O Poder Executivo enviou no final de julho para o Congresso Nacional um Projeto de Lei que cria um fundo financeiro para realizar aplicações e financiar projetos estratégicos para o país, tanto internamente como no exterior. Esse tipo de instituição financeira, conhecido como “fundo soberano”, foi discutido no Poder Executivo nos últimos meses e tem recebido muita atenção da imprensa, geralmente de forma desfavorável.

O Projeto de Lei 3.674, de 2008, que cria um fundo financeiro denominado “Fundo Soberano do Brasil – FSB”, determina que este será um fundo de natureza contábil e financeira vinculado ao Ministério da Fazenda. O “Fundo Soberano” tem quatro objetivos: promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior; formar poupança pública; mitigar os efeitos dos ciclos econômicos; e fomentar projetos estratégicos do Brasil no exterior.

De onde virão os recursos do Fundo Soberano


O FSB será formado por quatro tipos de recursos: recursos do Tesouro (dotação orçamentária), próprios ou de emissão de títulos; ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União; outros direitos com valor patrimonial; e os resultados de aplicação financeira à sua conta.

As aplicações do Fundo

O Fundo poderá utilizar seus recursos de três formas: depósitos remunerados em instituições financeiras no exterior; aquisição de outros ativos financeiros no exterior diretamente pelo Ministério da Fazenda; e integralização de cotas de um fundo financeiro privado a ser constituído no Brasil, denominado Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE), e gerido por uma instituição financeira oficial. Quando o recurso se destinar a cotas do FFIE, este não poderá ter origem em emissão de títulos.
As aplicações feitas no exterior terão rentabilidade mínima, ponderada pelo risco, equivalente a taxa Libor (London Interbank Offered Rate) de seis meses.

A regulamentação do Fundo Soberano

O Fundo será regulamentado por decreto que estabelecerá a sua política de aplicação (critérios de rentabilidade e risco), as diretrizes de gestão, as regras de supervisão prudencial – que devem obedecer a melhores práticas internacionais, e os requisitos para integração de cotas da União no Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE).

O Fundo será dirigido por um conselho deliberativo que, dentro do disposto no decreto, aprovará a forma, o prazo e a natureza dos seus investimentos. Esse conselho será instituído pelo Poder Executivo, que designará seus membros. As demonstrações contábeis do FSB serão semestrais, devendo o Ministério da Fazenda encaminhar ao Congresso Nacional, também a cada semestre, o relatório de desempenho.

O Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE)

O FFIE será o instrumento de aplicação de recursos do Fundo Soberano no próprio Brasil e no exterior. As aplicações estão destinadas a atingir três objetivos do FSB: formar poupança pública; mitigar os efeitos dos ciclos econômicos; e fomentar projetos estratégicos do Brasil no exterior. O FFIE será uma instituição financeira de natureza privada, com patrimônio próprio, de modo que seu cotista único, a União, não responderá por nenhuma de suas obrigações. Ele será gerido por uma instituição financeira federal (provavelmente o BNDES).

O estatuto do FFIE – que será aprovado pelo Fundo Soberano, por intermédio do Ministério da Fazenda – definirá a política de aplicação e as regras de supervisão prudencial.

O Fundo soberano e os interesses nacionais

Um fundo soberano ou Fundo de Riqueza Soberana (em inglês, Sovereign Wealth Funds – SWF) é um instrumento financeiro adotado por alguns que utiliza recursos públicos – oriundos de tributação ou de dívida interna – para criar um patrimônio público de caráter nacional, a ser utilizado para atender necessidades de futuras gerações de sua população ou para atingir outros objetivos financeiros ou estratégicos.

O fundo soberano ficaram mais conhecidos por investirem no exterior, utilizando parte de suas reservas de divisas, mas também, em muitos casos, investem também em seu próprio território. O objetivo desses fundos é obter ganhos financeiros superiores aos usufruídos por suas reservas de divisas, mas também para alcançar objetivos estratégicos para o Estado ou sua economia nacional.
Os fundos soberanos administram as imensas reservas de divisas dos países exportadores de bens manufaturados que tiveram suas receitas multiplicadas de maneira formidável nos últimos anos. Entre os mais importantes, figuram os de Dubai, Noruega, Qatar, Cingapura e China, este criado em 2007 com aporte de 200 bilhões de dólares.

O argumento de que fundos soberanos são instrumentos próprios de países que são estruturalmente países superavitários em seu comércio mundial e cujo superávit deve-se a exportação de uma riqueza não renovável é falso. Assim como também é falso que os objetivos de um fundo soberano reduz-se a criação de uma poupança para futuras gerações em decorrência da exploração de uma riqueza não renovável ou para reduzir os custos financeiros.

Essa diferenciação de objetivos que assinala os fundos soberanos é atestada pelas diferentes características dos países que o adotam. Há países produtoras de petróleo – como Arábia Saudita, Kwait, Dubai, Rússia – ou grandes exportadores – como a China e Cingapura – mas também há países desenvolvidos e deficitários como Canadá e EUA. Assim como os países são diferentes, os objetivos de seus fundos soberanos também são diferentes.

Embora o Brasil não possa ser qualificado como um país estruturalmente superavitário, possui uma das maiores economias do mundo e tem necessidade de ter um instrumento que lhe possibilite, internamente, agir como um fator que amenize a natureza cíclica típica das economias capitalistas, como também reduzir seus custos financeiros com a manutenção de suas reservas internacionais e, também, viabilizar interesses nacionais geoestratégicos.

Uma proposta flexível e abrangente

A proposta adotada para o Fundo Soberano do Brasil – FSB é flexível e abrangente tanto quanto aos objetivos quanto as fontes de seus recursos. Basicamente, se pretende um fundo fiscal – de natureza contábil e financeira – que atuará internamente para reduzir as flutuações dos ciclos econômicos e, externamente, para incrementar projetos estratégicos para o Brasil. Tanto interna como externamente, o Fundo atuará também para reduzir os custos fiscais da União.

Quanto ao objetivo interno, o FSB passará a compor o cálculo da dívida líquida da União, como um ativo de melhor rendimento que outros importantes ativos que o compõem como o FAT e as reservas internacionais, melhorando a qualidade e o custo do superávit primário. A atuação anticíclica se dará pela possibilidade dos recursos do Fundo ser incrementado quando na fase econômica de expansão, e reduzido quando o ciclo for contracionista.

O objetivo externo se dará pela aplicação financeira em depósitos remunerados ou em outros ativos, adquiridos por meio do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE) – braço executivo do Fundo Soberano – ou diretamente pelo Ministério da Fazenda. Esses investimento tem que obedecer ao critério financeiro de renderem pelo menos o equivalente a taxa Libor, ponderada pelo risco de cada ativo. Mas, além do aspecto de redução do custo fiscal, esses investimentos externos – obedecido o critério da remuneração mínima – podem ser direcionados para concretizar interesses estratégicos do Estado ou da economia brasileira. Neste aspecto, é bom lembrar que o Brasil possui interesses geoestratégicos relevantes em áreas como a América Latina e a África, que, as vezes, demandam financiamento do próprio País para se viabilizarem. Esses investimentos podem ser concretizados no exterior tanto por empreendimentos executados por empresas nacionais ou de outras nacionalidades.

Devido ao crescimento da importância do Brasil no concerto internacional, tanto política como economicamente, a existência desses interesses estratégicos tendem a crescer e não podem ser ignorados pelos Poderes da União nem pelos homens públicos que os compõem. Seria de uma tibieza irresponsável negar ao País, neste aspecto, um instrumento de ação geoestratégica como o FSB.

As fontes de recursos também são flexíveis. Basicamente, os recursos podem ter origem primária (rendas de tributos) ou financeira (emissão de títulos ou ganhos obtidos pelo próprio Fundo). As aplicações do FFIE no mercado financeiro nacionais só podem ser lastreadas em recursos primários, por motivos óbvios. Já as aplicações no exterior podem ter origem tanto em recursos primários como financeiros. Como se prevê recursos de outras origens patrimoniais, é possível que o FSB esteja sendo criado também para administrar os futuros rendimentos da União com sua futura participação na exploração petrolífera dos megacampos da região geológica conhecida como do pré-sal. Essa hipótese eleva ainda mais a importância estratégica deste Fundo Soberano.

A gestão e o controle do Fundo Soberano


A proposta também se nos parece adequada quanto as disposições gerenciais e de controle do Fundo Soberano. Apenas se prevê a instituição de um conselho deliberativo para o FSB, que será preenchido pelo Poder Executivo. Essa disposição é coerente com a necessidade de se adotar uma estrutura enxuta e flexível para sua gestão.

Quanto ao Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE), instrumento executivo do FSB, terá também uma estrutura mínima a ser definida também pelo Executivo, já que ele será gerido por uma instituição financeira oficial já existente – provavelmente o BNDES – que já possui estrutura própria e expertise necessárias à execução da tarefa.

As regras de investimento e de assunção de riscos também está adequadamente equacionada quando o Projeto de Lei determina que se adotará para as aplicações externas as melhores práticas de supervisão prudencial adotadas internacionalmente. Quanto as aplicações internas, as regras e critérios de aplicação constarão dos seus estatutos – um documento público – e está sujeita, como qualquer outra instituição financeira, à regulamentação própria da atividade, tanto pela Comissão de Valores Mobiliários como pelo Banco Central do Brasil.

Quanto ao controle do Poder Legislativo, o Projeto prevê que a cada semestre o Ministério da Fazenda encaminhará às Casas um relatório circunstanciado do desempenho do Fundo Soberano do Brasil – FSB. Consideramos que juntamente com as demonstrações financeiras semestrais do FSB e do FFIE, esse relatório representa instrumento adequado e suficiente para o necessário controle do Congresso Nacional sobre as atividades do Fundo Soberano.

Conclusão


A criação do Fundo Soberano do Brasil – FSB e do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilidade (FFIE) vem atender a importantes objetivos fiscais e estratégicos do Estado brasileiro. Esses objetivos respondem a necessidades de reduzir o ônus fiscal com o carregamento das reservas internacionais, mas principalmente atende aos interesses geoestratégicos e econômicos de ter um instrumento de financiamento a longo prazo que dê sustentação a ações de ocupar e garantir espaços econômicos no exterior, em especial na América Latina e África.

Os instrumentos de controle e de transparência são adequados, garantindo um acompanhamento adequado por parte do Executivo e do Poder Legislativo.

Além das vantagens explicitadas, o FSB pode vir a ser utilizado no futuro como depositário dos recursos financeiros de uma eventual participação da União na produção de petróleo originada nos megacampos das camadas do pré-sal.