As plataformas digitais têm sido instrumento de campanhas contra a saúde pública, contra crianças e adolescentes, de apologia ao suicídio, à automutilação, ao racismo, à violência contra as mulheres, aos golpes de estado.

E aí? Ficaremos passivos, não faremos nada? Qual a responsabilidade das grandes empresas de tecnologia com esses conteúdos que circulam nas suas plataformas sem qualquer restrição ou regulação?

Como responder às famílias que não enviaram seus filhos à escola no 20 de abril por conta de propaganda massiva e falsa na internet sobre crimes que seriam cometidos contra seus filhos? O que dizer das campanhas que desacreditaram as vacinas e divulgadas na internet, com argumentos sem qualquer base científica, custando vidas de pessoas contaminadas e que adoeceram sem proteção? E os medicamentos sem eficácia, espalhados sem limites?

Como permitir que o chamamento de atos golpistas, contra a Constituição do país, apologia à tortura permaneçam nas redes sem qualquer responsabilização? São crimes contra o Estado democrático de Direito, outros hediondos, inafiançáveis e contra a vida.

Quem leu o livro Engenheiros do Caos, de Giuliano Da Empoli, que versa sobre fake news, teorias da conspiração, algoritmos e sua utilização na disseminação do medo, do ódio, e a interferência em processos democráticos, vai entender que o planejamento da extrema direita é muito mais articulado e poderoso economicamente do que alguns ingênuos ou manipuláveis possam imaginar.

Esse é um debate planetário e vários países já criaram leis para regular as redes digitais de informação e conteúdo. No Brasil, após o que vivemos na pandemia, a tentativa de golpe de estado, os crimes nas escolas, não há mais como esperar.

O Projeto de lei 2630/2020, que tramita na Câmara e já está pautado para votar em plenário e relatado pelo deputado Orlando Silva, enfrenta corajosamente os crimes decorrentes dessas articulações e seus seguidores, e tantas outras ações ilícitas contra a sociedade no ambiente da internet, garantindo ampla liberdade de expressão e transparência.

O projeto tem 80 outros apensados e, já em 2020, teve amplo debate iniciado com o Ciclo de Debates Públicos com a realização de onze mesas de discussão e a participação de 72 especialistas e numerosos deputados, transmissão aberta pelo Youtube e ativa participação dos internautas pelo e-Democracia.

Em 2021, quatorze reuniões no âmbito do Grupo de Trabalho, com um total de 15 audiências públicas. Em 2022 e 2023, continuidade dos debates com entidades e bancadas do parlamento, dezenas de entrevistas do relator, e apresentação do relatório no dia 27/4/2023, ainda aberto a ajustes

Os primeiros artigos definem seu escopo central:

Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, destinada a estabelecer normas e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais, ferramentas de busca, de mensageria instantânea, assim como diretrizes para seu uso.

Parágrafo único. As vedações e condicionantes previstos nesta Lei não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5o e 220 da Constituição Federal.

Art. 2º Esta Lei se aplica aos seguintes provedores que, quando constituídos na forma de pessoa jurídica, ofertem serviços ao público brasileiro e exerçam atividade de forma organizada, e cujo número médio de usuários mensais no país seja superior a 10.000.000 (dez milhões):

I – redes sociais;
II – ferramentas de busca;
III – mensageria instantânea; e
IV – quanto ao disposto no art. 31, também os provedores de aplicações ofertantes de conteúdo sob demanda.

Circulam informações sobre como o PL 2630/2020 afeta os produtores de conteúdo da internet. Na verdade, são desinformações e distorções sobre o texto e seus significados, pois não se baseiam na realidade e no que está escrito. Há muitos interesses sendo incomodados neste debate e nas definições sustentadas no texto e, por isso, manipulam dados e cabeças.

Essas pessoas, que se dizem contra grandes poderes, acabam trabalhando para as grandes, pois o artigo 2º é claro e as diretrizes da lei são protetivas da sociedade contra crimes e uso ilícito deste meio gigante e trilionário de comunicação, a internet.

Absurdos tem sido falado sobre o relatório do deputado Orlando Silva. Pois vamos a alguns deles.

Que o projeto é da Globo. Isto só não é mais ridículo porque é fácil de combater. Os grandes provedores têm permitido a circulação de desinformação e conteúdos ilícitos sem regulação. O texto impede a continuidade desta prática e valoriza a informação propondo que os conteúdos jornalísticos sejam remunerados. Todos!

Os grandes meios hoje já tem condições de negociar a remuneração de seus conteúdos. E os pequenos? E o MEI, jornalista individual? Pois o projeto garante esta remuneração e indica o detalhamento na regulamentação que será feita pelo governo.

Não alcanço nenhum prejuízo aos sites, youtubers ou qualquer outro profissional que produza conteúdo jornalístico no Brasil. Por isso, é no mínimo uma grande manipulação desrespeitosa fazer a afirmação de que o projeto favorece uma grande empresa de comunicação, quando na verdade ele contrapõe o interesse das big techs. E quem reproduz este discurso acaba por estar a serviço delas.

Além disso, não cria nenhuma obrigação para o usuário pagar para usar conteúdos. Ele simplesmente estabelece uma obrigação de remuneração das plataformas ao jornalismo, e também aos criadores de conteúdo artístico na forma de remuneração de direito autoral, demanda elevada dos que detém propriedade intelectual e de imagem no mundo das artes, e ninguém mais. Essa obrigação vem sendo criada em vários países e foi referência de estudo ao relator da matéria.

Uma outra fake news sobre o texto é que criará censura religiosa e à liberdade de expressão. O que se deve fazer é ler o que está escrito. Não há hipótese de prosperar uma bobagem dessas, na medida em que não tem uma vírgula sequer limitando os direitos individuais e coletivos garantidos na Constituição brasileira. Ao contrário, impede que esta seja violada.

E por isso, é criado o chamado “dever de cuidado” em cinco situações: fluxo de mensagens que possam estimular atos de TERRORISMO, VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES, CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, CONTRA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, CONTRA A SAÚDE PÚBLICA.

Nesses casos a plataforma é notificada e no caso de omissão, a lei estabelece responsabilização.

Também estabelece responsabilidade solidária das empresas provedoras, quando ela recebe recursos para impulsionamento das mensagens de conteúdo criminoso e, principalmente, exigindo transparência sobre conteúdos que são impulsionados ou patrocinados com informações sobre quem fez o pagamento ao provedor. Isso não é censura ou quebra de privacidade, mas instrumento de investigação de crimes sobre as indústrias de ilegalidades, desinformação e ódio.

São criadas sanções e os recursos provenientes das multas serão revertidos para educação sobre essas mídias nas escolas.

Quanto à imunidade parlamentar de voto e opinião, não se preocupem. Este instituto não protege nenhum deputado ou senador do cometimento de crimes, seja na tribuna ou na internet. Portanto, não deve ser fator de crítica ao texto.

A internet não pode ser terra sem lei, não pode ser incubadora de nazifascismo e de crimes contra os direitos fundamentais, da dignidade humana ou contra a democracia. Cabe ao PL 2630 a tarefa de contribuir para um ambiente democrático e saudável na internet, com liberdade de expressão e fiscalizada contra ações ilícitas, hoje sem limites, em benefício da ganância, lucro e parcialidade das grandes bigtechs.

Muitos cobram, corretamente, a regulamentação dos grandes meios de comunicação e, portanto, a sua democratização. Esse conteúdo está em outros PLs que tramitam na Câmara e Senado. É uma luta de muitos anos e que devemos enfrentar. Luta que não é antagônica com o PL 2630. Na verdade, é sinérgica.

São muitos gigantes a enfrentar!
#PL2630 já !!

 

*Jandira Feghali é líder do PCdoB na Câmara. Artigo originalmente publicado na Carta Capital