O Projeto de Lei Complementar 123, de 2004: o Super-Simples
O Projeto de Lei Complementar regulamenta matérias constitucionais relativas às pequenas e microempresas, enfeixando em um só diploma as questões referentes ao tratamento tributário essas empresas de pequeno porte, agora conhecido como Super-Simples (ou “Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas”). Assim, o PLP estabelece um regime único de arrecadação para essas empresas nas três esferas de poder (federal, estadual e municipal), institui as alíquotas únicas em que se consolidam todos os tributos (impostos e contribuições sociais, inclusive, a contribuição previdenciária patronal), bem como, também, a forma como tal alíquota será distribuída entre os tributos enfeixados.
Atendendo antigas reivindicações do empresariado – que pretende obter uma Lei que seja o Estatuto da Micro e Pequena Empresa – a matéria teve uma tramitação polêmica. A primeira proposição foi apresentada em 2003, mas sua tramitação nas comissões só foi concluída em 13 de dezembro último, com a aprovação unânime na Comissão Especial de um substitutivo, cujo texto representou um amplo acordo na Casa, embora conte com a oposição do Poder Executivo em vários de seus itens.
No entanto, o substitutivo da Comissão Especial (e também a subemenda aglutinativa de Plenário, do relator Luís Carlos Hauly, que pretende substituir o texto da Comissão) transformou o PLP em um Estatuto da Pequena e Microempresa, abrangendo – além do regime tributário especial do Super-Simples – muitos outros assuntos. Com o substitutivo (e a emenda aglutinativa global) a proposição passou a tratar também de acesso a mercado (Capítulo V, art. 42 a 50); de cumprimento de obrigações trabalhistas (Capítulo VI, seções I e II: art. 51 a 53, e art. 85); de estímulo ao crédito (Capítulo IX: art. 58 a 64) e processo judicial em direito civil (art. 75 e 76) e trabalhista (Capítulo VI, seção III: art. 54 e 55), ao Código Civil (Capítulo XI, art. 69 a 74); de renegociação de dívidas tributárias (art. 80); e até legislação previdenciária (art. 81 a 84) e de normas de fiscalização trabalhista, sanitária, ambiental e de segurança do trabalho (art. 6º e 7º, e Capítulo VII: art. 56). (A numeração de dispositivos refere-se à submenda aglutinativa global, de Plenário (do relator) – versão de 28/06/2006).
Por outro lado, o substitutivo também consolida normas já existentes, inclusive em relação à definição do que seja pequena empresa e microempresa e a definição dos novos tetos do SIMPLES de R$ 2,4 milhões e R$ 240 mil de receita bruta anual, respectivamente, ampliada pela MP 275, de 30 de dezembro (agora Lei 11.307, de 2006).
O grande problema do substitutivo (e da submenda aglutinativa global) é pretender ser a lei do Estatuto da Micro e Pequena Empresa, expandindo, em razão disso, em muito, a abrangência da matéria. Tal pretensão do substitutivo não condiz com o que o parágrafo único do art. 147 da Constituição manda regulamentar. Essa alargamento da abrangência suscita também muitas polêmicas ao inovar em matérias sem que não aplicação específica às micro e pequenas empresas, como as da legislação previdenciária.
O mais adequado seria – a bem da constitucionalidade e da técnica legislativa – retirar do substitutivo, todas essas matérias estranhas, restabelecendo o âmbito da Lei Complementar ao que manda o parágrafo único do art. 146 da Constituição: instituir regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Mas infelizmente, isso pode ser politicamente impraticável.
Além dessa questão preliminar de constitucionalidade e juridicidade, há no substitutivo uma série de problemas específicos relativos ao mérito (ou também à constitucionalidade) de determinados dispositivos, como tratado mais adiante. Porém os problemas mais graves – em especial os que afetavam os trabalhadores quanto a seus direitos do trabalho e previdenciários – foram em parte resolvidos ou amenizados pela emenda aglutinativa global a ser apresentado pelo relator em Plenário (versão de 07/06/2006).
1. Quanto ao regime tributário das micro e pequenas empresas
Na parte que propriamente lhe cabe – o regime tributário especial – a proposição tem dois grandes méritos: estabelecer regras comuns de arrecadação para as três esferas – o regime único de arrecadação de arrecadação – homogeneizando às práticas de administração tributária; e ampliar a abrangência do regime unificado para microempresas da área de serviços, elevando, em contrapartida, a alíquota única de tributação.
São as seguintes os pontos mais importantes do substitutivo, quanto à matéria tributária:
• consideram-se “microempresas ou empresas de pequeno porte, o empresário individual ou a sociedade empresária que exerçam as atividades empresariais previstas no art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro”, desde que tenham receita bruta anual de até para o enquadramento da no Super-Simples fica em R$ 2,4 milhões (para pequena empresa), e R$ 240 mil (para a microempresa) (art. 3º) (os mesmos valores estipulados para o Simples pela Medida Provisória 255/05, a MP do Bem);
• o regime tributário será gerido por dois órgãos, com competência, estrutura e funcionamento a serem definidos em ato do Poder Executivo Federal: o Comitê Gestor de Tributação das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte, composto por representantes da administração tributária do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para tratar dos aspectos tributários; e o Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, com a participação dos órgãos federais competentes e das entidades vinculadas ao setor, para tratar dos demais aspectos;
• fazem parte da alíquota o IRPJ, o IPI, a Cofins, a CSSL, o PIS-PASEP, o ICMS, o ISS, e as contribuições do Sistema S (art. 13);
• as pequena e microempresa que podem participar do Super-Simples são definidas por uma lista negativa (que exclui atividades, no geral, art. 17) e outra positiva (que exclui algumas atividades das vedações mais gerais, art. 17, § 1º). Os profissionais liberais (“atividades intelectuais de natureza técnica, científica, artística ou cultural”, art. 17, XI) – desde que tenham profissões regulamentadas – continuam excluídos do regime do Simples; essa exclusão atende aos problemas decorrentes para as relações de trabalho e previdenciária. No entanto, a lista positiva inclui diversas atividades novas como creches e escolas, serviços contábeis, oficinas de motocicletas e bicicletas, serviço de construção, informática e outros.
• a tabela de tributação do Super-Simples foi subdividida em 22 faixas, com a alíquota variando de 4% até 11,61% (art. 13). As faixas de receitas brutas anuais mais elevadas terão alíquotas superiores a atualmente vigente. Quando as empresas exercem atividades industriais as alíquotas da tabela serão acrescidas de 0,5%; para as atividades de serviço o acréscimo nas alíquotas será de 50% (alíquotas entre 6% e 23,22%). A tabela da MP 275 (agora Lei 11.307, de 2006), em vigor, tem uma tabela diferente, tendo uma alíquota máxima maior de 12,6% e concede ao INSS uma parcela maior da arrecadação – cerca de 60% do arrecadado – ficando a Receita Federal com os 40% restantes. A MP 275 também não amplia o regime especial para as atividades de serviços como faz o PLP;
• estabelece medidas de incentivo ao crédito às pequenas empresas, constituindo, inclusive, o “Sistema Nacional de Garantias de Crédito com o objetivo de facilitar o acesso das micro e pequenas empresas ao crédito e a demais serviços junto às instituições financeiras” (art. 61);
• o Sistema Nacional do SIMPLES será objeto de fiscalização concorrente entre as Receitas Federal, Estaduais e municipais, cada uma em sua respectiva competência (art. 33). A pretensão de centralizar apenas nas Secretarias da Fazenda estaduais e do Distrito Federal a fiscalização do Sistema Simples foi abandonada pelo relator. Também se manteve a competências das Justiça Federal e Estaduais para dirimir conflitos de interpretação e julgar as causas relativas a infração das normas do Super-Simples (art. 39), de acordo com os tributos. A desistência de centralizar a fiscalização e a prestação jurisdicional para os contribuintes do Sistema Simples acabou por fazer com que o substitutivo não se desincumbir da única atribuição que lhe dá o parágrafo único do art. 146, da Constituição: regulamentar o “regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Ou seja, tudo permanece como está;
• o art. 80 determina que as microempresas e empresas de pequeno porte que se tornem optantes do novo regime do Super-Simples, poderão ter seus débitos tributários (e também de seus sócios ou titulares), relativos a fatos geradores ocorridos até 31 de janeiro de 2006 ou aqueles débitos inscritos na dívida ativa, divididos em 120 parcelas mensais, iguais e sucessivas.
2. O substitutivo da Comissão Especial: as principais divergências na matéria tributária
Quanto às questões tributárias, há três problemas em maior evidência no substitutivo. O primeiro diz respeito às perdas de arrecadação, em especial, nos tributos federais. O segundo é quanto a partição da receita da alíquota única que pode ser prejudicial à Previdência Social. E o terceiro é quanto ao novo parcelamento de dívidas concedidos aos optantes do regime do Super-Simples.
Segundo o parecer o Super-Simples provocará uma perda de arrecadação de R$ 6,7 bilhões (cerca de 1% da arrecadação da União), concentrada quase totalmente nos tributos recolhidos pela Receita Federal. O Poder Executivo não concorda com esta cifra e argumenta que as perdas não são suportáveis pelo orçamento nem obedecem as normas de compensação estabelecidas na LRF. No entanto, para o relator, a perda além de relativamente reduzida, deverá ser em grande parte compensada pela diminuição da informalidade, já que a nova lei estimulará fortemente a formalização das pequenas e microempresas.
Quanto à receita do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o relator declara que este, assim como os estados e os municípios, praticamente não terão perda. Porém a avaliação de que não haverá perdas para a Previdência não é pacífica. E as perdas do INSS devem receber um cuidado especial, pois a questão do seu déficit assume dimensões políticas importantes, particularmente para os trabalhadores e para o Partido. Embora essa questão não seja atacada pelo Poder Executivo, é necessário se adotar nesse caso uma posição de defesa das receitas previdenciárias resguardando, em especial, o bem estar futuro dos trabalhadores, o que os resguardará de novas ameaças de perda de direitos em função de alegados défices.
Há um problema nas tabelas de alíquotas e de partição das receitas entre os governos porque a MP 275 já estabelece tais tabelas. Já houve uma convergência entre a tabela da subemenda aglutinativa relativa à partição da receita. Mas continua existindo uma pequena discrepância entre as tabelas de alíquotas das faixas, sendo a mais favorável para o contribuinte a tabela da subemenda aglutinativa. Assim, é preferível que esta última prevaleça sobre a da Medida Provisória 275 (agora Lei 11.307/2006).
A inclusão de atividades de serviços é uma grande preocupação. Além de causar perdas de receita previdenciária, a inclusão de serviços poderá afetar negativamente a formalização de contratos de trabalho ao facilitar a troca de vínculo empregatício dos postos de maior renda por relações contratuais com pessoas jurídicas fictícias. Mas as disposições contidas no substitutivo e subemenda aglutinativa parecem perfeitamente justas e equilibradas.
O novo parcelamento de dívidas tributárias (em 120 meses) é também um ponto contestado art. 76). A nova renegociação alcança todas as dívidas das empresas que possam integrar o novo regime tributário como também seus titulares ou sócios. Nesse caso por estabelecer um novo precedente que, mais uma vez, prejudica o contribuinte adimplente, oferecendo uma demonstração que, de fato, não vale a pena ter os compromissos tributários em dia, pois mais cedo do que tarde, haverá uma possibilidade de negociação e parcelamento. Desse modo, é necessário, em favor da moralidade e da boa conduta fiscal revogar ou, pelo menos, restringir essa nova renegociação de tributos, não incluindo nesse parcelamento os débitos já inscritos na dívida ativa.
A consolidação e a simplificação das regras de administração tributária para o novo SIMPLES de que trata este Projeto será um grande ganho para esses empreendedores e para toda a economia, dando um novo estímulo a toda a atividade econômica.
3. A regulamentação de matérias estranhas à proposição: inconstitucionalidade e injuridicidade
A primeira e principal objeção à inclusão de matérias estranhas – transformando o Projeto de Lei Complementar em Estatuto – é de ordem constitucional e jurídica. A exigência de lei complementar para regulamentar determinada matéria decorre direta e expressamente de mandato constitucional. É entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal – STF não poder o Poder Legislativo dar natureza de lei complementar a qualquer matéria para a qual a Constituição não a estabeleça expressamente; não sendo considerado, materialmente, lei complementar qualquer disposição nela contida que não decorra daquilo que expressamente a Constituição preveja para ser regulamentado por esse tipo de lei.
Ora, no caso deste PLP, a Constituição determina que uma lei complementar institua “um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” para as micro e pequenas empresas (art. 146, parágrafo único). É evidente que qualquer matéria que não diga respeito ao mandato constitucional expresso – criação do regime tributário único – neste PLP extrapola a competência do legislador e deve ser descartada liminarmente. Não pode pretender a Comissão Especial (seu substitutivo ou a subemenda aglutinativa) transformar a matéria original em outra de natureza de estatuto.
Uma segunda objeção de ordem constitucional diz respeito a diversas disposições feitas no substitutivo e que dizem respeito diretamente a autonomia tributária de Estados e municípios, como, por exemplo, a fixação de alíquotas de impostos estaduais (ICMS) e municipais (ISS). Evidentemente, não pode se pretender que o dispositivo da Emenda 42, de 2004, que autoriza a confecção da lei complementar tenha permitido à lei federal estabelecer alíquotas de leis estaduais e municipais. Mesmo que esta questão não tenha eco no Parlamento, certamente suscitarão no Judiciário inúmeras demandas e contestações.
Não bastasse o impedimento da Constituição (sua letra e interpretação do STF), o tratamento de matérias tão diversas em um só diploma também é vedado pela Lei Complementar nº 95, de 1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação e a alteração das leis. Não tendo uma lei natureza especial de estatuto ou código (codificação) – que só podem assumir a forma de lei ordinária – o inciso I do art. 7º da Lei Complementar citada veda que matérias diferentes sejam disposta em um mesmo diploma legal.
Assim, a pretensão do substitutivo em fazer do PLP uma lei estatutária – incluindo matérias estranhas, parte dela sequer conexa à matéria principal – além de ser constitucionalmente impertinentes, é também injurídica.
4. Problemas específicos de mérito do substitutivo (emenda aglutinativa) ao PLP
Além do argumento liminar de inconstitucionalidade e injuridicidade, existe para parte das matérias estranhas citadas, há também objeção quanto ao mérito ou quanto à inconstitucionalidade específica. Como o processo de negociação entre os líderes tem avançado, teremos como referência para o texto que será eventualmente votado em Plenário, o substitutivo com a redação que a ele será dada pela subemenda aglutinativa global, apresentada em 15 de março passado.
São os seguintes os principais pontos de divergência:
• As alterações na legislação trabalhista: art. 51 a 53 e art. 85 (Capítulo VI, seção II):
Há uma redução de obrigações trabalhistas de natureza acessória (art. 51 e 52) e dispensa as microempresas com faturamento inferior a R$ 36 mil anuais do pagamento de contribuições sindicais patronais e do adicional de 10% sobre o FGTS (financiamento do Acordo Judicial para pagamento da URV) (art. 53). As isenções e reduções promovidas no art. 53 somente poderão ser usufruídos por até três exercícios fiscais. O antigo inciso II do art. 48 que concedia para às microempresas com faturamento inferior a R$ 36 mil anuais um tratamento especial para obrigações trabalhistas permitindo que a contribuição do FGTS de seus empregados fosse reduzida foi suprimido pela submenda substitutiva global a ser apresentada pelo relator (versão 28/06/2006). Desse modo, essas alterações deixaram de ser um ponto de divergência da matéria.
Um problema grave ainda se apresenta no art. 85, que acrescenta um § 3º ao art. 58 da CLT. Esse art. 58 estabelece que o tempo de deslocamento do trabalhador para local de trabalho afastado ou de difícil acesso deve fazer parte da jornada de trabalho e, como tal, remunerado. O substitutivo pretende, com seu novo parágrafo, que no caso dos empregadores serem micro e pequenas empresas o acordo ou convenção coletiva poderá fixar um tempo médio para o deslocamento necessário do trabalhador, cabendo ainda ao acordo ou convenção determinar a forma e a natureza da remuneração dessa parte da jornada.
Embora possamos concordar com o estabelecimento do tempo médio de deslocamento, não é possível aceitar que o acordo coletivo possa também estabelecer “a forma e a natureza da remuneração”. Essa parte final do parágrafo 3º a ser introduzido na CLT fere a isonomia dos contratos de trabalho e dá uma abertura desmedida as soluções que podem ser implementadas, podendo inclusive significar poder ser acordado que essa parte de pagamento não terá natureza salarial ou que a mesma seja paga em vale-transporte ou outro meio assemelhado.
• As alterações na matéria processual do Trabalho: art. 54 e 55 (Capítulo VI, seção III):
Faculta à empresa ser substituída ou representada em juízo por terceiros (hoje apenas se houver vínculo trabalhista, a exemplo do gerente, ou societário). Essa possibilidade cria um quebra de isonomia pois essa faculdade não foi estendida ao trabalhador. Também foi reduzido o depósito prévio para interposição de recursos, que é uma importante conquista para evitar os recursos e medidas protelatórias.
A supressão desse dispositivo, especialmente o art. 50 (redução do depósito prévio) vem sendo objeto de muita pressão, especialmente por sindicatos e seus advogados, no entanto, ela tem sua razão de ser, pois a fixação de valor único desse depósito de recurso para empresas de todos os tamanhos é discriminatório para com as menores, prejudicando sua possibilidade de defesa na Justiça do Trabalho.
• Quanto às alterações em dispositivos relativos à fiscalização trabalhista, metrológica, sanitária, ambiental e de segurança (Capítulo VII, art. 56):
O art. 56 do substitutivo estabelece que, em caso de se constatar irregularidade (nas áreas citadas), só será possível a fiscalização lavrar infração em uma segunda visita (na primeira, com algumas exceções, só poderá ser feita advertência), mas a segunda visita é definida de tal forma que só será possível lavrar a infração depois de formalizado um “Termo de Ajustamento de Conduta” e quando se registrar reincidência de falta em relação ao termo de conduta; isto é, apenas cometida a mesma e terceira falta será possível lavrar o ato de infração.
Em primeiro lugar, o procedimento tem o inconveniente de estender aos fiscais o poder de negociar termo de ajustamento de conduta, procedimento mais próprio do Ministério Público. Em segundo lugar – mais grave – o procedimento já seria inaceitavelmente leniente se destinado à matéria tributária, mas ele regula também a ação da fiscalização sanitária, ambiental e de segurança, que envolve riscos iminente à saúde e à vida das pessoas. Não seria possível aceitar tamanha irresponsabilidade para com o interesse e o bem estar público.
Porém a submenda aglutinativa melhorou o dispositivo. Em primeiro lugar, suprime a estapafúrdia definição de primeira visita. Em segundo, estabelece que a natureza educativa da fiscalização só se aplica às atividades ou situações que não comportem grau de risco imediato, estabelecendo que os órgãos fiscalizadores listem tais atividades consideradas de risco. E em terceiro lugar, permite que a fiscalização do Trabalho faça autuações já na primeira visita, quando a infração se referir a falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho ou “na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização” (§ 1º).
Essas ressalvas feitas pela emenda aglutinativa são positivas e, na prática, limitam fortemente o texto original da Comissão Especial, atendendo no fundamental aos reclamos da fiscalização trabalhista. O que permite, a meu ver, a aprovação do art. 56.
• Quanto às alterações na legislação previdenciária: art. 81 a 84 (parte do Capítulo XIV – Disposições Finais):
O art. 81 dá nova redação ao art. 21, § 2º, da Lei 8.212, de 1991 (Plano de Custeio da Seguridade Social), reduzindo a contribuição previdenciária do segurado que trabalhe por conta própria ou facultativo, desde que esse contribuinte abra mão do direito à aposentadoria por tempo de contribuição; isto é, a aposentadoria seria por idade, aos 65 ou 60 anos, se homem ou se mulher. O objetivo da alteração é facilitar o acesso do contribuinte não-empregado à Previdência Social, porém a solução adotada, restringindo benefícios do regime geral, não é possível constitucionalmente.
O art. 201, § 1º, estabelece ser vedado “a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral da previdência social”. Ressalva-se dessa vedação apenas os casos em que sejam atendidas as atividades exercidas sob condições especiais (insalubres ou perigosas), o que não é o caso. Essas alterações do art. 81 são complementadas pelo art. 83 que altera o texto de dispositivos da Lei nº 8.213, de 1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social). Neste caso, não é possível aprovar os artigos 81 e 83 da emendas aglutinativa global, que devem ser expurgados do texto, por inconstitucionais.
A subemenda aglutinativa suprimiu o dispositivo (parte do art. 83 do substitutivo) que dava nova redação ao § 10 do art. 29 da Lei 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), estabelecendo que a percepção de auxílio-doença por parte do segurado da Previdência Social, caso ele já tenha cumprido a carência para o direito ao benefício, mas, por descontinuidade da relação de trabalho, no momento da concessão, tenha menos de doze contribuições mensais, o valor do benefício será proporcional (em doze avos) ao número dessas últimas contribuições. Essa supressão foi um grande ganho na negociação, pois a alteração seria extremamente danosa aos trabalhadores segurados da Previdência Social.
• Alteração do Código Civil (art. 931, 1022 a 1024 e outros): natureza do “empresário individual” (art. 70 na subemenda aglutinativa):
O art. 67 do substitutivo estabelece “responsabilidade patrimonial limitada ao montante de capital” para aqueles empresários que venham a constituir “pessoa jurídica unipessoal”, excetuando apenas as dívidas tributárias. Tal “responsabilidade limitada” seria mantida “mesmo na hipótese de desenquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte” (art. 67, § 2º, no substitutivo da Comissão Especial).
A subemenda global a ser apresentada (redação de 07/06/2006) alterou muito a redação do dispositivo, ficando mais de acordo com o restante do Código Civil. Agora, ela limita a responsabilidade em dívidas “aos bens e direitos vinculados à atividade empresarial” apenas para os empresário (individual) enquadrado como pequenas ou microempresas (art. 70).
A disposição tem um bom propósito, mas sua exeqüibilidade é difícil, pois pode acontecer fortes disputas de interpretação quanto ao que seja “aos bens e direitos vinculados à atividade empresarial” no patrimônio pessoal do empresário individual. Essa incerteza quanto a segurança do crédito pode terminar por prejudicar os próprios empresários na medida em que a concessão de crédito comercial pode ser restringida. Créditos privilegiados como os trabalhistas e alguns decorrentes de relações de consumo também serão prejudicados.
5. Sugestão de voto
A matéria tem um mérito indiscutível e deve ser objeto de todo esforço para se viabilizar sua votação. Infelizmente, a tentativa de lhe dar abrangência de estatuto (ou de “lei geral” como a apelidam) implica a iniciativa em diversas transgressões constitucionais, carregando-a também de conflitos desnecessários.
No entanto, devido a dimensão política que assume a proposição acreditamos que as questões constitucionais – cujo debate e solução reduz em muito o impacto da legislação pretendida – acredito ser mais oportuno que sua solução se dê, posteriormente, no âmbito do próprio Poder Judiciário.
Devido também ao mérito geral da proposição e ao esforço de negociação que tem melhorado bastante as disposições mais problemáticas, sugerimos sua aprovação – nos termos da subemenda aglutinativa global a ser apresentada pelo relator, em Plenário. Mas tal aprovação não excluir o esforço para destacar questões pontuais importantes da matéria, seja para melhorá-las ou suprimi-las, como segue (numeração dos dispositivos está de acordo com a subemenda aglutinativa global, do relator, versão 28/06/2006):
(a) Alterações relativas à legislação trabalhista:
No art. 85, que altera o art. 58 da CLT, permitindo que acordo coletivo fixe um tempo médio para o deslocamento de trabalhadores e ainda estabeleça “a forma e a natureza da remuneração” dessa parte da jornada:
Sugestão: supressão da expressão final do § 3º: “bem como a forma e a natureza da remuneração”; a expressão viola a isonomia dos contratos de trabalho estabelecida pela CLT;
(b) Alterações relativas à fiscalização do trabalho:
No art. 56, que estabelece natureza educativa às fiscalizações:
Sugestão: supressão da referência à fiscalização trabalhista no caput e da expressão “salvo quanto for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação na Carteira de Trabalho e Previdência”, no § 1º (por conexão);
(c) Alterações relativas à legislação previdenciária:
No art. 81, que altera o art. 21 da Lei 8.212/1991 (benefícios da Previdência Social), criando um regime especial de “inclusão” previdenciária, reduzindo de 20% para 11% a alíquota de contribuinte individual (conta própria) que optar por contribuir apenas sobre um salário-contribuição (igual ao salário mínimo) e aceite ser excluído do direito à aposentadoria por tempo de serviço (só terá aposentadoria por idade (65 ou 60 anos, se homem ou se mulher).
Sugestão: supressão do art. 81 (e o art. 83, por conexão); além de estranha ao corpo da lei complementar, a “inclusão” proposta é inconstitucional, violando a vedação expressa no § 1º do art. 201 da Constituição. Para melhorar a inclusão da população à Previdência Social é preferível que se dê a questão um tratamento mais amplo em Projeto de Lei específico, que aproveite as diversas propostas de inclusão previdenciária atualmente em tramitação na Casa (inclusive o Projeto de iniciativa da Bancada do PCdoB).
Encaminhamos, assim, a aprovação do PLP, nos termos da subemenda aglutinativa de Plenário (versão 28/06/2006), ressalvados os destaques sugeridos acima.