A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) me concedeu um dos conhecimentos mais profundos e universais que qualquer ser humano pode ter acesso, a medicina. Procuro rememorar isso na semana em que se comemora o Dia do Médico (18 de outubro). Em suas salas de aula enormes e recheadas de alunos ávidos, ali em Vila Isabel, assim como em seu hospital escola, recebi o conhecimento profissional que desempenhei até o início da década de 90, quando fui eleita para o Parlamento brasileiro.

Mas o que mudou meu jeito de ver a vida e ampliou minha capacidade de enfrentar a adversidade estaria há mais de 3 mil quilômetros de distância.

Foi no calorão da Amazônia, participando do Projeto Rondon, que esbarrei na realidade nua e crua da saúde pública brasileira. Em equipes espalhadas em Parintins, no interior, cuidávamos de famílias inteiras. Tratávamos tudo que era possível. Até as coisas mais simples, como verminoses, eram recidivadas pela falta de água potável. O rio era a fonte das crianças para matar a sede.

No início do atendimento dos pacientes como médica, no Rio, aprendi que ninguém pode ser tratado sem que sua vida, seu contexto social e suas emoções sejam consideradas. Presenciei muitos com uma simples dor de cabeça, alguns com crise hipertensiva e outros pela falta de alimento. Como também pude assistir muitos voltarem para o hospital por falta de dinheiro para comprar um remédio.

O médico deve ser um ser tecnicamente competente, ter amplo acesso à tecnologia, mas socialmente sensível sempre e conectado com o ambiente social e o cotidiano do seu paciente. No juramento de Hipócrates, que diversos colegas meus e milhares de profissionais repetiram por aí, dizemos: “Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência”. É o lema que rege a medicina, essa arte tão nobre.

A realidade da década de 80 é diferente hoje. Após a redemocratização e longo período do regime militar, passando pela década de 90 de duro governo neoliberal, o cenário avançou. Muitas carências foram solucionadas, como programas criados e mantidos pelos governos Lula e Dilma, a exemplo da Farmácia Popular, o Mais Médicos, o Mais Especialidades e a luta por melhor financiamento e gestão do Sistema Único de Saúde.

Acredito, no entanto, que é preciso valorizar a carreira pública do médico para fortalecer toda a estrutura do SUS. Que o médico, seja na carreira ou em sua formação, precisa ter capacitação e remuneração adequados com sua prática, ampliando desta forma a cobertura da Atenção Básica, e da média e alta complexidade nos rincões de nosso país. Isso deve ser defendido por todos nós, profissionais de saúde.

Cuidar das pessoas é o objetivo daqueles que escolheram esta profissão. Difícil e emocionante estrada, onde a luta é pela vida. O médico é cidadão do mundo e dos outros, e para compreender toda a complexidade da existência "é preciso se sujar de mundo" (Eduardo Passos e Virgínia Kastrup). Esta é a nossa arte.

Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB na Câmara dos Deputados