Campeã de votos no Rio Grande do Sul em duas eleições sucessivas à Câmara dos deputados, Manuela D’Ávila (PCdoB) anda preocupada com a falta de unidade política da esquerda no país. “Enquanto os partidos desse campo efetivamente não se unirem, o resultado em eleições municipais e estaduais tenderá a ser o mesmo: a derrota”, acena a ex-líder estudantil, derrotada na dupla tentativa de ocupar a prefeitura de Porto Alegre (2008 e 2012).
 
Eleita aos 23 anos a vereadora mais jovem da capital gaúcha, ela relatou o Estatuto da Juventude na Câmara dos Deputados, que garante direitos e deveres a 48 milhões de jovens. “São atores estratégicos que devem ter o papel potencializado para transformar o Brasil”, diz a autora da lei que pune crimes cibernéticos, sem ferir a liberdade na rede.
 
 
Como relatora do Estatuto da Juventude na Câmara dos Deputados, se aprovado, o que representará essa conquista?
 
O Estatuto da Juventude é uma legislação avançada por ter sido construída coletivamente com a colaboração dos mais diversos segmentos sociais ao longo de nove anos. Essa carta de direitos para jovens entre 15 e 29 anos consolida conquistas, garantindo políticas públicas de Estado e não de governos para cerca de 52 milhões de brasileiros. Considera essa parcela da população como atores estratégicos que devem ter o papel potencializado para a transformação do Brasil.
 
 
O que é mais importante nesta legislação que garante direitos e deveres aos jovens brasileiros?
 
Com 48 artigos, a proposta assegura à juventude acesso à educação, profissionalização, trabalho e renda, além de determinar a obrigatoriedade de o Estado manter programas de expansão do Ensino Superior, ofertando bolsas estudos em instituições privadas e financiamento estudantil. Em um país em que o desemprego, os salários baixos e a informalidade tendem a afetar mais jovens do que adultos, as novas regras tornam-se fundamentais para garantir oportunidades de vida aos jovens.
 
 
A "luta pela preservação ambiental”, destituída de conteúdo político, tem servido como uma luva à alienação da juventude das causas reais da devastação ambiental e das injustiças sociais?
 
A minha trajetória política foi forjada no movimento estudantil onde há muitos jovens engajados e politizados. Sou defensora do ativismo da juventude como forma de melhorar a realidade onde vivemos. Vejo muitas manifestações com conteúdo político e social significativo, sendo promovidas pela juventude.
 
 
Houve um tempo em que se ouvia dizer que à esquerda brasileira faltava descobrir o marketing e a psicanálise. Qual é a grande questão ou dilema que a esquerda vive hoje? Os partidos perderam o monopólio da intermediação política, ou é por acaso que todas as recentes marchas (Liberdade, mulheres, gente diferenciada) aconteceram sem que nenhum partido as mobilizasse, elas foram espontâneas?
 
Uma questão que ainda preocupa é a falta de unidade política da esquerda. Enquanto os partidos desse campo efetivamente não se unirem, o resultado em eleições municipais e estaduais tenderá a ser o mesmo: a derrota. Os partidos têm um papel importante por lutarem pelos interesses da sociedade nos espaços de poder que ocupam. É evidente, entretanto, que hoje as redes sociais também são um espaço fundamental para articular movimentos e protestos que ocorrem no mundo real.
 
Fundar um novo partido, como quer a ex-ministra Marina Silva, é remédio contra a crise de representação política no Brasil?
 
Não. A solução para o país é fazer uma reforma política inteira que, realmente, mude a cara da política brasileira. O ponto principal deve ser garantir financiamento público e exclusivo para as campanhas eleitorais, garantindo transparência e igualdade de condições entre os candidatos. O dinheiro é o principal fator causador de problemas na política, como a corrupção.
 
 
Pegar famosos e ricos e elegê-los enfraquece a política? Da forma como está, o pluralismo e a diversidade da sociedade brasileira estão expressos e garantidos no atual modelo político? É favorável à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva para elaborar e aprovar a reforma política e eleitoral?
 
O que enfraquece a política é a forma como o sistema está organizado, permitindo a ocorrência de situações que vão contra os interesses da sociedade. Sou favorável a uma reforma política inteira que mexa com questões estruturantes da política brasileira. É uma pena que não houve clima para avançar nesse tema este ano na Câmara dos Deputados.
 
 
Como autora da lei que pune os crimes cibernéticos, é favorável à regulação da mídia? Como a própria ONU (Organização das Nações Unidas) preconiza, não podemos ter monopólio e nem oligopólio nas comunicações, mas permitir o acesso aos meios…
 
Sou defensora da liberdade de expressão e do amplo acesso a informações pelos mais diversos meios disponíveis. Na internet, por exemplo, desde que não se cometam crimes, as pessoas têm o direito a se manifestar livremente.
 
 
Se valer a proposta de se destinar 10% do PIB à educação no Brasil, o que deve ser feito para se garantir a expansão e a democratização do ensino público fundamental e médio, além do ensino técnico profissionalizante, com a qualidade que tem sido a marca do sistema federal de graduação e pós-graduação no país?
 
Ampliar o investimento em educação é incentivar o desenvolvimento do Brasil. Como aliada do governo federal, confio que a presidenta Dilma Rousseff conseguirá garantir cada vez mais acesso com qualidade nos diferentes níveis de ensino.
 
 
Considera que há uma tendência do Judiciário brasileiro de criminalizar os movimentos sociais?
 
Temos de fortalecer cada vez mais as instituições do nosso país. Acredito que os magistrados tentam fazer o melhor trabalho possível e, por isso, merecem o nosso respeito.
 
A reforma do Estado, pretendida pelo jurista Hélio Bicudo (ex-deputado constituinte do PT-SP), previa uma ampla reforma do Judiciário.Considerado um dos poderes que menos se modernizou no Brasil, o Judiciário precisa de controle externo ou o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é o bastante?
 
O Conselho Nacional de Justiça tem atuado como um importante instrumento de monitoramento externo do Judiciário e tem contribuído para a melhoria dos serviços prestados pelas Cortes no país.
 
Concorda com a afirmação do deputado federal Nilmário Miranda, ex-ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, de que a Justiça no Brasil é classista, machista, homofóbica e racista?
Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário representam a soma da diversidade que encontramos em nossa sociedade.
 
Concorda com a iniciativa da OAB de denunciar o governador do Rio Grande do Sul na Corte Internacional de Direitos Humanos por causa da situação do Presídio Central?
 
A atual situação do Presídio Central é historicamente grave. Diferentes governos tentaram acabar com os problemas e não conseguiram. É complicado apontar um único governante como único responsável por tudo o que ocorre no local.
 
 
Ricardo Rodrigues ([email protected])