Após quase 9 horas de obstrução, discussão e muitas manobras do presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), Felipe Francischini (PSL-PR), a base do governo conseguiu avançar na tramitação da Reforma da Previdência no colegiado. Por 48 votos contra 18, os parlamentares aprovaram o relatório do deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG) pela admissibilidade da proposta, ressalvados quatro pontos apresentados em complementação de voto nesta terça-feira (23).

A votação, que aconteceu à revelia de partidos da Oposição, só avançou após sucessivos atropelos encabeçados pelo presidente do colegiado. Um dos casos mais polêmicos aconteceu já no início da noite, quando Francischini ignorou as assinaturas recolhidas pela Oposição para suspender a sessão.

Partidos como PCdoB, PT, PDT, PSB e PSOL recolheram 105 assinaturas para tentar travar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 até que os dados relacionados ao impacto da reforma, que foram considerados sigilosos pelo governo, fossem liberados. Assinaturas foram questionadas e mesmo depois de reconhecidas foram ignoradas pelo aliado de Bolsonaro.

“Estamos fazendo uma votação fora dos mandamentos constitucionais. Temos na Casa um instrumento constitucional que foi desrespeitado. É muita pressa para levar o povo à indigência. É um absurdo que se vote desrespeitando a Constituição”, criticou a líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Segundo o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ao violar o texto constitucional, o presidente da CCJC só deixou um caminho à oposição: o protocolo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. “Nossa Constituição foi violada.

Infelizmente, o Parlamento renunciou a uma de suas competências e vocês só nos deixaram um caminho”, anunciou.

A ação no Supremo foi reafirmada pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE). Segundo ele, o PCdoB “vai ao Supremo contra a decisão tomada na CCJC e vai lutar contra a aprovação da proposta na comissão especial”.

Os embates foram assistidos de perto, em muitos momentos, pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Defensor do avanço da proposta, Maia abdicou de deferir o pedido da Oposição para deixar a PEC avançar. Sua presença no colegiado marcou o alinhamento com o governo na pauta.

Ainda assim, a vice-líder da Minoria, a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), fez questão de reforçar a ilegalidade da reunião. “O sigilo sobre os estudos da Reforma da Previdência tem um único objetivo: esconder da população de que não há necessidade desta reforma. Os estudos comprovam que o déficit da Previdência é uma mentira. Estamos assistindo a um espetáculo para justificar o avanço dessa PEC. É uma reforma cruel aos brasileiros! E essa é uma reunião ilegal”, apontou.

Acordo com centrão

Além das manobras, o avanço da matéria só foi possível após acordo entre governo e centrão – o que ocasionou a troca de membros no colegiado para votação da PEC.

Cinco deputados foram trocados por PTB, Solidariedade, PR e PSD. Destes, três do Norte e Nordeste – regiões com maior resistência às mudanças nas regras de aposentadoria – foram trocados por parlamentares da região Sul. Do PSD, por exemplo, foi retirado Expedito Netto (RO). O deputado vinha demonstrando desconforto com a possibilidade de votar favorável à reforma, e foi substituído por Reinhold Stephanes Jr. (PSD-PR). Outros partidos também colocaram deputados conhecidos por serem a favor da proposta na comissão: no PR, por exemplo, entrou o gaúcho Giovani Cherini no lugar do cearense Júnior Mano.

Algumas trocas, no entanto, não foram motivadas, supostamente, por posicionamentos políticos. De acordo com o PR, o deputado Josimar Maranhãozinho (MA) foi substituído porque não chegou do estado a Brasília. Não é incomum, no entanto, que parlamentares contrários às propostas não compareçam às sessões, forçando assim uma substituição.

A mudança de membros de comissão é um instrumento usual de partidos. Em 2017, o PR decidiu trocar parlamentares da CCJ para ajudar a barrar a segunda denúncia apresentada contra o então presidente Michel Temer (MDB).

Mudanças no relatório

O relator da proposta, deputado Delegado Marcelo Freitas, anunciou a retirada de quatro trechos do seu parecer, favorável à constitucionalidade do texto.

O objetivo das mudanças no voto são atender a uma demanda de partidos do bloco conhecido como Centrão, especialmente PP e PR.

Sem os votos necessários para garantir a aprovação do texto, o governo teve que ceder em alguns pontos. A negociação sobre alterações no texto vinha ocorrendo desde a semana passada. No entanto, pontos sensíveis como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural ficaram de fora das alterações.

Freitas alterou o trecho que tratava do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço a aposentados. A proposta retirava a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado e do pagamento da multa de 40% na rescisão contratual em caso de demissão desses trabalhadores. Ou seja, se uma pessoa trabalhasse por 30 anos, se aposentasse e continuasse trabalhando por mais 5 anos, não receberia mais a multa indenizatória nem teria direito a novos recursos do FGTS.

Outro trecho alterado foi a competência da Justiça Federal para ações contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pela proposta, as ações contra a União poderiam ser feitas apenas nas seções judiciárias em que o autor tivesse domicílio ou que houvesse ocorrido "ato ou fato" que tivesse dado origem à tal demanda. Com a retirada desse item, as ações contra a União continuam podendo ser feitas na Justiça Federal.

O relator também retirou a definição de aposentadoria compulsória da Constituição, transferindo mudanças para lei complementar. O dispositivo permitiria definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos por meio de lei complementar, que exige quórum mais baixo do que uma proposta de emenda constitucional. Recentemente, a idade máxima foi elevada de 70 para 75 anos, o que permitiu que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de outros tribunais ficassem mais tempo no cargo. A brecha facilitaria uma mudança na composição dos tribunais superiores pretendida por aliados do governo para aumentar a influência sobre o Judiciário.

O último ponto alterado foi a possibilidade de as mudanças nas regras previdenciárias serem feitas por meio de projeto de lei complementar. O dispositivo que deixaria apenas nas mãos do Executivo federal a possibilidade de apresentar projeto de lei complementar para alterar as regras da Previdência. Com isso, o Legislativo também poderá apresentar.

Tramitação

Agora, a PEC será encaminhada a uma comissão especial que será instalada pelo presidente da Câmara. O colegiado tem 40 sessões para aprovar relatório e então seguir para deliberação no Plenário da Câmara, onde precisa de, no mínimo, 308 votos em dois turnos. Uma vez aprovada pela Câmara, a PEC seguirá para o Senado, onde passará pela CCJ daquela Casa e depois seguirá pelo Plenário, onde são necessários 49 votos favoráveis, de um total de 81 senadores, em dois turnos. Caso haja alteração no texto, a PEC voltará para a Câmara. Só depois do aval final é que a PEC vai para promulgação do Congresso e as regras passarão a valer.