No dia em que a pandemia do coronavírus totalizou 2.201 casos confirmados e 46 mortes no país, Jair Bolsonaro fez um dos mais escandalosos e irresponsáveis discursos de um presidente brasileiro. Não por acaso, nos cinco minutos de pronunciamento presidencial em cadeia nacional de rádio e TV nesta terça-feira (24), inúmeras cidades do Brasil voltaram a ter “panelaços” – pelo oitavo dia seguido e o repúdio à sua fala foi geral.

“É estarrecedor!”, resumiu a presidenta do PCdoB e vice-goveradora de Pernambuco, Luciana Santos. “Depois de um dia inteiro de medidas que pareciam demonstrar algum tipo de racionalidade para lidar com a pandemia, o presidente Bolsonaro, em pronunciamento, persiste num caminho que ameaça a vida dos homens e mulheres do nosso país. É preciso continuar firme com as medidas implantadas pelos governadores do Brasil, e que têm apresentado resultados positivos, em todo o mundo, na prevenção ao coronavírus e na garantia do emprego e da renda.

As críticas também foram feitas em peso pela bancada do PCdoB na Câmara. Para a líder da legenda, deputada Perpétua Almeida (AC), Bolsonaro, mais uma vez, demonstrou seu despreparo para comandar o país. “Um desequilibrado. Induziu o povo ao suicídio: “sair às ruas e voltar à normalidade”. Bolsonaro se mantém no fio da navalha, ou, como ele prefere, “no cano do revólver” ao apostar no conflito, atacando os governadores e a imprensa e mandando recado desrespeitoso ao médico Dráuzio Varella. Voltou a reiterar que seria uma “gripezinha” e que a imprensa alardeou por conta das mortes na Itália, na opinião dele “um país que tem muitos velhinhos”, pontuou.

Em cadeia nacional, Bolsonaro minimizou os riscos de contaminação da doença, criticou o confinamento em massa, defendeu a circulação normal do transporte público e criticou o fechamento temporário de escolas, comércios e fronteiras. De forma demagógica, tentando responsabilizar governadores e prefeitos pelos impactos econômicos decorrentes da necessária quarentena, o presidente falou em “histeria” e blefou com a população.

“Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e confinamento em massa”, tergiversou Bolsonaro, minimizando os riscos à saúde e à própria vida dos brasileiros. “Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade”, defendeu o presidente.

Para o deputado Orlando Silva (SP), o discurso de Bolsonaro foi estarrecedor e criminoso. “O presidente quer levar o país ao colapso e terá responsabilidade direta pelo aumento das mortes que vier a ocorrer. É imperativo seguir as evidências médicas e salvar a população”, declarou. Para Orlando, ao defender "vida normal" diante de uma pandemia como o mundo vive, Bolsonaro assumiu uma “posição de genocida”.

“Bolsonaro não foi apenas oligofrênico em seu disparatado pronunciamento, ele também cometeu crime ao chamar as pessoas a voltarem à vida normal. Voltou a criticar governadores que ontem elogiou, atacou absurdamente a mídia”, completou o deputado.

O presidente declarou que a grande mídia errou ao comparar o Brasil à Itália. “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão, espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com clima totalmente diferente do nosso.” As estatísticas oficiais – ou seja, do próprio governo federal – indicam que a curva de expansão do coronavírus não apenas se assemelha à da Itália, como em alguns segmentos, o ritmo de avanço da pandemia entre brasileiros é maior do que entre italianos. 

A fala presidencial, no entanto, não apresentou nenhuma nova medida para enfrentar os efeitos perversos do coronavírus. Ao defender a reabertura de escolas, Bolsonaro alegou, ardilosamente, que apenas pessoas acima dos 60 anos de idade estão no grupo de risco e insinuou não haver risco de morte por Covid-19 para quem tem menos de 40 anos. A informação é falsa. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), há registro, sim, de morte de crianças e jovens, em diversos países, por conta da Covid-19.

Os deputados do PCdoB classificaram em uníssono como “criminosa” a fala de Bolsonaro. Renildo Calheiros (PE) e Jandira Feghali (RJ) reiteraram os problemas da fala de Bolsonaro e reforçaram que o presidente ameaça a vida dos brasileiros com tal discurso.

“Bolsonaro é desprezível. É inacreditável que ele vá à TV defender o fim do isolamento, uso de medicamentos sem testagem, atacando imprensa, pedindo volta de jovens às escolas para alastrar contaminação. É uma fala criminosa e ainda desautoriza as ações do seu ministério. O Ministério da Saúde segue corretamente as normas mundiais da OMS, mas o presidente criminoso vai para cadeia de rádio e TV defender fim de quarentena. Ele quer matar o povo brasileiro?”, questionou Jandira.

“Que psicopatia faz Bolsonaro ter esse desejo de ver o povo exposto ao coronavírus? Nenhum respeito pelos mortos até aqui. Nenhuma preocupação com tantos outros que morrerão. Quanta malvadeza! Quanta crueldade”, afirmou o deputado Márcio Jerry (MA).

Sem apresentar evidências, o presidente afirmou que 90% da população não terá qualquer manifestação da doença, caso se contamine. Só omitiu que, mesmo se apenas 10% da população brasileira for atingida, esse contingente equivale a mais de 2,1 milhões de pessoas. O Sistema Único de Saúde (SUS), sem condições de enfrentar essa demanda, ainda que dispersa por quatro ou cinco meses, teria superlotação e crise.

A fala presidencial ainda teve ataques velados ao médico Dráuzio Varella, colaborador da TV Globo. Recorrendo à fake news que descontextualiza uma fala do médico, Bolsonaro afirmou que, por ter “histórico de atleta”, não desenvolveria sintomas da Covid-19, mas, sim, “uma gripezinha”, “um “resfriadinho”.

“Bolsonaro insiste em tratar o coronavírus como uma "gripezinha". Já são 46 mortes no país e até agora não temos um plano de governo pra enfrentar essa crise. Presidente genocida”, criticou a deputada Alice Portugal (BA).
O deputado Daniel Almeida (BA) também lamentou a postura de Bolsonaro. “A vida dos brasileiros está em risco, a ameaça do coronavírus é real. Não vamos admitir mais esse absurdo”, disse.

Panelaço

Pelo oitavo dia seguido, Bolsonaro enfrentou protestos da população. Durante seu pronunciamento, panelaços foram ouvidos em diversas cidades brasileiras.

Para a deputada Professora Marcivânia (AP), os protestos são uma resposta dos brasileiros, que “já não suportam mais tamanha desfaçatez e descaso” com o momento vivido pelo no país.

Segundo ela, mais uma vez, Bolsonaro se prender “a fazer gracejos e incitar rivalidades”. “Nada que indique a liderança necessária que os brasileiros anseiam e precisam. Os brasileiros já não suportam mais tamanha desfaçatez e descaso com o momento em que vivemos. Como resposta, foram ouvidos diversos e sonoros panelaços em vários lugares do Brasil. O Brasil precisa é de um líder que lidere com medidas efetivas”, disse.