câmara