Com o envio da proposta de Reforma da Previdência ao Congresso, o governo Bolsonaro rasgou a fantasia e escancarou para o país seu verdadeiro caráter: um governo dos ricos e para os ricos.

Atenção, atenção classe média e remediados em geral: você que ganha um bom salário, que tem casa própria e se aperta para pagar o convênio médico e a escola bilíngue do filho não é rico e também vai ser prejudicado se a proposta do governo for aprovada.

Diversos pontos do texto evidenciam que a escolha foi descontar os ditos desequilíbrios do sistema principalmente nas costas do andar de baixo, a começar pela idade mínima e o aumento do tempo de contribuição, duas perversidades que dificultam o acesso à aposentadoria para a população mais pobre.

Nas famílias mais humildes, a regra é que os filhos comecem a trabalhar muito cedo para ajudar no orçamento de casa, em geral em trabalhos informais ou domésticos – logo, sem registro em carteira e recolhimento da contribuição. Pois serão justamente esses os brasileiros que terão de trabalhar mais para acessar o benefício, seja pela idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, seja pela elevação para 20 de recolhimento como condição ou ainda os escandalosos 40 anos de contribuição para conseguir o benefício integral.

Essa é a lógica principal da reforma de Bolsonaro: dificultar de todas as formas o acesso da grande massa popular à aposentadoria, aspecto em que Bolsonaro copia a proposta de Michel Temer.

É verdade que a expectativa de vida tem subido e isso tem impacto nas contas, obviamente. Mas não são levadas em conta as desigualdades sociais e regionais que ficam camufladas pela frieza estatística. Segundo o IBGE, a expectativa de vida média no Brasil é de 76 anos, número que cai para 72 anos se considerados apenas os homens, que morrem mais cedo. Em Santa Catarina chega-se em até 79 anos, mas no Maranhão a média cai a 70 – quase 10 anos de diferença!

A brutal desigualdade fica ainda mais evidente quando se contrapõem números gerais com específicos. O Mapa da Desigualdade de 2017 mostra que, dentro da cidade de São Paulo, há um abismo entre ricos e pobres: a idade média ao morrer no Jardim Paulista (região dos Jardins) é de 79,4 anos, enquanto no Jardim Ângela, periferia da Zona Sul, é de apenas 55,7 anos. Em outras palavras, a “nova Previdência” de Bolsonaro não chega no Jardim Ângela.

Outra questão é que em um mercado tão precarizado, com alta rotatividade e empregos temporários como é o nosso, é tarefa bastante difícil para grande contingente da população somar 20 anos de carteira assinada, que dirá os 40 anos para conseguir o benefício integral.

Requinte de crueldade, Bolsonaro quer tungar a pensão das viúvas, passando para 60% do valor, e o Benefício de Prestação Continuada dos idosos, desvinculando-o do salário mínimo para iniciar em míseros R$ 400.

Como bem alertou o governador do Maranhão, Flávio Dino, a proposta de reforma de Bolsonaro embute ainda uma armadilha que pode desconstitucionalizar futuras alterações na Previdência – ou seja, outras “reformas” vindouras não precisariam de maioria qualificada no Congresso, a partir de Emendas Constitucionais, podendo ser aprovadas por maiorias simples no legislativo. O objetivo é deixar uma possibilidade para o sistema financeiro, a qualquer tempo, fazer do regime de capitalização (poupança individual) obrigatório, o que acabaria com a Previdência pública.

Ainda há outros aspectos na reforma que devem ser abordados em outras ocasiões, como é o endurecimento das regras para os servidores públicos, que são chamados a pagar a conta do déficit como se fizessem parte de categoria privilegiada e homogênea, quando sabe-se que são algumas poucas as carreiras do funcionalismo que contam com altos salários e aposentadorias. Ou ainda as mudanças que afetam os trabalhadores rurais.

Tudo somado, caso seja aprovada – e a oposição lutará com todos os meios para que isso não se concretize -, a Emenda Constitucional apresentada ampliará a miséria, dificultará ou inviabilizará o direito de milhões de pessoas e afetará negativamente regiões já empobrecidas e que têm nos recursos de aposentados e pensionistas o principal dínamo econômico, ampliando as desigualdades regionais.

Por isso, a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro configura um forte ataque ao direito de proteção à velhice e ao Estado social que inspirou a Constituição de 1988. É o governo dos ricos acabando com a aposentadoria dos pobres.

*Deputado federal por São Paulo e líder do PCdoB na Câmara.