Esta nota analisa o Projeto de Lei 1.992, de 2007, apresentado pelo Poder Executivo, que institui um regime de previdência complementar único para os servidores federais e autoriza a criação de uma entidade fechada de previdência, sob a forma jurídica de uma fundação com personalidade de direito privado.

 

O objetivo da nota é examinar os principais argumentos apresentados pelo Poder Executivo para aprovar o novo regime previdenciário, opinando de forma conclusiva sobre o seu mérito. Analisamos principalmente os aspectos fiscais, as conseqüências macroeconômicas decorrentes do alegado fomento pelo novo regime nos mercados financeiro e de capitais, a adequabilidade da forma de fundação estatal a ser assumida pela entidade fechada de previdência, e alguns questionamentos levantados pelos servidores e por autoridades dos Poderes da República e órgãos autárquicos que já contam com suas próprias entidades de previdência complementar.

 

O texto conclui pela rejeição do Projeto, no mérito, pelo fato do ônus fiscal, decorrente dos custos de transição entre os dois regimes, mesmo que imprecisos, não ser compatível com os exíguos ganhos que dela o interesse público pode auferir. Também conclui pela impossibilidade da Câmara dos Deputados vir a autorizar a criação da fundação estatal antes da vigência da lei complementar que regulamenta a área de atuação das fundações (objeto do PLP 92, de 2007). Porém, ao final, sugere algumas mudanças que podem ser defendidas, seja em substituição ao proposto pelo Projeto, seja para aperfeiçoá-lo, em caso dele vir a contar com o apoio da maioria.

 

1. A instituição da previdência complementar do servidor público federal e a criação da fundação estatal

 

A reforma da previdência dos servidores públicos realizada pela Emenda Constitucional 41, de 2003, alterou as regras do regime de partição simples até então vigente, ampliando seu financiamento e estabelecendo mais requisitos ao acesso de benefícios. A Emenda também criou a opção de constituição de um novo regime misto – de partição e de capitalização – para os entes federados que assim o desejassem e aceitassem assumir os custos de patrocinador de um fundo de pensão complementar, em troca da limitação do valor dos benefícios do regime de partição ao mesmo teto existente no Regime Geral da Previdência Social – RGPS (atualmente de R$ 2.894).

 

Para instituir esse novo regime misto, o ente público criará um regime previdenciário complementar, que obedecerá às regras existentes para a previdência complementar em entidades fechadas (fundos de pensão). O fundo de pensão será financiado com contribuições mensais de servidores ativos e do ente patrocinador, sob regime de capitalização.

 

O Projeto de Lei nº 1.992, de 2007 (do Poder Executivo), pretende instituir esse regime misto para os servidores da União, criando o regime de previdência complementar unificado para toda a União. Com a implementação do novo regime misto todos os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo – inclusive os membros dos três Poderes – que ingressarem após sua implementação estarão sujeitos ao teto de benefícios do regime de Previdência Social. Quem quiser suplementar o valor do benefício concedido pelo regime de partição poderá, então, optar por participar do fundo de previdência complementar. A data da implementação ocorrerá 120 dias da publicação da nova lei. Mas será possível ao servidor atual que ingressou no serviço público após a promulgação da E.C. 41, de 2003, optar pelo novo regime.

 

A previdência complementar unificada significa que outras previdências já existentes – como a Centrus do BC – não poderão continuar a existir, embora o Projeto seja omisso quanto à incorporação desses outros fundos de pensão.

 

É possível também a outros entes estatais – Estados e Municípios – aderirem ao fundo federal, desde que concordem com os planos de benefícios estabelecidos e se comprometam com seu financiamento.

 

O fundo de previdência complementar será gerido por uma fundação pública com personalidade jurídica de direito privado (a entidade fechada de previdência complementar).

 

O regime de previdência complementar é regulamentado atualmente pelas Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001, que tratam, respectivamente, das relações dos órgãos públicos com seus fundos de previdência complementar e das regras gerais de previdência complementar no país. Desse modo, os termos do Projeto de Lei pretendem se adequar ao disposto nessa legislação de hierarquia superior.

 

A implementação da previdência complementar dá seqüência à reforma da previdência iniciada com a aprovação da Emenda Constitucional n° 41, de 2003, que tinha como objetivo declarado a recomposição do equilíbrio da previdência pública, que apresentava grande déficit financeiro e atuarial.

 

A instituição de um fundo complementar é defendida por três razões: primeiro, porque ela permite limitar – como estabelece a citada Emenda Constitucional 41 – o gasto dos encargos previdenciários da União, estabelecendo um teto para as pensões e aposentadorias dos servidores igual ao da Previdência Social; segundo, porque a capitalização a longo prazo do fundo aliviaria, no futuro, os encargos indiretos (contribuição do patrocinador) com os novos benefícios pactuados, que – apesar da antecipação parcial dos gastos com a contribuição do patrocinador – reduziria o encargo previdenciário total; e, terceiro, porque se alcançaria finalmente uma isonomia entre os regimes previdenciários público e o da Previdência Social (RGPS).

 

O Projeto estabelece as regras do regime de previdência complementar, de seus planos de benefícios e a forma como o fundo será administrado e fiscalizado. Autoriza também a criação, pelo Poder Executivo, de uma fundação de personalidade de direito privado, denominada Fundação de Previdência Complementar do Serviço Público Federal – FUNPRESP, que como entidade de previdência complementar fechada administrará o fundo previdenciário.

 

1.1. O regime de previdência complementar dos servidores: os planos de benefícios

 

O benefício complementar será financiado mediante contribuições mensais do patrocinador e do participante. A alíquota da contribuição do patrocinador será igual à do participante, não podendo, no entanto, a do patrocinador exceder a 7,5% do valor da remuneração (ver §§ 2º e 3º do art. 16 do Projeto). 1

 

Os servidores já em exercício poderão optar pelo novo regime misto, com complementação previdenciária. Para tanto, o Projeto prevê um benefício especial (a ser pago pelo regime de partição), cujo valor será igual à diferença entre o valor médio de sua contribuição e o valor do teto do RGPS e multiplicado por um fator de conversão calculado proporcionalmente ao tempo de contribuição feita até a entrada em vigor do novo regime, não podendo ser maior que a unidade (ver art. 3º do Projeto)2.  Esse benefício especial somar-se-á, no futuro, ao valor do benefício a ser percebido pelo regime de partição.

 

Essa disposição aplica-se aos servidores atuais que queiram fazer a opção pelo regime complementar. Mas, na prática, só poderá interessar àqueles ingressados após a E.C. 47 (a chamada “PEC paralela”), em julho de 2005, e cuja remuneração esteja acima do teto do RGPS e média contributiva inferior a esse teto, pois antes dessa data todos os servidores em exercício têm aposentadoria integral, cumpridas as exigências das EC 41 ou 47, conforme o caso.

 

De acordo com a Exposição de Motivos, a mudança de regime previdenciário dos servidores terá um impacto negativo nas contas públicas. Ela implicará em um aumento de despesa mesmo a longo prazo, pois, de imediato, o governo deixará de receber a contribuição sobre a parcela da remuneração do novo servidor que ultrapassar o teto, e terá que assumir um gasto adicional de contribuir para o regime complementar, capitalizando reservas individuais para os servidores. Esse aumento dos gastos deve perdurar até que os servidores do novo regime passem a receber aposentadorias e pensões e o retorno comece a se tornar líquido, diante da despesa já adiantada. Segundo veremos adiante, esse ônus a mais, decorrente dos custos de transição, devem se estender pelo menos por 25 anos, perdurando até o início da década de 2030. A Exposição de Motivos, infelizmente, não traz nenhuma estimativa do custo de implantação do novo regime previdenciário complementar.

 

Por outro lado, como afirma a Exposição de Motivos, o fundo previdenciário dos servidores federais “tende a ser a maior entidade fechada de previdência complementar presente no mercado brasileiro, tanto em quantitativo de participantes como em volume de recursos administrados”. Dessa forma, além do esperado impacto positivo sobre as finanças públicas, o novo fundo de pensão – com seu grande potencial de acumulação de recursos – poderá estimular a demanda por ativos no mercado financeiro e de capitais, fortalecendo o mercado secundário – tanto de títulos públicos como privados – e promovendo maior liquidez, requisito essencial para o desenvolvimento desses mercados.

 

Defende a Exposição de Motivos que a antecipação do ônus e elevação dos encargos previdenciários por mais de duas décadas justifica-se por dois motivos: os ganhos futuros de conquistar uma redução dos encargos para o erário e alcançar um regime com equilíbrio atuarial; e incentivar o desenvolvimento do mercado financeiro nacional, por fortalecer o mercado secundário de valores mobiliários, dando-lhe mais liquidez e solvência.

 

Os planos de benefícios a serem oferecido aos servidores serão estruturados de modo a manter características de contribuição definida. Os valores dos benefícios – segundo o que dispuser o plano de benefício – serão definidos de acordo com a valorização financeira dos recursos do fundo, que será contabilizado em contas individuais para cada participante. Segundo a Exposição de Motivos, o regime de contribuição definida “apresenta vantagens do ponto de vista fiscal, pois elimina a possibilidade de geração de eventuais déficits”.

 

Dessa maneira, o valor do benefício será calculado proporcionalmente ao montante acumulado na conta individual do participante, devendo aquele valor manter-se permanentemente ajustado a esse saldo. Assim como em qualquer outro plano de benefício definido, o participante assume os riscos das flutuações de rentabilidade e solvência dos mercados financeiro e de capitais.

 

1.2.  A entidade de previdência fechada: a fundação estatal

 

A entidade proprietária e administradora do fundo de pensão complementar dos servidores federais será constituída pela União sob a forma de uma fundação de natureza pública, mas regida pelo regime de direito privado: a FUNPRESP. A utilização desse novo tipo de entidade pública – denominada “fundação estatal”, para diferenciá-la das demais fundações públicas hoje existentes – é um dos pontos mais polêmicos do Projeto. 3

 

A reforma constitucional de 2003 (E.C. 41) determinou que a entidade de previdência fechada de servidores públicos deve ser uma entidade de natureza pública (ver § 15, art. 40 da C.F.). A Exposição de Motivos do Ministério do Planejamento argumenta que apesar da entidade ser de natureza pública isso não significa, necessariamente, que ela deva ser “estruturada na forma de uma autarquia ou mesmo de uma fundação com personalidade jurídica de direito público (fundação pública), equiparada às autarquias para todos os efeitos legais”. A escolha do Poder Executivo foi a de pedir autorização legal para constituir uma entidade que apesar da natureza pública “deve estar sujeita às mesmas normas aplicáveis à generalidade dos fundos de pensão então existentes”. Mesmo assim, a Exposição de Motivos admite que a nova fundação “como será patrocinada por entes públicos, (…) deverá se submeter a alguns limites e controles específicos [da administração pública]”.

 

Por essa razão, o Projeto autoriza a constituição de uma fundação com personalidade jurídica de direito privado (parágrafo único do art. 4°do Projeto), explicitando também quais seriam as características de sua natureza pública. Como pessoa jurídica de direito privado, a FUNPRESP estará sujeita a um regime jurídico similar ao das empresas estatais. Não gozará das prerrogativas típicas das autarquias e fundações públicas, como privilégios processuais, juízo privativo e imunidade tributária. Ou seja, não terá prazos especiais para defesa em litígios judiciais, terá seus próprios advogados, poderá, em caso de inadimplência de suas obrigações, ter seus bens e receitas penhorados e arrestados, bem como pagará os tributos devidos por qualquer fundação privada por seu patrimônio ou transações (a renda, como de qualquer fundação, é isenta de tributos).

 

Suas receitas e despesas também não integrarão a lei orçamentária anual, com exceção das contribuições que a União, e as suas autarquias e fundações públicas deverão pagar à entidade, a título de encargos previdenciários, na qualidade de patrocinadoras.

 

Trata-se, assim, de uma entidade que disporá de autonomia administrativa, financeira e gerencial, terá patrimônio próprio e será mantida por suas próprias receitas, oriundas, principalmente, das contribuições pagas por seus patrocinadores e participantes. Afora a contribuição própria, aos patrocinadores é vedado qualquer outro auxílio financeiro à entidade (proibição expressa na Lei Complementar 108, de 2001).

 

Fica pendente de interpretação a situação da titularidade do patrimônio da FUNPRESP em caso de uma eventual dissolução futura. Como fundação, a entidade é, por definição, um patrimônio que assume uma personalidade jurídica própria destinada a uma finalidade social.4  Assim, desde que destacada do patrimônio do seu instituidor5, uma fundação não mantém para com ele nenhum vínculo, nem pode retornar, em caso de dissolução, a integrar patrimônio de seu instituidor.  No caso das fundações públicas, regidas pelo direito público, a jurisprudência e a doutrina indicam que, diferentemente das demais fundações privadas, o seu patrimônio – assim como suas obrigações – revertem ao ente público que lhe deu origem. Isso também pode se aplicar aos recursos que ela administra na medida em que a Fundação tem responsabilidade subjetiva aos danos que venha a causar a esses.

 

Pelo que se apreende, há duas razões que fazem o Poder Executivo optar pela forma de fundação estatal. A primeira é a necessidade de “isolar” as futuras obrigações do regime previdenciário complementar, evitando que elas possam ser transmitidas, eventualmente, no futuro, ao erário da União. Nesse caso, deve ser entendimento do Poder Executivo que, em caso de futura dissolução, a submissão da FUNPRESP a regra do direito privado deve prevalecer quanto à sua eventual sucessão. A segunda razão, deve-se a natureza eminentemente negocial, privada, da atividade de uma entidade fechada de previdência.

 

Como frisa a Exposição de Motivos, a FUNPRESP, por ser pública, deve contar com alguns controles e limites específicos. Essas especificidades são explicitadas nos arts. 7º e 9º do Projeto de Lei, quando esse enumera as obrigações de natureza pública da FUNPRESP, a saber:

  • Regime jurídico do pessoal da Fundação será o da legislação trabalhista (CLT);
  • Realização de concurso público para contratação de pessoal;
  • Submissão à legislação de licitações (Lei 8.666/1993) e contratos administrativos;
  • Publicação na Imprensa Oficial e na internet de demonstrativos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, além das informações aos participantes e assistidos conforme estabelece as Leis Complementares nº 108 e 109, de 2001.

 O Projeto ainda explicita que a administração da Fundação observará os princípios da eficiência e da economicidade, otimizando o atendimento de suas obrigações e reduzindo as despesas administrativas.

 

A FUNPRESP – como manda a LC 108, de 2001 – contará com três órgãos dirigentes: os conselhos administrativo (curador) e fiscal e uma diretoria-executiva. Os conselhos administrativo e fiscal serão formados por seis e quatro membros, respectivamente. Os conselhos são divididos paritariamente entre representantes do patrocinador e dos participantes, todos nomeados pela Presidência da República. Os três representantes da União no conselho de administração serão indicados pela Presidência da República, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, um membro para cada um. No conselho fiscal, os representantes do patrocinador serão indicados pelo Ministério Público e Tribunal de Contas da União, também um membro para cada. Os representantes dos participantes e assistidos para os dois conselhos serão indicados mediante eleição direta, conforme venha a dispor os estatutos. 6

 

O mandato nos dois conselhos é de quatro anos, mas apenas no conselho administrativo é permitido uma recondução.7  A presidência do conselho administrativo será exercida rotativamente entre os representantes do patrocinador. Apesar do Projeto ser omisso quanto ao exercício da presidência do conselho fiscal, a LC 108 determina que esta será preenchida por deliberação dos representantes dos participantes. Cabe aos conselheiros-presidentes o voto de qualidade.

 

A diretoria-executiva, formada por no máximo quatro membros, será indicada pelo conselho deliberativo. As formas de remuneração e demais disposições necessárias ao exercício do cargo de diretor estão em conformidade com o prescrito nas Leis Complementares 108 e 109, de 2001. 8

 

Na fase de implantação do fundo de pensão, que se inicia 120 dias a partir da publicação lei, os conselhos serão provisoriamente formados por representantes apenas da União. Esses conselheiros terão mandatos de dois anos, findo os quais se dará a indicação paritária determinada pela regra permanente. Para financiar as despesas de implantação, o Projeto também autoriza a União a adiantar à FUNPRESP o valor de R$ 50 milhões, como antecipação de sua contribuição de patrocinador.

 

Um dos pontos de maior polêmica do Projeto de Lei refere-se à criação da fundação estatal, a iniciar pela própria constitucionalidade de sua tramitação. A dificuldade reside no fato de que o Projeto de Lei Complementar nº 92, de 2007 (também do Poder Executivo) ainda não ter sido apreciado e se transformado em norma jurídica. No nosso entender, a existência dessa lei complementar é condição sine qua para a criação de qualquer fundação estatal, já que a Constituição (art. 37, inciso XIX) exige que uma norma dessa hierarquia determine em que áreas elas podem atuar. Na inexistência dessa lei, a Casa Legislativa não pode deliberar e autorizar o Poder Executivo a criar qualquer fundação. 9

 

1.3.A administração financeira dos recursos do fundo de previdência complementar

 

A administração dos recursos garantidores (contribuições patronal e do participante/assistido) do fundo previdenciário complementar e de seus recursos derivados será contratada com instituições financeiras devidamente autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, de acordo com os critérios que venha a estabelecer o conselho deliberativo da FUNPRESP para gestão de seus recursos. A contratação do gestor será realizada mediante licitação, cujo edital estabelecerá os limites de taxas de administração e de custos cobrados à FUNPRESP. Nenhum dos gestores contratados poderá gerir mais que 40% dos fundos totais disponíveis, nem os contratos poderão ultrapassar o prazo de cinco anos.

 

A aplicação dos recursos será feita exclusivamente por meio de fundos de investimento cujos rendimentos sejam vinculados a índices de referência de mercado, como, por exemplo, o CDI ou Taxa Selic (índices de taxas de juros) e o Ibovespa (referencial de mercado de ações). Esses fundos também serão formados exclusivamente com recursos da FUNPRESP.

 

Essas disposições se destinam a facilitar o controle sobre eventuais desvios na taxa de rentabilidade dos recursos do fundo previdenciário em relação aos ganhos médios dos mercados financeiro e de capitais. Em contrapartida, a regra restringe a possibilidade de diversificação de portfólio com aplicação na modalidade “private equity”, pois fundos desse tipo não dispõe de um índice de referência.10 Essa restrição, reduz a capacidade do fundo de pensão em viabilizar diretamente o investimento produtivo.

 

Um segundo problema dessa forma de aplicação – que desenvolveremos na seção 2.3 – é que ela é pró-cíclica, já que as operações do fundo seguiriam a tendência média dos mercados mobiliários, elevando os preços dos ativos na fase de alta e os deprimindo na de baixa.

 

2. O regime de previdência complementar: seus fundamentos e impacto fiscal

 

A decisão de regulamentar e implantar esse regime de previdência complementar do servidor federal tem dois fundamentos: primeiro, a necessidade fiscal de se equacionar um desequilíbrio atuarial no atual regime de partição e benefício integral,11  que se traduz em déficits estruturais e elevados encargos previdenciários para a União; segundo, de natureza eqüitativa, para aproximar as condições do regime de previdência dos servidores dos demais trabalhadores regidos pela CLT e segurados ao Regime Geral de Previdência Social.

 

Como corolário desses dois fundamentos, o novo regime ainda pode ser defendido pelas suas conseqüências macroeconômicas, pois, como argumenta a Exposição de Motivos, a nova modalidade de previdência gerará uma grande poupança, sob a forma financeira, que incentivará o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais, gerando capacidade de financiamento para o investimento privado e melhorando as condições de financiamento da dívida pública.

 

Em seguida analisaremos separadamente as razões dos dois fundamentos e do corolário que sustentam a iniciativa de instituir o novo regime de previdência dos servidores.

 

2.1. A sustentabilidade do atual regime de partição

 

É preciso destacar inicialmente que a crítica quanto a sustentabilidade atuarial do regime de partição vigente deve ser remetida àquele reformado pela Emenda 41, em 2003. Em resumo, podemos descrever o regime de partição definido pela Emenda 41 como um regime previdenciário de financiamento intergeracional, em que os servidores contribuem mensalmente com 11% de sua remuneração e a União com 22%, de encargo patronal12  ; há idade mínima para aposentadoria (60 para homens e 55 para mulheres) e de tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres); o benefício é calculado com base na média das contribuições de toda vida laboral.

 

Com base nessas regras, não é possível considerar o regime de 2003 como inconsistente quanto ao equilíbrio atuarial. Uma contribuição previdenciária total de 33% pelo tempo de contribuição mínimo estabelecido é mais que suficiente para financiar com folga os benefícios futuros dos novos servidores.

 

O regime será sustentável mesmo que a relação entre ativos (total de remuneração) e inativos (total de benefícios pagos) na década de 2030 (quando o primeiro grande contingente de segurados cumprirem as condições de aposentadoria) seja igual a 2 para 1. Para manter a estabilidade do atual regime basta apenas que a massa de remuneração dos ativos, daí para frente, mantenha-se proporcional aos valores dos benefícios pagos e, mesmo que a despesa com ativos se reduza, seu total não atinja uma relação abaixo de 2:1 com a despesa com benefício. O que só seria possível se novamente acontecesse um processo de grande transferência de serviços da União para outras esferas de governo, reduzindo significativamente o número de contribuintes, como sucedeu ao final do século passado. O que seria fortemente improvável de ocorrer. Vale a pena destacar que se tal fenômeno ocorresse o fundo de pensão, sem dúvida, seria inviabilizado muito antes do regime de partição.

 

De toda forma, os custos do benefícios herdados do antigo regime continuarão sendo liquidados, pelo menos, pelas próximas décadas, não importando se permanecermos com o regime atual de partição ou com o novo regime misto de partição e capitalização que o Projeto em questão pretende instituir (ver Box sobre o atual déficit previdenciário).

 

Desse maneira, concluímos que o argumento de que a implantação do novo regime misto de previdência resolveria um problema de desequilíbrio estrutural do atual regime de partição simples não procede.

 

 

O atual déficit e o estoque de obrigações herdado do regime anterior a 2003-2005

 

Pode haver uma certa confusão de informações quando se defronta o argumento acima com os atuais valores de benefícios pagos e o chamado déficit da previdência pública. É que esses valores dizem respeito a um estoque de benefícios herdados do regime previdenciário anterior, especialmente nas regras anteriores aos anos noventa, quando se incorporava certas parcelas que permitiam que benefícios chegassem a superar a remuneração final da carreira do servidor na ativa. O número de inativos e a relação entre ativos e inativos foi fortemente deteriorada nos anos noventa por duas razões básicas. Primeiro, pela desoneração de encargos da União em prestar serviços públicos diretos (caso da Saúde, que foi municipalizada) ou indiretos, por meio de estatais que foram extintas (como a RFFSA, por exemplo), cujo pessoal continuou a se aposentar ou a gerar pensões para a previdência pública, sem a contrapartida da continuidade de servidores ativos para contribuir com o regime. E segundo, pela redução do número de ativos decorrente da fracassada reforma do Estado do primeiro Governo FHC, que sequer repôs as vagas abertas pela aposentadorias e mortes ocorridas.

 

 

Tabela 1 – Número de servidores ativos e inativos (em milhares)

 

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2006

Ativos

662,0

654,7

712,7

672,3

646,4

632,1

639,4

662,2

691,6

Inativos

244,9

404,3

534,8

594,5

633,6

637,0

654,0

653,1

651,1

Aposentados

244,9

313,7

384,8

394,8

423,1

412,5

415,5

404,8

397,9

Instituidores de Pensão

0,0

90,6

150,0

199,7

210,5

224,4

238,6

248,3

253,1

nº ativos por inativo

2,70

1,62

1,33

1,13

1,02

0,99

0,98

1,01

1,06

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento.

 

 

O impacto conjunto desses fatores fez crescer o número de inativos por toda a década de noventa ao tempo que fazia decrescer a relação ativos/inativo. Os dados da tabela 1 mostram que o fenômeno chegou ao pico entre os anos de 1999 (maior número de aposentados)13  e o ano de 2004 (menor relação de ativo/inativo). Mas a partir desses anos de pico, a tendência se inverteu, pois a principal massa do estoque de segurados do regime passado já foi absorvido. O saldo negativo de novos aposentados nos últimos anos (tabela 2, abaixo) também corrobora essa afirmação.

 

Tabela 2 – Saldo de aposentados por ano (em milhares)

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

61,5

10,1

-0,1

25,7

2,7

-5,4

-5,2

-3,8

6,7

-1,0

-9,6

-6,9

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento.

 

 

 

 

 

 

 

O déficit da previdência dos servidores regidos pelo regime anterior, ao final de 2006, era de R$ 362,8 bilhões (reais de 2006) e será desembolsado pelo Tesouro Nacional ao longo da vida dos servidores ativos e inativos regidos pelo regime anterior durante a sua vida e de seus descendentes, enquanto pensionistas.14  O valor do déficit representa parcela do passivo atuarial não fundada (ainda não registrada como dívida), relativa aos serviços já prestados pelos servidores (os ativos e os já agora inativos) até o ano de 2006; passivo que será liquidado nos anos futuros em benefícios e aposentadorias e pensões, em período que se estende de 2007 a 2091, atingido seu pico no exercício de 2029. O gasto anual médio (em valor presente) será de 4,3 bilhões de reais (de 2006).

 

O valor do déficit foi calculado como o valor presente dos benefícios a serem pagos (descontado a uma taxa de 6% ao ano), deduzidas as contribuições dos servidores ativos e inativos, segundo as regras vigentes (para o ativo, 22% da União e 11% do servidor; para o inativo, 11% do beneficiário). Como o novo regime vai eliminar a contribuição relativa à parte sobejante da remuneração sobre o teto do RGPS, esse déficit será elevado. Essa parcela é considerada em nossos argumentos como renúncia de receita e faz parte do ônus de implantação do novo regime de previdência complementar.

 

 2.2.      Os custos dos encargos previdenciários dos dois regimes e o impacto fiscal da transição

 

O regime de partição simples da reforma de 2003 e o novo regime de previdência complementar implica não só em diferentes custos para a União, mas também em diferentes formas de realizá-los no tempo e na própria natureza de sua apropriação.

 

A princípio, os encargos patronais de 22% da União sobre a parcela que ultrapasse o valor do teto do RGPS parece ser bem superior à contribuição do patrocinador para o fundo de pensão complementar de 7,5%. Mas essa conta não é tão simples.

 

Em primeiro lugar, a natureza da despesa é distinta. Os encargos do regime de partição atual são apropriados de forma apenas contábil, não implica em nenhuma despesa efetiva para o Tesouro Nacional nem tem impacto no resultado fiscal da União.15  Por outro lado, a contribuição do servidor de 11% representa uma receita efetiva (ou uma redução efetiva de despesa com a folha), além de ter repercussão sobre o resultado fiscal. Em segundo lugar, a forma de pagamento dos encargos é também temporalmente distinta. A despesa da União no regime de partição só se torna efetiva quando os benefícios no futuro passam a ser gozados e pagos, isto é, há um grande diferimento temporal entre a contabilização e na efetivação da despesa. A fonte de seu financiamento é a receita de uma arrecadação futura.

 

No regime de capitalização da previdência complementar, por sua vez, os encargos significam uma antecipação de uma obrigação futura, paga pelo seu valor presente. Os encargos do patrocinador representam despesa efetiva e repercute no resultado fiscal. Por outro lado, a perda dos 11% da contribuição do participante significa uma perda também efetiva de receita (ou também uma despesa) que se reflete no rédito fiscal. Em resumo, podemos entender que o encargo do patrocinador com a mudança do regime representa uma despesa igual – e imediata – a 18,5% da contribuição total para o fundo de pensão, da qual 7,5% se destinarão à capitalização. Mas, diferente do regime de partição, a fonte do financiamento das obrigações futura é mista: uma parte advém diretamente da arrecadação presente (os 18,5% da contribuição do patrocinador); uma segunda, também pública, se origina dos ganhos futuros com a dívida pública, no mercado financeiro, onerando receitas futuras (aplicação do fundo em títulos federais); e uma terceira parte decorre da apropriação de ganhos privados futuros oriundos dos mercados financeiro e de capital (aplicação do fundo em ativos privados).

 

A comparação dos custos patronais entre os dois regimes se mostra, assim, muito difícil. Essa discussão pode enveredar facilmente em argumentos de ordem política e ideológica. No entanto, as alíquotas dos encargos patronais entre os dois regimes (22% e 18,5%) representam valores muito próximos, o que à primeira vista parece não justificar a vantagem fiscal do segundo sobre o primeiro.

 

Caso não houvesse a perda de receita de 11% da contribuição do servidor (condição de tábula rasa), a situação seria inteiramente diferente; seria possível defender a desvantagem fiscal de uma despesa imediata contra uma futura pelo grande diferencial entre elas (7,5% contra 22%). Uma diferença que seria preenchida por ganhos financeiros futuros da capitalização, mesmo que parte desses ganhos adviesse da própria dívida pública. Mas não é esse o caso.

 

Se fizermos um exercício de previsão sobre a implantação do novo regime de fundo de pensão complementar, teríamos os valores do ônus para a União mostrados na Tabela 3 abaixo (por mandato quadrienal e em reais de 2006). O cálculo foi feito a partir dos números de servidores civis ativos e de sua remuneração média ao final do exercício de 2006 (último valor disponível), e com base em duas hipóteses: que até 55% do total de servidores terão remuneração para ingressar no fundo complementar; 16 e que todos os atuais servidores serão substituídos pelos novos servidores participantes do fundo de pensão em 25 anos, a partir de 2008.

 

Tabela 3 – Previsão média de despesa com encargos e renúncia de receita pela União – simulação

(em R$ milhões)

Período

nº participantes

Contribuição

patrocinador

Renúncia receita

Total ônus

 patrocinador

(em milhares)

por ano

2008-2010

                     46,1

                   501,9

                  722,3

               1.224,3

2011-2014

                   107,5

               1.840,5

              2.648,5

              4.488,9

2015-2018

                  169,0

               3.179,0

               4.574,6

               7.753,6

2019-2022

                 230,4

                4.517,5

              6.500,8

              11.018,3

2023-2026

                  291,8

               5.856,0

              8.426,9

            14.282,9

2027-2030

                  353,3

                7.194,5

              10.353,1

              17.547,6

2031-2032

                 384,0

              4.099,2

              5.898,9

               9.998,1

Total ônus na fase de implantação

             27.188,6

              39.125,1

             66.313,7

Média anual

                1.087,5

                1.565,0

               2.652,5

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento. Elaboração própria.

 

Como observamos, os custos seriam crescentes, tanto em relação às contribuições de patrocinador como à renúncia de receita (referente à alíquota de 11% sobre a parcela sobejante da remuneração). E, em permanecendo inalterado as metas de superávites primários, esses valores adicionais teriam que ser compensados por redução na despesa corrente ou de capital, em cada exercício.

 

Quando comparamos o valor médio anual do ônus da implantação na previsão da tabela 3 (R$ 2.652,5 milhões) com os da despesa atual em pagamento de benefícios acima do teto do RGPS, por ano, pelo regime de partição – cerca de R$ 8.047 milhões, em 200617  – vemos que o esforço fiscal feito para instalar o novo regime pode ser considerado razoável. Inclusive se levarmos em conta que, em contrapartida, quando plenamente em vigor (em 2032, na previsão), o fundo de pensão contará com um patrimônio de R$ 94 bilhões (considerando a contribuição dos participantes e uma taxa de capitalização de 6% ao ano).

 

Dessa forma, há dificuldade em se concluir de modo cabal se há ou não vantagem na assunção dos encargos patronais do novo regime para a administração federal. A curto prazo esse ônus implica em sacrifício, pois haverá cortes em outras despesas, mas pode-se avaliar que os ganhos a longo prazo justificam tais sacrifícios.

 

Como sempre acontece, a ausência de maiores informações por parte do Poder Executivo pode levar incerteza e insegurança ao legislador.

 

Desse modo, é forçoso concluir que nos falta informações suficientes para aferir de modo claro se os custos de implantação do novo regime trazem ou não vantagem fiscal para a União. Embora, nesse caso, o princípio da cautela deva prevalecer, não sendo evidente o ganho fiscal de uma iniciativa, o legislador deve tender para considerá-la como onerosa e apreciá-la apenas na proporção dos benefícios que possa trazer ao interesse público.

 

O ponto fundamental dessa questão, como vimos, são os custos de transição de um regime previdenciário para outros. Segundo afirma Stiglitz,18  os estudos que apontam as vantagens fiscais do regime de capitalização sobre o de partição simples situam a opção entre os dois regimes partindo de uma situação de inexistência de qualquer regime previdenciário, isto é, na hipótese de tábula rasa; nenhum deles examina essa opção quando o regime de partição já preexiste e a implantação de outro regime implica em custos de transição. Stiglitz defende que na presença de custos de transição inexiste vantagem fiscal na adoção do regime de capitalização. Minha conclusão acompanha a desse autor.

 

A criação da previdência complementar não atende apenas a razões estritamente fiscais ou para atender a interesses dos servidores. Os ganhos macroeconômicos que ela geraria, como vimos, é um importante corolário a sustentar a iniciativa o Poder Executivo. Analisemos agora esse componente.

 

2.3.      Os ganhos macroeconômicos do novo regime: fortalecimento dos mercados financeiro e de capitais

 

A constituição do fundo de pensão dos servidores federais – alega a Exposição de Motivos – trará uma contribuição positiva à expansão, solvência e liquidez aos mercados mobiliários, tanto o financeiro como o de capital. Ela começará a ser significativa na década de 2030 quando o patrimônio ultrapassará R$ 100 bilhões (em reais de 2006) e o fluxo de aplicações líquidas estará em torno de R$ 10 bilhões (considerando as contribuições totais e uma taxa de capitalização de 6% ao ano).

 

O afluxo desses recursos ao mercado financeiro e de capitais incentivará os negócios mobiliários. O importante, todavia, é discutir como tal incentivo aos mercados de valores mobiliários podem se traduzir em melhora para o interesse público e o bem estar social. Por isso devemos examinar como os aportes do fundo de pensão podem contribuir para melhorar as funções macroeconômicas que a doutrina econômica em geral atribui aos mercados mobiliários: elevação da poupança e melhora nas condições de financiamento privado e público.

 

A assertiva de que a mudança de um sistema de previdência de partição simples (intergeracional) por um sistema em regime de capitalização eleva o nível de poupança e de investimento pode ser descrita assim: a troca de regimes cria um incentivo para o segurado realizar uma poupança de seus rendimentos presentes em troca de rendimentos na inatividade; a capitalização se faz no mercado financeiro e de capitais, elevando o afluxo de recursos; o que produz mais transações no mercado secundário (de títulos existentes, já emitidos), dando-lhe mais amplitude e solvência; em conseqüência, a emissão primária de ações ou de títulos para captar novos fundos para investimento também é incentivada. Ademais, o aumento do número de negociadores e de transações também melhora a liquidez desse mercado, fator fundamental de seu sucesso.

 

Pelas mesmas razões, um regime de capitalização também elevaria a facilidade de financiamento, dando mais solvência e liquidez às transações com papéis representativos de dívidas e emissões (até o crédito bancário passível de securitização) podem ser mais aceitas e ter seu custo reduzido.

 

Embora as duas assertivas sejam largamente difundidas e aceitas pelos meios acadêmicos, não são poucos os economistas que apresentam restrições a elas. Especialmente, quando se transfere a discussão do plano abstrato da modelagem econômica para os casos concretos da realidade social.19  Examinemos duas dessas restrições.

 

A primeira restrição feita é contra o argumento da elevação da poupança pela adoção de um regime de previdência com capitalização. O problema apontado no argumento é que ele parte do pressuposto de que a poupança dos segurados até então era zero. Mas se a poupança já existe, ela seria apenas transferida de uma forma para outra, eliminando o alegado benefício macroeconômico.

 

No nosso caso concreto, do ponto de vista do servidor, a poupança de fato já é feita, sob a forma de contribuição do servidor, sendo nova apenas a parte relativa à contribuição do ente patrocinador. No entanto, como a poupança incentivada (por igual contrapartida do patrocinador) é menor que a atual, resulta que uma parcela da poupança anterior – do ponto de vista do servidor – pode virar consumo. Ou, alternativamente, a eventual elevação do consumo não se daria, pois o valor da poupança do servidor se manteria igual pela incorporação da contribuição do patrocinador (3,5% dos seus 7,5%); resultando em parcela nova apenas a diferença entre a alíquota da contribuição conjunta (15%) e aquela anterior do servidor (11%), meros 4%.

 

Pode-se argumentar que a contribuição de 11% do servidor não pode ser considerada poupança, pois em sendo tributo ela seria por definição consumo. Porém, tendo que realizar cortes na sua despesa para compensar as perdas totais de 18,5% do custo da transição (como argumentamos na seção 2.2), a União pode ser levada a reduzir investimento, o que significa perda de poupança pública e, também, nacional.

 

De toda forma, vemos que a assertiva sobre a elevação da poupança deve ser relativizada e a estimativa de seu valor total, sem dúvida, deve sofrer redução.

 

A segunda restrição, é quanto à necessidade de se distinguir no debate sobre as vantagens do regime de capitalização versus o regime de partição, a situação de instituir o primeiro em vez do outro e o caso de instituir um em substituição ao outro. Toda a sustentação teórica da vantagem entre os regimes de capitalização e de partição simples se dá comparando pela comparação entre um e outro e não quanto à sua substituição, o que elide necessariamente os custos de transição, tanto fiscais como quanto aos alegados ganhos de poupança e investimento. 20

 

Essa segunda restrição – mais ampla que a primeira – também requer que se relativize os propalados ganhos públicos do novo regime de previdência complementar. Se não quanto à veracidade deles, mas pelo menos em suas dimensões.

 

Há duas questões em particular que devemos levar em consideração quanto à real contribuição que o novo regime de previdência trará aos mercados mobiliários nacionais e, em conseqüência, à poupança e ao investimento.

 

A primeira delas é a dimensão do novo fundo de pensão em relação aos mercados mobiliários. A tabela 4, abaixo compara o patrimônio que a FUNPRESP deverá ter quando atingir – segundo os parâmetros de nossa simulação – a totalidade dos servidores federais, na década de 2030, e o montante do patrimônio dos principais fundos de pensão e com a totalidade das carteiras dos fundos de investimentos (as taxas de capitalização para cada caso estão indicadas).

 

 

 

Tabela 4 – Participação patrimonial da FUNPRESP no mercado de fundos – simulação

Patrimônio de entidades de previdência fechada (em R$ bilhões de reais de 2006)

 

Patrimônio

Participação da FUNPRESP

em 2032

Em 2007

Em 2032

Entidades com patrocínio privado

                    253,2

                    995,6

9,5%

Entidades com patrocínio público

                    144,0

                    534,3

17,7%

Total entidades fechadas

                    397,2

                 1.529,9

6,2%

FUNPRESP

                             

                      94,5

 

Fonte: M.P. – Secretaria de Previdência Complementar – Informe Estatístico – elaboração própria.

Patrimônio aplicado em carteiras – Fundos de investimento e de ações (em R$ bilhões de 2007)

 

Patrimônio aplicado

Participação da FUNPRESP

em 2032

Em 2006

Em 2032

Fundos de investimento (FIF) e de ações

968,7

                4.038,2

2,4%

FUNPRESP

                             

                      95,4

Fonte: Boletim BCB – elaboração própria.

 

Os dados da simulação mostram que mesmo após 25 anos a participação da FUNPRESP no mercado mobiliário será pequeno e sua influência bastante diluída: seus fundos de investimentos deterão apenas 2,4% do total das carteiras de títulos e ações e seu patrimônio chegará a 6,2% do das entidades fechadas de previdência. Apesar de que, mantida uniforme a taxa de capitalização de 6% ao ano para todas as atuais entidades, a FUNPRESP terá atingido a terceira posição em patrimônio no ranking (abaixo da Previ e Petrus)

 

A segunda questão importante na relação entre a futura FUNPRESP e os mercados mobiliários é a natureza referenciada de seus fundos de investimento. Como vimos, os fundos serão obrigatoriamente operados de modo que a rentabilidade seja vinculada a índices de referência de mercado. Como alertamos antes, essa forma de aplicação é pró-cíclica, ela faz com que as operações dos fundos da FUNPRESP sigam a tendência média dos mercados, tanto de títulos como de ações, elevando os preços dos ativos na fase de alta e os deprimindo na de baixa. Essa característica é evidentemente contraditória com o objetivo da FUNPRESP vir a contribuir com o aprofundamento do mercado mobiliário, pois um mercado é considerado tanto mais profundo quanto seja a variedade de tendências e estratégias de valorização que utilizem seus agentes.

 

Essa situação deve alertar o legislador ao avaliar os propalados efeitos benéficos que o novo regime previdenciário venha a trazer ao desenvolvimento dos mercados mobiliários. Nossa opinião é que esses efeitos benéficos tendem a ser de pouca monta, sendo, em parte, contraditórios.

 

3.         A fundação estatal como opção de entidade de previdência privada

 

A opção pela forma de fundação estatal para a entidade fechada da previdência decorre seguramente de que sua sujeição às regras do direito privado poderá melhor “isolar” o Tesouro Nacional dos riscos patrimoniais do novo fundo e por melhor se adequar à natureza estritamente negocial de sua atividade.

 

A preocupação de defender o erário de uma eventual assunção de obrigações do fundo de pensão é uma preocupação persecutória das autoridades da área econômica. Como argumentamos na seção 2.2, a garantia de que no futuro uma eventual insuficiência de fundos venha a transferir a obrigação dos benefícios para a União tem por base o entendimento de que uma fundação com personalidade de direito privado não guarda nenhuma relação jurídica com seu criador. Mas essa interpretação não é pacífica. Embora haja diversas fundações dessa natureza funcionando, especialmente as criadas pelo Estados de São Paulo, inexiste jurisprudência sobre esse ponto. A doutrina mais favorável à fundação estatal também se pronuncia de forma ambígua quanto à questão de sua separação patrimonial radical e irretratável do ente público que lhe deu origem. É o que ensina Maria Sylvia Di Pietro, a jurista que mais avança na conceituação desse tipo de fundação:

 

“[No Código Civil] O papel do instituidor exaure-se com o ato da instituição, a partir do momento em que a fundação adquire personalidade jurídica, ela ganha vida própria. O instituidor nenhum poder exerce mais sobre ela; seu ato é irrevogável. (…).

 

No âmbito da administração pública, a situação é diversa. Em primeiro lugar, o poder público, ao instituir fundação, seja qual for o regime jurídico, dificilmente pratica simples ato de liberalidade para destacar bens de seu patrimônio e destiná-lo a fins alheios que não sejam de interesse do próprio Estado. Este (…) utiliza tal entidade para atingir determinado fim de interesse público (…).21

 

Por essa razão, a fundação governamental não adquire, em geral, vida inteiramente própria, como se fosse instituída por particular. (…) Sendo variável o interesse público, o destino da fundação também pode ser mudado pelo ente que a instituiu (…). Entender de outra forma significaria desrespeitar o princípio da indisponibilidade do interesse público ao qual se vincula a Administração.” 

 

O que se pode depreender dessa doutrina é que a tese da separação patrimonial não parece gozar da desejável segurança jurídica. O que torna frágil a primeira razão apresentada para a escolha da fundação de personalidade privada como forma jurídica da entidade de previdência fechada.

 

No entanto, a natureza da atividade que terá a entidade fechada de previdência, associada a exigência de que ela deve ter natureza pública, pode ser razão suficiente para a escolha da criação da fundação estatal. Deve-se considerar que seria de fato difícil a uma autarquia ou fundação de direito público – com seus privilégios processuais, juízo privativo e imunidade tributária e submissão estrita à Lei de Licitações – operar adequadamente nos mercados mobiliários.

 

Porém, o Projeto falha na definição do que deve ser o estatuto jurídico da nova entidade. A definição feita da natureza pública da nova entidade é imprecisa e confusa.

 

Segundo a proposição – em seu art. 8º – a natureza pública se limita a quatro itens: realização de concurso público; submissão à legislação de licitações e contratos administrativos e a obrigatoriedade de publicar seus atos. Assim, de todo o artigo constitucional 37 – que diz respeito à administração pública – são pinçados apenas dois itens (os dois primeiros citados); todas as demais restrições e privilégios são liminarmente ignorados. O terceiro dos itens não é sequer apanágio da administração pública, não passa de obrigação legal a que se submete todas as entidades privadas de previdência complementar.

 

Ora, é bastante estabelecido que nenhuma entidade de natureza pública pode se furtar – de modo geral – àquilo que está disposto no art. 37 da Constituição; então a definição do que seja a natureza pública da entidade deve ser feita por aquilo que a ela não se aplica, pelas exceções, e não ao contrário. Como afirma também claramente Di Pietro, a fundação de personalidade privada se põe perante a administração pública da “mesma forma que o faz (…) às autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas”.22  Dessa forma, resulta completamente inaceitável o citado art. 8º.

 

A melhor forma de se definir a natureza pública da fundação estatal seria declarando a sua expressa submissão aos ditames constitucionais dos art. 37 e 71, excetuando aquilo que não lhe é aplicável; no caso, o regime jurídico de pessoal (que será celetista), a dispensa dos privilégios processuais, de juízo privativo e da imunidade tributária.23  No caso das licitações, a própria Lei das Licitações (8.666/1993) já dispensa entidades de direito privado – como empresas públicas e sociedades de economia mista – de muitas regras, simplificando sua aplicação.

 

Embora consideremos que seja aplicável ao caso a adoção da fundação estatal à entidade da previdência, persiste, como argumentamos na seção 2.2, a impossibilidade constitucional do Congresso Nacional vir a autorizar sua criação antes da vigência da lei complementar de que trata inciso XIX do art. 37 da Constituição, objeto do Projeto de Lei Complementar 97, de 2007 (ainda em tramitação na mesma Comissão do Trabalho e Administração Pública).

 

Desse modo, consideramos que a criação da fundação estatal pode ser uma opção adequada para constituir a entidade fechada de previdência, embora seja necessário definir o seu estatuto jurídico diferenciado como sugerido. Mas, devido à ausência da norma exigida pela Constituição que regulamente as áreas de atuação das fundações, sua tramitação torna-se inviável. Assim, até que seja promulgada a lei complementar de que trata o PLP 92, de 2007, ou se imporia uma moratória à tramitação da matéria – até que o aludido PLP se transformasse em norma legal – ou, então, a tramitação deve prosseguir com exclusão desse capítulo do Projeto (ficando a criação da entidade para depois).

 

4.         A previdência complementar e os servidores

 

Para os servidores, a instituição da previdência complementar oferece pontos positivos e negativos, a depender do nível de renda, do perfil individual de aversão ao risco e, em especial, da própria cultura dominante no serviço público, que tende a privilegiar a estabilidade e a segurança dos ganhos. Entre os gestores dos Poderes e de órgãos autárquicos um dos principais questionamentos é a criação de uma única entidade previdenciária, não permitindo que os Poderes e autarquias possam ter entidades próprias para seus respectivos servidores ou mesmo manterem aquelas já existentes.

 

A primeira questão a se enfrentar, nesse campo, é o argumento da Exposição de Motivos que defende o regime misto como uma forma desejável de estender aos servidores públicos o mesmo regime dos demais trabalhadores.

 

O argumento que considera desejável a isonomia de regras de aposentadoria entre trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos parte do princípio de que existe uma igualdade essencial entre os dois tipos de trabalhos. Isso justifica a busca da isonomia como ação de justiça social.

 

O sistema de pensões para servidores iniciou-se no século XIX quando da criação dos corpos de burocracia para os grandes Estados europeus em ascensão. A razão do sistema de pensões residia no fato de que essa burocracia ao limitar seus ganhos a um sistema de carreira, deixaria de ter acesso – por motivos funcionais óbvios – a ganhos da atividade capitalista que lhes proporcionasse a formação de um cabedal que lhe provesse renda na inatividade.

 

No entanto, a economia capitalista evoluiu e se sofisticou o suficiente para prover meios de capitalização a servidores do Estado que não são incompatíveis com suas funções públicas. Os modernos fundos de pensão podem atender à capacidade de poupança dos servidores de modo a prometer-lhes uma renda de inatividade compatível com o padrão de vida durante seu tempo de atividade e contribuição. Garantida aquela parcela equivalente ao benefício de aposentadoria com valor até o teto previsto no RGPS, parece-nos razoável que o ente público procure minimizar o custo fiscal das aposentadorias e pensões das camadas superiores dos servidores. Ainda mais quando a parcela a poupar já existe sob a forma de contribuição ao regime de partição.

 

Deve-se ressaltar que fundos de pensão com inversão de longo prazo e adequada regulamentação – como a que começamos a ter – revela-se um investimento de baixo risco. Exceto, é claro, a ocorrência de um colapso sistêmico; mas que, se acontecer, terminará também por restringir a capacidade de pagamento do próprio Estado. Todavia, essa avaliação está calcada e restringida, como tudo na ciência econômica, a racionalidade é limitada pelos acontecimentos do passado e por pressupostos não demonstráveis (embora aceitos como confiáveis).

 

Uma questão fundamental quanto à aceitação do novo regime é que seus participantes basicamente ainda não existem. Os servidores a ele sujeitos só passarão a integrar o serviço público – caso venha o Projeto a ter sucesso – a partir do segundo semestre de 2008. A possibilidade de adesão dos atuais servidores ao novo regime é muito limitada, o interesse em fazer a opção restringe-se ao contingente que ingressou no serviço público após a EC 47, de julho de 2005 (cerca de dez mil servidores) e as regras de opção não são convidativas.

 

A alíquota da contribuição da previdência complementar sobre a base de cálculo é menor que a do regime de partição, isso cria um incentivo pecuniário que poderá compensar a percepção de um maior risco do benefício futuro. Evidentemente, esse incentivo só pode ser válido para os estratos superiores de renda dos servidores.

 

Mas, ao fim e ao cabo, a opinião do atual servidor (e suas lideranças) quanto ao novo regime dependerá principalmente da cultura da estabilidade e da aversão ao risco em que está imersa a categoria. Porém, pelos argumentos anteriores, é possível prever que não haverá da parte dos servidores e de seus representantes nem consenso nem formação de uma grande resistência.

 

A segunda questão que se coloca é quanto à centralização da previdência dos servidores de todos os Poderes em uma só entidade. Especialmente a cúpula do Poder Judiciário vem defendendo que se crie entidades diversas por Poder. A Exposição de Motivos não traz uma explicação da opção de uma só entidade, apenas destaca “que a governança da entidade será compartilhada com os demais Poderes”. Mas, a nosso ver, existe uma razão crucial para que a previdência seja unificada: estabelecer uma única data para a instituição do regime misto da previdência para todos os servidores.

 

Não há razões técnicas que inviabilizem o desejo dos outros Poderes e órgãos autárquicos de criarem (ou manterem) suas próprias previdências complementares. Todos os Poderes e grandes autarquias detém servidores em número suficiente para atender necessidades atuariais. Também não há necessidade de ganhos de escala, já que as aplicações de todos os fundos seriam feitos em fundos referenciados. Ainda mais que o § 15 do art. 40 da Constituição, que trata da instituição de regime complementar fala das entidades no plural, e não no singular: “o regime de previdência complementar (…) será instituído por lei (…) por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar (…)”.

 

O grande problema seria como coordenar a instituição de diversas previdências complementares em uma só data para constituição do regime misto para todos os servidores ao mesmo tempo. Obstáculos políticos e também de tramitação congressual poderiam criar defasagem temporal na criação das várias entidades, tornando a adoção do regime misto complicada ou mesmo impossível de controlar. Conviver com regimes previdenciários diferentes para servidores da União, mesmo que temporariamente, violaria o regime jurídico único dos servidores, o que seria inconstitucional. Para resolver esse problema, o mesmo Projeto de Lei teria que autorizar a criação das várias entidades, mesmo assim, a data de instituição do regime misto só poderia ser prevista para a entrada efetiva em operação da última delas.

 

Essa situação de ordem mais operacional é que inviabiliza, no atual Projeto, qualquer pretensão de quebrar a unicidade da previdência complementar. No entanto, nada impede que se excetue no Projeto a continuidade das entidades porventura existentes, desde que seus planos de benefícios e administração dos recursos obedeçam ao nele disposto.

 

5.         Conclusão

 

A nota técnica buscou discutir os principais argumentos favoráveis à aceitação da opção constitucional, prevista na Emenda 41, de 2003, de implementar um regime misto de previdência para os servidores federais, por meio da criação de previdência complementar, tal como proposto no Projeto de Lei 1.992, de 2007.

 

De acordo com a análise, os argumentos favoráveis não se mostraram convincentes, seja do ponto de vista fiscal, seja enquanto política pública de fomento aos mercados financeiro e de capital.

 

Vimos, primeiramente, que a opção pelo regime misto não tem por referência, nem se opõe, ao atual regime de partição simples, fruto da reforma da EC 29, de 2003, e da Emenda 47, de 2005. Também não resolve o déficit por ele herdado do regime anterior; as regras e benefícios desse regime anterior às duas Emendas Constitucionais continuarão a vigorar por décadas, devendo os benefícios de seus dependentes se estender até o final deste século. Em segundo lugar, examinamos o equilíbrio do regime vigente e o consideramos atuarialmente consistente e sustentável, embora haja pouca transparência na sua forma atual de financiamento.

 

Ao examinarmos a questão do custo fiscal do novo regime complementar, não foi possível afirmar – devido a falta de informações do Poder Executivo – se a transição para o novo sistema terá um custo superior ao da manutenção do atual regime de partição. Mas, como afirma Stiglitz, a literatura econômica não apóia qualquer vantagem fiscal do regime de capitalização sobre o de partição simples, quando esse preexiste e a opção implica em grandes custos de transição.24

 

A avaliação dos alegados ganhos macroeconômicos também se revelaram – mesmo de forma otimista – bastante limitados e, em alguns aspectos, contraditórios. O tamanho do fundo de pensão proposto é pouco significativo para o mercado nacional, segundo a simulação feita, mesmo que o destino do fundo fosse figurar entre as cinco maiores entidades fechadas de previdência, por patrimônio, ele deteria apenas 2,3% das aplicações dos fundos de investimento e de ações, decorridos 25 anos de atividades, no pico de sua capacidade de capitalização (ainda sem folha de benefícios a pagar). Assim, como acontece em relação ao custo fiscal, é bastante diferente o impacto macroeconômico da opção por um regime de capitalização quando inexiste outro regime de previdência (condição de tábula rasa) do que quando a opção é feita em substituição a um regime de partição em pleno funcionamento.

 

Por outro lado, as aplicações limitadas a fundos referenciados em índices de desempenho, se oferecem mais segurança contra manipulações, são basicamente pró-cíclicos e, portanto, contraproducentes com o desenvolvimento da estabilidade dos mercados mobiliários.

 

A opção de adotar a forma da nova modalidade de fundação estatal para a entidade de previdência complementar mostra-se compatível. Mesmo porque nenhuma outra forma de entidade pública pode assumir uma personalidade jurídica de direito privado exigida por uma entidade fechada de previdência. Porém, a definição de seu estatuto jurídico é insuficiente e seria imprescindível sua elucidação, como sugerimos. Todavia, a tramitação dessa autorização para criar a fundação parece-nos inconstitucional antes que o PLP 92, de 2007, que regulamenta as fundações tenha se tornado norma legal.

 

Os custos fiscais de transição e as exíguas vantagens decorrentes de implantar um novo regime de previdência, não justificam o esforço para instituição da previdência complementar. A melhor opção ainda seria, se fosse o caso de uma reforma, limitar-se a alterar o atual regime de partição simples.

 

No entanto, apesar de nossa conclusão contrária ao objeto do presente Projeto de Lei, é possível que ele venha a arregimentar o apoio da maioria, logrando ser aprovado da forma em que está ou com modificações mais ou menos profundas. Por essa razão, consideramos em seguida algumas sugestões que, primeiro, substitua seu objetivo ou, pelo menos, venha a aperfeiçoá-lo.

 

5.1.      Proposta alternativa

 

Em vez de enveredar por uma solução fruto de um espírito de época, e que desconsidera os custos de transição, talvez fosse melhor solução simplesmente dar mais transparência ao financiamento do atual regime de partição simples.

 

Atualmente, o sistema de contas da União prevê apenas a escrituração em conta separada da contribuição patronal de 22% sobre a remuneração dos servidores. Esse mecanismo não tem visibilidade para os cidadãos e para as Casas Legislativas, ocasiona problema de dupla contagem e o cálculo atuarial tem por base uma hipotética taxa de juros de desconto de 6% ao ano.

 

Uma solução que daria mais visibilidade ao financiamento do regime e que traria mais facilidade para manter sua consistência atuarial, seria constituir, por lei, um fundo contábil, que receberia as contribuições de servidores e patronal. Esse fundo previdenciário teria suas disponibilidades vinculadas ao desenvolvimento de programa de investimentos na área de infra-estrutura de transporte e energética ou outras – conforme dispusesse a lei – desde que seus projetos fossem capazes de gerar ou de facilitar a geração de riquezas.25

 

Os projetos assim financiados seriam incorporados também ao fundo, segundo seu custo de produção. Para assegurar o equilíbrio atuarial, o cálculo atuarial seria feito – de forma virtual, para o controle disposto na LC 101, de 2000 (LRF) e constante na proposta da LDO de cada exercício – capitalizando o saldo financeiro e o “patrimônio” do fundo, segundo a taxa de juros de títulos federais – tomado como o custo de oportunidade da economia nacional.26  Também seria levado à conta do fundo as despesas com benefícios concedidos a todos os servidores vinculados ao regime – empossados a partir da Emenda 47, de 2005. As contribuições dos servidores com início de exercício anterior à Emenda 47, bem como as despesas com seus respectivos benefícios continuariam sendo contabilizados como hoje, levados à conta de contribuição e de encargos previdenciários da União.

 

Tal aferição atuarial, contabilmente mais transparente e com regras objetivas e estáveis, serviria de parâmetro para o acompanhamento do equilíbrio atuarial do regime de partição da Emenda 41, de 2003. A separação entre as contas dos dois regimes – o das Emendas 41 e 47 e o anterior – eliminaria também a confusão hoje existente entre o custo e o financiamento dos dois regimes de partição existentes.

 

5.2.      Propostas de aperfeiçoamento

 

Dentre as emendas propostas na Comissão de Trabalho, destacamos aquelas que consideramos trazer um aperfeiçoamento relevante à proposta:

 

Sobre o regime de previdência complementar:

 

Emenda 6 (Alice Portugal): estabelece regras para o caso de extinção do Plano ou da reversão dos participantes do Regime Complementar ao Regime Próprio de Previdência do Servidor (RPPS), caso o patrocinador resolva retirar o patrocínio, nesse caso os benefícios devidos serão assumidos pelo respectivo patrocinador;

 

Emenda 26 (Chico Lopes): permite que as entidades fechadas de previdência complementar já instaladas e as que vierem a se estabelecer a partir da vigência desta Lei possam existir, desde que venham a se adequar às normas de constituição, funcionamento e custeio definidas para a FUNPRESP.

 

Sobre a entidade fechada de previdência (fundação estatal):

 

Emendas 51 (Chico Lopes) e 56 (Alice Portugal): definem melhor o regime jurídico da fundação estatal, identificando a natureza pública da entidade por aquilo que ela difere das demais fundações públicas. A emenda estabelece que a entidade se submete aos ditames constitucionais dos art. 37 e 71, excetuando: o regime jurídico de pessoal (que será celetista), os privilégios processuais e o juízo privativo; e a imunidade tributária.

 

 

Notas:
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* Autor Lecio Morais, assessor técnico, em 30 de outubro de 2007. As opiniões expressas no texto são de exclusiva responsabilidade do autor, não coincidindo necessariamente com a opinião da Liderança da Bancada do PCdoB ou de qualquer de seus deputados.

 

1. A exigência de paridade entre a contribuição do patrocinador e do participante, no setor público, é uma determinação constitucional (ver art. 202, § 3º, introduzido pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

 

2. valor médio será calculado entre as 80% maiores contribuições, desde julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência (ver art. 3º, § 2º do Projeto).

 

3. A assessoria da Liderança do PCdoB já realizou uma análise dessa nova forma de entidade pública, a chamada fundação estatal, em nota que examina o mérito do Projeto de Lei Complementar nº 92, de 2007, do Poder Executivo, e está disponível em
http://www.liderancapcdob.org.br/texto.asp?id=70.

 

4. Ver Paes, J. E. Sabo, “Fundações e Entidades de Interesse Social”, Brasília: Brasília Jurídica, 1999; pp. 34-36.

 

5. Em caso de dissolução, se não houver determinação expressa em seu estatuto, a destinação do patrimônio é decidida em decisão judicial, a partir de uma recomendação do Ministério Público (vedada, em qualquer caso, sua reintegração ao patrimônio do criador).

 

6. A representação paritária e a eleição direta dos representantes de participantes e assistidos nos dois conselhos é uma disposição da LC 108, de 2001.

 

7. A duração do mandato, possibilidade de recondução, assim como o voto de qualidade dos conselheiros-presidentes são prescrições da LC 108, de 2001.

 

8. art. 19, § 1º, da LC n.º 109, admite que a diretoria-executiva será composta, no máximo, por seis membros, definidos em função do patrimônio da entidade e do seu número de participantes, inclusive assistidos.

 

9. Em 11 de setembro passado, poucos dias depois do Projeto ser remetido à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo, a Deputada Alice Portugal fez questão de ordem a Mesa requerendo que esta devolvesse a proposição ao Poder Executivo por evidente inconstitucionalidade, como dispõe o Regimento Interno. Mas a Presidência negou provimento, alegando que a questão constituía apenas parte do Projeto de Lei, mantendo a distribuição da matéria para exame de mérito nas Comissões de Trabalho, de Seguridade e de Finanças e Tributação.

 

10. Fundos de investimento de Private Equity ou de Venture Capital têm por objetivo a aquisição direta de participação em empreendimentos cujas características de inovação tecnológica, de importância estratégica ou outras geram ganhos expressivos decorrentes de valorização de seus capitais ao tempo que cumprem a função macroeconômica de fornecer financiamento barato a investimentos produtivos estratégicos à economia nacional. No entanto, são investimentos financeiros de risco médio a grande e de resultados fortemente desiguais, o que inviabiliza ou pelo menos dificulta a formação de índices de referência aceitáveis.

 

11. Desde a reforma constitucional de 2003 (Emenda 41), não existe mais o benefício de aposentadoria integral; o valor desse benefício passou a ser calculado da mesma forma como é feito no RGPS, pela média contributiva da vida laboral (ou desde 1994), o que não permite mais que o benefício alcance o valor da remuneração na ativa. A diferença entre os dois regimes é que o teto é o valor da remuneração do servidor na ativa e não o teto vigente no RGPS.

 

12. Ver art. 8º da Lei 10.887, de 2004.

 

13. número de pensões continua a se elevar porque parte relevante delas decorrem da própria redução do estoque de

aposentadorias, que enseja a instituição desse tipo de benefícios derivados, geralmente para o cônjuge sobrevivente. O estoque de pensões também deve começar a declinar nos próximos anos.

 

14. Ver Anexo III.6 – Avaliação financeira e atuarial do RPPS dos servidores públicos civis da União, do Projeto  de Lei nº 2, de 2007 – diretrizes orçamentárias para elaboração da lei orçamentária de 2008.

 

15. Atualmente, os encargos patronais são registrados em uma conta específica da contabilidade da União. Se as duas contribuições formassem um fundo contábil seria uma opção mais transparente, mas dificuldades de dupla contagem devem ter inviabilizado essa escolha.

 

16. Para atingir 55% do total de servidores, considerou-se a adesão de: 50% dos servidores do Poder Executivo (com renda média 1,5 vez maior que a média total); 80% do Judiciário (com renda média 1,1 vez maior que a média total); e 90% do Legislativo (com renda média 1,1 vez maior que a média total).

 

17. Esse valor foi calculado com base nos dados de 2006, considerando-se como quantitativo de benefícios a soma de aposentadorias, e supondo estão acima do teto do RGPS: 30% dos benefícios do Poder Executivo; 70% dos do Judiciário; e 80% dos do Legislativo, totalizando 33% do total de benefícios.

 

18. Ver Stiglitz, Joseph. Conferência sobre novas idéias sobre a seguridade da terceira idade. World Bank. Washington, D.C.: 1999.

 

19. Não abordaremos aqui a questão da relação entre poupança e investimento, se a poupança é um recurso que antecede a poupança ou se lhe é posterior. Essa contenda teórica envolve argumentos que partem de pressupostos teóricos bastante diversos e não redutíveis entre si. A relação de causalidade poupança vs. Investimento é uma das principais divisoras de água entre as grandes correntes de escolas econômicas.  Acredito que tal discussão não caberia no contexto dessa nota.

 

20. Essa questão é discutida em Stiglitz, Joseph. Conferência sobre novas idéias sobre a seguridade da terceira idade. World Bank. Washington, D.C.: 1999.

 

21. Di Pietro, Maria S. Direito Administrativo, S. Paulo: Atlas, 12ª ed., pp. 361-362.

 

22. Di Pietro, Maria S., Direito Administrativo, S. Paulo: Atlas, 12ª ed., p. 362.

 

23. Emendas nesse sentido foram apresentadas pelo Deputado Chico Lopes (Emenda 51) e pela Deputada Alice Portugal (Emenda 56).

 

24. Ver Stiglitz, Joseph. Conferência sobre novas idéias sobre a seguridade da terceira idade. World Bank. Washington, D.C.: 1999.

 

25. Há uma limitação legal nesta proposta. Sendo a lei proposta da mesma hierarquia da LDO, essa não ficará vinculada a sua determinação, cabendo ao Congresso Nacional, a cada exercício, dar continuidade ao programa de investimento proposto.

 

26. Pode ser adotado o mesmo método de remuneração utilizado para aferir os ganhos da carteira de títulos federais do Banco Central e também de sua Conta Única naquela instituição. A remuneração é calculada segundo um mix de taxas de juros dos títulos do Tesouro Nacional  que compõem a carteira do Banco Central.