A Esplanada dos Ministérios foi colorida pelo lilás das Margaridas nesta quarta-feira (14). Em sua 6ª edição, a Marcha das Margaridas reuniu este ano 100 mil trabalhadoras do campo, das florestas e das águas em defesa de seus direitos e contra os desmontes do governo de Jair Bolsonaro. É a primeira vez que o grupo não traz uma pauta a ser entregue ao governo, mas uma plataforma política, onde aponta o modelo de sociedade que as mulheres defendem.

Com palavras de ordem, faixas e camisetas, as participantes da Marcha demonstravam seu descontentamento com os rumos do governo em diversas áreas.

“Não dá para negociar com governo que retira direitos. Por isso, este ano apresentamos uma plataforma que anuncia qual é o modelo de sociedade que as mulheres defendem. Esse documento tem a cara das mulheres de todo o Brasil”, afirma a coordenadora da Marcha, Mazé Morais, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). “O projeto de Brasil pelo qual lutamos é feminista e agroecológico, e que se coloca contra o sistema capitalista, sexista, racista, que reproduz profundas desigualdades no Brasil e no mundo e tem se aprofundado na atual conjuntura diante de um governo da extrema direita que se apoia num modelo econômico neoliberal e de valores conservadores”, completou.

O documento, produzido a partir de diálogos e debates com mulheres da base, reafirma a defesa de temas como a terra, a água, as práticas agroecológicas, as políticas de educação e saúde, o combate à violência de gênero, além da Previdência Social, hoje no centro da principal queda de braço no Congresso Nacional.

O ato, que acontece desde 2000, conta com a participação de agricultoras familiares, ribeirinhas, quilombolas, pescadoras, extrativistas, camponesas, quebradeiras de coco, trabalhadoras urbanas e dos movimentos feministas e de mulheres indígenas. Elas saíram cedo do Parque da Cidade rumo ao Congresso Nacional, ocupando uma das principais vias de acesso da capital com seus cantos e protestos. Em frente ao Poder Legislativo recebeu o apoio de parlamentares progressistas.

A Bancada do PCdoB se fez presente no evento. Para a líder da Minoria na Câmara, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o protagonismo das mulheres nesta semana de luta foi um alento. “São mulheres do Brasil inteiro que trazem reivindicações desde a luta contra a violência até a educação, tendo a reforma agrária como bandeira central. São mulheres no comando e no protagonismo dessas batalhas. Mesmo com a elevada morte no campo é como se fizessem crescer mais margaridas”, afirmou.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da Minoria, falou sobre a importância da luta popular contra os retrocessos. “Estamos aqui mais uma vez e estaremos aqui quantas vezes forem necessárias para levantar nossas vozes contra esses desmontes. Esse que leva a faixa presidencial não gosta de pobre, de nordestino. Não gosta das mulheres e entrega o Brasil para Trump, para quem bate continência. Mas esse presidente boca suja terá que engolir a força das Margaridas e da luta popular, pois juntas vamos construir a resistência”, disse.

Já o vice-líder da bancada comunista, deputado Márcio Jerry (MA) afirmou a luta popular precisa se inspirar no protagonismo das mulheres. “Temos que aprender com o vigor das mulheres do Brasil. Essa foi a lição que nos deixou a 6ª Marcha das Margaridas.”

Margaridas x Congresso

Para os comunistas, a Marcha não poderá ser ignorada no Congresso. “É uma das principais manifestações de rua neste momento no país, com a organização e a participação das mulheres. A pauta compartilha os valores da democracia e a luta pela preservação de direitos. Por essa razão, tem grande potencial para interferir nas votações do Congresso Nacional. Com certeza, já impacta e impactará cada vez mais para que possamos garantir vitórias no Plenário”, apontou o líder do PCdoB na Câmara, deputado Daniel Almeida (BA).

Jandira Feghali compartilha a opinião do correligionário. Para ela, o Parlamento não poderá ignorar as vozes das ruas, ainda que não tenha uma pauta que dialogue com as demandas das Margaridas.

“Não é possível uma insensibilidade a esse protagonismo de mulheres do Brasil. Há uma pauta imensa, que vai da questão da terra, até educação, passando por violência no campo, democracia. O Congresso tem que olhar essa pauta e os projetos em tramitação, tem que ampliar recursos. É isso vamos levar para a Câmara. As mulheres vão assumindo o protagonismo das pautas nacionais, mesmo com o governo fazendo de conta que não existe. Vamos ter que puxar pelo Congresso para pressionar o governo a mudar sua política ou, no mínimo, parar de prejudicar o povo brasileiro”, afirmou.

Carta de Lula

Durante o ato, Fernando Haddad leu uma carta do ex-presidente Lula às Margaridas. Na mensagem, Lula saúda a Marcha e diz que gostaria de estar ao lado das Margaridas mais uma vez.

“Mesmo que eles coloquem paredes para me impedir de estar aí fisicamente, continuamos juntos, lado a lado, nessa marcha. Esse momento difícil de hoje passará. Ele não é fim da nossa caminhada. Ele é apenas uma pausa na construção do Brasil que queremos: justo, com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência. O povo brasileiro voltará a ser tratado com o respeito que merece. As mulheres da nossa terra voltarão a ter o respeito e carinho que merecem. O ódio não vencerá o amor. O medo não vencerá a esperança. A grosseria não vencerá a solidariedade”, escreveu.

Segundo o ex-presidente, o Brasil é governado atualmente “pelo ódio e loucura daqueles que falam fino para os poderosos, mas fingem-se de valentes contra os indefesos”.

A mensagem de Lula foi recebida com entusiasmo pelas manifestantes, que não tardaram a pedir a liberdade do ex-presidente.

Confira a íntegra da carta.

“Queridas Margaridas,

Fiquei muito feliz em receber a carta de vocês, e saber que a Marcha das Margaridas segue forte, na luta por mais direitos e um Brasil mais justo para as mulheres do campo, das florestas e das águas.

Estávamos começando a construir um país melhor, com inclusão social, um país filho da democracia, da liberdade de pensar, de falar, de se organizar e escolher seus governantes. Um país onde nenhuma mãe teria o sofrimento de não ter o que dar para o seu filho comer. Onde a energia elétrica chegue em todas as casas. Onde quem quer trabalhar no campo tenha terra para plantar, apoio para a colheita e a venda dos frutos do seu trabalho. Onde as famílias tenham casa própria. Onde os jovens tenham oportunidade de estudar, de fazer uma faculdade ou um curso técnico. Onde as pessoas tenham oportunidade de emprego e vida digna. Onde as mulheres estejam protegidas da violência doméstica pela Lei Maria da Penha. Onde as pessoas possam sorrir.

Para cada objetivo desse, da dignidade que nossa Constituição promete ao nosso povo, criamos programas sociais, políticas públicas, ouvindo a população, movimentos sociais e especialistas. Bolsa Família, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Reforma Agrária, Cisternas, Programa de Aquisição de Alimentos, apoio para cooperativas agrícolas e de extrativismo, Prouni e FIES, Brasil Sorridente, valorização do salário mínimo. Todos no mesmo sentido e objetivo: cuidar e promover a dignidade do povo brasileiro, nossa soberania, solidariedade, dignidade e independência.

Simples, não? Mas cuidar de quem precisa parece que incomoda certas pessoas.

Procuramos governar com a generosidade de uma mãe, que cuida de todos, protegendo os mais fracos. Agora o Brasil é governado pelo ódio e loucura daqueles que falam fino para os poderosos, mas fingem-se de valentes contra os indefesos.

Por isso mesmo eu quero muito cumprimentar a coragem verdadeira dessa marcha que leva as mulheres do campo para verem e serem vistas pelos poderosos de Brasília. Olhem bem para eles. E que eles enxerguem o povo da nossa terra a quem devem respeito, para quem deviam trabalhar e proteger a nossa soberania.

Queria estar com vocês mais uma vez na marcha. Será que outros presidentes que não os do PT marcharam com as mulheres do campo? Mas mesmo que eles coloquem paredes para me impedir de estar aí fisicamente, continuamos juntos, lado a lado, nessa marcha.

Esse momento difícil de hoje passará. Ele não é fim da nossa caminhada. Ele é apenas uma pausa na construção do Brasil que queremos: justo, com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência.

O povo brasileiro voltará a ser tratado com o respeito que merece. As mulheres da nossa terra voltarão a ter o respeito e carinho que merecem. O ódio não vencerá o amor. O medo não vencerá a esperança. A grosseria não vencerá a solidariedade.

Obrigado pelo abraço, pelo carinho. Sigamos em frente, sem medo de sermos felizes. As margaridas chegaram e eles não tem como deter a primavera.

Viva as Margaridas!
Viva o Brasil!
Viva o Povo Brasileiro!

Luiz Inácio Lula da Silva”